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quarta-feira, 2 de abril de 2025

TVE DOCUMENTA - LAMPIÃO - OS ÚLTIMOS DIAS DO REI DO CANGAÇO (PARTE 2).

 Por Educativa TV (TV Educativa)

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A EXPLOSIVA E ELUCIDATIVA ENTREVISTA DO CANGACEIRO RAIMUNDO MORAIS - Por José Tavares de Araujo Neto.

 

Preso em Missão Velha/CE e recambiado para a cadeia da capital cearense, em agosto de 1928, o cangaceiro Raimundo Morais relatou sua participação em marcantes fatos da história do cangaço, citando importantes companheiros de luta, a exemplo de Sebastião (Sinhô) Pereira, Luiz Padre e Lampião e a relação de importantes figurões da política cearense, paraibana e pernambucana, como o major José Ignácio, do Barro; o coronel José Pereira, de Princesa; Yoyô Maroto (Crispim Pereira de Araújo), de Belmonte; dentre outros.
A reportagem foi publicada, em 01 de setembro de 1928, no Jornal “O Ceará”, de Fortaleza. Abaixo transcrevo a matéria integralmente, alterando apenas a ortografia da época para a dos dias atuais.
“Entre os cangaceiros que se encontram na cadeia pública desta capital, presos pela polícia cearense, depois que o dr. Mozart Catunda Gondim assumiu a direção da Secretaria da Polícia e Segurança Pública, figura Raimundo Maximiano de Morais, que conta 28 anos de idade, de cor morena, baixo, natural de Brejo dos Santos. Gaba-se Raimundo Maximiano de Morais de ter vivido doze anos na espingarda no meio dos mais temíveis cangaceiros, como José Ignácio, do Barro; Sebastião Pereira, Lampião, Luiz Padre, Gitirana e muitos outros. Inicialmente disse-nos Morais que fosse contar toda a sua vida de cangaceiro, levaria muitos dias.


Por isso, concordou conosco em fazer uma narrativa completa, mas desprezando certos pormenores que julga sem importância. Viveu em Brejo do Cruz até 1914, em companha de seu pai José Maximiano de Morais, a quem ajudava numa loja de que o mesmo era proprietário. No fim daquele ano, quando contava apenas 14 anos de idade, abandonou a casa do seu pai a fim de ganhar a vida sozinho, passando a trabalhar para Chico Chicote, político influente, que pouco dias depois convidou-o a tomar parte do assalto armado a Porteiras. Com extraordinária satisfação, Morais aceitou o convite e seguiu no meio de numeroso grupo para o ataque àquela vila, que caiu em poder de Chico Chicote. Durante a luta, Morais portou-se com tal valentia, que passou a ser alvo de elogios do chefe do bando e dos seus companheiros, o que encheu de orgulho e o animou a prosseguir na vida do cangaço. Pouco depois dessa façanha, quando se encontrava no sitio Guaribas, de propriedade de Chico Chicote, tomou, por duas vezes, parte na defesa daquela propriedade, atacada por forças do governo.
Serenadas as cousas em Guaribas, foram dispensados os serviços de todos os cabras, tendo Morais seguido com diversos deles com destino a Brejo dos Santos, onde foram cercados por uma numerosa força policial, que conseguiu capturar um. Morais conseguiu não ser apanhado e fugiu para São José de Piranhas, Paraíba, onde, não sendo conhecido, pôde empregar-se como lavrador no sítio Picadas, de propriedade do Major Andrade. Passou seis meses trabalhando naquele sítio, mas tinha saudade da vida do cangaço, e, por isso, voltou a Brejo dos Santos, sendo, logo após a sua chegada ali, cercado por uma força policial. Graças ao auxilio que lhe prestou um seu irmão, pôde fugir, indo ter ao sítio Barro, de propriedade do coronel José Ignácio, homem rico, de Milagres. Durante um ano, pouco mais ou menos, esteve trabalhando como agricultor naquele sitio, mas, em certo dia, José Ignácio chamou-o, dando-lhe um rifle e farta munição para, em companhia de outros “rapazes”, ir fazer um serviço.

Fazenda do Major Zé Inácio, no Barro
Tratava-se nada mais, nada menos, de liquidar João Flandeiro, inimigo de José Ignácio. O grupo era chefiado por Sebastião Pereira e, entre outros cangaceiros, contava Tiburtino Ignácio, Ponto Fino, Deodato, Patrício, João de Genoveva e José Pedro. Cerca de 5 horas da manhã, o grupo cercou o sítio Pitombeiras, distante uma légua do Barro, propriedade e residência de João Flandeiro, começando, então, violento tiroteio, que durou até as 9 horas da manhã, quando a família do atacado, obteve permissão para sair de casa. João Flandeiro, apesar de ferido, resistiu ainda 15 minutos de fogo, mas, afinal, abriu a porta para entregar-se, sendo crivado de balas. Imediatamente, os assaltantes atearam fogo na propriedade. Terminado o “serviço”, o grupo voltou ao sítio Barro, ficando José Ignácio muito satisfeito quando soube que o seu inimigo tinha morrido e que a sua propriedade fora incendiada.
Dois meses mais tarde, fazendo parte de um grupo de 12 homens, em que figuravam Luiz Padre, Sebastião Pereira, Mourão, Gitirana, José Dedé, João Dedé, Vicente Marinho, José Marinho e Cambirimba, dirigiu-se Morais para o Pajeú, em Pernambuco, onde morava uma filha de José Ignácio. Ali, no povoado Queixadas, mataram, depois de renhida luta, o Antonio da Imburana, que havia assassinado Manoel Pereira Dadir, irmão de Sebastião Pereira. Cometido esse crime e sendo perseguido pela polícia pernambucana, o grupo voltou ara o sitio Barro, fazendo, em caminho, vários saques.

Rodrigo Honorato, Manoel Severo, José Tavares e Ivanildo Silveira em Noite de 
Cariri Cangaço em Exu, 2017

Depois de alguns meses de repouso, Morais entrou num grupo de 45 homens, organizado por José Ignácio e do qual fazia parte Lampião, para atacar o padre Lacerda, Em Coité. Pelas 9 horas da manhã o numeroso bando, que se encontrava bem armado e municiado, atacou a vila de Coité, ocupando, no primeiro embate, três casas. A população ofereceu heroica resistência, que durou de 9 horas da manhã a 6 e meia da tarde, quando os assaltantes foram obrigados a recuar, indo até a fazenda do coronel Antonio Cartaxo, em Maurity, o qual, sabendo da aproximação dos bandoleiros, abandonou a sua propriedade, que foi saqueada e depredada.
De acordo com as recomendações de José Ignácio, o grupo, ao retirar-se de Coité, deveria atacar Milagres, mas achando-se essa localidade bem guarnecida. Lampião tentou atrair a atenção da força policial para fora daquele município, para o que fingiu a fazenda Queimada, próximo a Maurity. No momento em que efetuava o assalto a Queimadas, o bando foi surpreendido por uma força de 12 praças, comandada pelo Sargento Gouveia, que recuou três vezes. No último ataque do sargento Gouveia, o grupo decidiu retira-se em direção a Conceição de Piancó. Durante a luta, morreram dois soldados e os cangaceiros perderam “Pitombeira”, ficando ferido o bandido “Lavandeira”, que foi levado para a casa do velho “Baptista dos Valões”, tio de Sebastião Pereira e de Luiz Pedro. De Conceição do Piancó, os bandoleiros dirigiram-se para o povoado Cristóvão, do município de Belmonte, em Pernambuco, onde foram homiziados por Yoyô Maroto, que lhes forneceu munição.

Sinho Pereira (sentado) e Luiz Padre
Após esses acontecimentos, voltaram todos ao “Barro”, de José Ignácio, que mostrou a Morais um telegrama que lhe fora enviado pelo deputado Floro Bartolomeu, aconselhando-o a abandonar a vida de cangaço, visto como pretendia fazê-lo prefeito de Milagres, Em virtude deste conselho, José Ignácio resolveu dispensar o grupo, mandando-o para o Pajeú das Flores.
Os bandoleiros não quiseram ir para aquela localidade pernambucana, e rumaram a Patos e dali a Vila Bela, onde se acoitaram no sitio Abóboras, de propriedade do coronel Marçal Diniz. Numa dessas viagens, o grupo dividiu-se e seis homens dirigiram-se a Olho D’água, tendo um encontro com a força cearense comandada pelo capitão José de Santos Carneiro. Os seis cangaceiros perderam as montarias e refugiaram-se em Patos, onde se encontrava Lampião.
Desse encontro nasceu o receio de que a força cearense atacasse Patos, razão porque o dr. Marcolino Diniz, que protegia os bandoleiros, pediu auxílio do coronel José Pereira, de Princesa, que lhe remeteu mais de 100 homens armados. Enquanto enviava esse reforço de cabras, o coronel José Pereira foi ao encontro da força cearense, avistando-se com a mesma nas proximidades de Patos. O coronel José Pereira procurou convencer ao capitão Carneiro que não havia cangaceiros naquele município, mas o aludido oficial, com cerca de 80 praças, foi até Patos, não encontrando, ali, nenhum bandoleiro, pois, de acordo com os planos do coronel José Pereira, foram escondidos todos os “rapazes”. Foi isso uma felicidade para a força cearense, porquanto estava combinado se tentasse a mesma efetuar qualquer prisão seria repelida pelos cangaceiros, em número, então, superior a 200. No dia imediato, o capitão Carneiro se retirou de Patos. Lampião, à frente de 30 homens, dirigiu-se para o Pajeú das Flores, não sendo acompanhado de Morais que, com dois bandoleiros, voltou ao Ceará.
Durante dois anos, Morais viveu como bodegueiro, mas, vez por outra, realizava, “expedições” de cangaço por conta própria. Numa dessas “expedições”, chefiou um grupo composto de Antonio Padeiro, Lavandeira e dos Mateus, com os quais atacou José Amaro, no município de Aurora, saqueando totalmente a casa deste. Esta façanha custou-lhe nova perseguição da polícia, o que determinou sua fuga para o Pajeú, onde encontrou a proteção de Yoyô Maroto. Este, pouco meses depois, recebia Lampião em sua fazenda, passando Morais a “agir”, juntamente com o temível chefe bandoleiro.



Retirando-se Lampião, Morais não o quis seguir, e, com Lavandeira, passou a roubar entre Cristóvão, Belmonte e Poço dos Paus. Depois de várias peripécias, Morais foi acusado da morte de Vicente Quilarino, pelo que teve de fugir, vindo para Gameleiras, no Ceará, onde foi contratado para, em companhia dos Marcelinos, perseguir Horácio Novaes. Demorou em Gameleira, mas, ali, se viu perseguido por Júlio Pereira, por não querer trabalhar com ele em furtos de gado. Júlio Pereira, com diversas homens, atacou-o no dia 12 de maio de 1926, mas não conseguiu matá-lo.
Morais foi para Olho D’água do Santo, em Brejo dos Santos, onde pediu a proteção do coronel Joaquim de Lucena, conhecido por Quinca Chicote, prefeito municipal, que prometeu acoitá-lo, dando-lhe uma casa. Depois de pouco dias, o mesmo coronel Quina Chicote mandou mata-lo por um grupo de que faziam parre João Chicote, Antonio e Pedro Granjeiro, Manoel Salgueiro e Ferrugem. Morais entrincheirou-se em casa e resistiu ao ataque desde 10 horas da noite até 8 e meia da manhã seguinte, quando recebeu duas balas na perna direita.
Além desses ferimentos, a sua munição acabou-se, não podendo mais resistir. O primeiro a entrar em sua casa foi o Manoel Salgueiro, a quem Morais comunicou que estava ferido. Minutos depois, penetravam na casa mãos trê4s cangaceiros que queriam matar Morais, que apelou para Salgueiro, mostrando que era covardia assassinar e homem ferido e sem armas. Manoel Salgueiro ficou ao lado de Morais, não consentido que lhe tirassem a vida. Ferrugem e os outros insistiram em dar cabo do ferido, mas Salgueiro botou bala na agulha do rifle e tomou posição, disposto a defender a vida do homem, que tinha ido matar. Ferrugem e os outros cangaceiros não quiseram entrar em luta com Salgueiro, retirando-se da casa resmungando.
Morais foi levado para Brejo dos Santos, onde, depois da amputação da perna direita, acima do joelho, foi recolhido a cadeia. Passados alguns meses, Morais foi posto em liberdade, seguindo para Missão Velha, onde encontrou a proteção de Izaías Arruda, que lhe deu cama e mesa. Passou a viver tranquilamente em Missão Velha, mas, ultimamente, quando menos esperava, foi preso e removido para esta capital.
Terminado a sua história, Raimundo disse que fazer um pedido: Tem muitos inimigos na Paraíba que desejam sua remoção para aquele Estado, a fim de assassiná-lo, e por esse motivo queria que intercedesse junto ao dr. secretário da Polícia e Segurança Pública a fim de conservá-lo preso no Ceará, onde tem de responder por diversos crimes, inclusive a morte de João Fladeiro, em Milagres, a mandado de José Ignácio, e a morte de dois soldados da Polícia cearense.”

Jose Tavares de Araujo Neto
Pesquisador, Pombal-PB

Sousa Neto e família de Luiz Padre no Cariri Cangaço de Barro,CE

Um Adendo do grande pesquisador Sousa Neto, de Barro: "Moraes não fugiu. Após alguns meses de detenção ele foi solto e ainda cometeu outros crimes. Só deixou a vida bandoleira após o tiroteio em que foi alvejado na perna. Eu disse antes que Raimundo Moraes (Mundinho) teria fugido para o Piauí, cometi um engano, outro importante cangaceiro de José Inácio e Sinhô Pereira, Raimundo Tabaqueiro fugiu para o Piauí e desapareceu.Vou narrar nos comentários os últimos dias de Raimundo Moraes. Aproveito para lhe parabenizar pela narrativa transcrita do Jornal O Ceará. Um abraço.

"Em maio de 1926, no lugar Olho D’água dos Santos, doze civis cercaram Raimundo Morais (Mundinho), bandido errante que pertencera aos grupos de Sinhô Pereira e Lampião. Mundinho, que era natural de Brejo Santo, foi ferido na perna mas resistiu durante 10 horas. Conduzido à cidade, onde foi alvo da curiosidade dos antigos companheiros de infância, o bandoleiro submeteu-se à uma dura operação efetuada por Dr. Caminha, que lhe amputou a perna com facas e serrote de açougue. Após aquele martírio, Mundinho solicitou um confessor. Pe. Nonato ouviu-lhe por mais de uma hora. De resto, solicitário e ébrio inveterado, veio a falecer na mais negra miséria em 1955.Antes de morrer Raimundo Morais acedeu em narrar episódios de sua vida pregressa. Em dado momento quando se referia a seu batismo de fogo no grupo de Sinho Pereira (combate da Carnaúba-Pajeú) o ex-bandido expandiu-se num pranto convulsivo sem mais poder pronunciar uma só palavra".

Sousa Neto
Fonte - Revista Itaytera

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O FOGO DAS GUARIBAS E O TRISTE FIM DE NÊGO MARROCOS

 Por:Bruno Yacub

Herlon Fernandes e Bruno Yacub

Em 1927, Macapá, hoje Jati, era distrito de Jardim, que ainda englobava Baixio do Couro, hoje Penaforte. Assim, Jardim era um município de extensa área territorial. Havia em Macapá um jovem cobrador de impostos da renda estadual, muito popular, liderança emergente no Município, já incômodo para as velhas raposas políticas de Jardim: seu nome era Antônio Marrocos de Carvalho.
As circunstancias do assassinato do líder político Antônio Marrocos de Carvalho caracterizavam, a exemplo de tantas outras ocorrências funestas, a época sombria do apogeu do coronelismo. A morte comovente desse cidadão, concomitante à chacina dos homens do Salvaterra e o cerco a Chico Chicote, mostrava como o regime de dominação dos poderosos sul-cearenses, nos derradeiros anos da década de 1920, prosseguia desenvolto, alardeando o prestígio soberbo do bacamarte, que se disparava pelo banditismo político, da polícia e o banditismo dos homens do cangaço.
Àquele tempo, o mais torvo plano foi concertado entre potentados do extremo sul cearense e a polícia militar, para a eliminação de vidas humanas. O desgraçado projeto resultaria, realmente, em várias mortes. E a polícia militar far-se-ia, marcadamente, responsável por um dos capítulos mais sombrios da sua crônica e escreveria uma das páginas mais negras da história do banditismo nos sertões nordestinos.

Os dias eram para o Ceará, principalmente para o Cariri, de perseguições políticas, insegurança e intranquilidade.

Antônio Marrocos

Antônio Marrocos foi surpreendido, certa noite, pela visita de Lampião, levado à sua casa por Manuel (Né) Pereira, que exercia cargo de subdelegado daquele povoado. Como é sabido, Lampião era ligado à família Pereira por forte amizade. Fiel à tradição sertaneja e por ser parente e amigo de Né Pereira, Marrocos recebeu a visita com bastante cordialidade. A partir de então, tendo fracassado em duas emboscadas contra Marrocos, no caminho entre Macapá e Jardim, os seus adversários políticos denunciaram-no ao Chefe de Polícia como coiteiro de Lampião, razão pela qual ele passou a ser fortemente perseguido.
Meses depois, novamente à meia-noite, Né Pereira bateu à porta de Marrocos. Ao abri-la, verificou a presença de Virgulino. Sem convidá-los a entrar, Marrocos explicou-lhes o que lhe vinha ocorrendo. A seguir, dirigindo-se a Lampião, sugeriu-lhe que, embora contasse com sua atenção, não voltasse a visitá-lo, afim de não confirmar as acusações que lhe estavam sendo feitas pelos chefes situacionistas de Jardim.
Em resposta, Lampião pediu-lhe que telegrafasse ao Chefe de Polícia comunicando que ele, naquela noite, passava em Macapá com destino ao Cariri. Tal sugestão foi ratificada na manhã do dia seguinte, quando Marrocos, dirigindo-se a Brejo dos Santos (atual Brejo Santo), de onde enviaria o despacho, passou pelo grupo estacionado no local Barra-de-Aço, a 01 km de Macapá.
Apesar de tudo isso, quando o tenente José Bezerra chegou a Macapá, no rumo de Brejo dos Santos, foi à casa de Antônio Marrocos e sugeriu-lhe que, para desmentir as acusações de que estava sendo alvo, deveria unir-se à sua tropa na perseguição ao bando de Virgulino.

Logo de início, alegando de tratar-se de uma calúnia já desmentida, Marrocos recusou a sugestão. Mas, após prolongada polêmica, para não demonstrar covardia, ele resolveu incorporar-se à volante. Com isso, no dia 28 de janeiro de 1927, procedente de Jardim, chegava a Brejo dos Santos uma volante policial sob o comando do Primeiro-Tenente José Gonçalves Bezerra, com o objetivo – segundo era comentado e confirmado pelo citado oficial – de perseguir e combater o grupo de Lampião.


Reafirmando sua falsa missão de dar cabo ao Rei do Cangaço, o tenente José Gonçalves Bezerra saiu de Brejo dos Santos na madrugada de terça-feira, 1° de fevereiro de 1927, comandando uma volante com 70 praças, como auxiliar o Sargento-Tenente Veríssimo Alves Gondim e como guia e agregado à tropa, voluntariamente, João Gomes de Lucena, sobrinho de Chico Chicote, filho do então prefeito de Milagres e ex-prefeito de Brejo dos Santos, coronel Manoel Inácio de Lucena e sobrinho do então prefeito de Brejo dos Santos, o coronel Joaquim Inácio de Lucena, conhecido como Quinco Chicote, além de cabras do coronel Nozinho Cardoso.
Logo após a chacina dos homens do Salvaterra e a fim de não provocar reação em Guaribas e concluir o plano elaborado para eliminar Antônio Marrocos, o tenente José Bezerra, antes de lá chegar, manteve longa conversa com Marrocos, manifestando a certa altura, o desejo de conhecer o mencionado sítio e travar relações amistosas com seu proprietário. A seguir, referindo-se à sua missão e expondo razões de ordem tática, pediu-lhe que fizesse um desenho da casa-grande, das habitações vizinhas e das elevações e depressões do terreno em seu redor. E para que Marrocos não pusesse em dúvida suas intenções, afirmou-lhe que deixaria a tropa distante do sítio e somente ele, o tenente Veríssimo, o sargento Antônio Gouveia (Antônio Pereira de Lima) e o corneteiro Louro Galo Velho iriam à residência de Chico Chicote, tendo à frente o próprio Marrocos, a fim de não haver desconfiança e possível reação à sua presença ali.

Ruínas da Casa de Chico Chicote

Amigo de Chico Chicote, de quem havia recebido, uma semana antes, um rifle de presente, que conduzia a tiracolo, Marrocos traçou a lápis, num pedaço de papel de embrulho, um ligeiro croqui de Guaribas. A casa-grande da fazenda Guaribas, município de Porteiras, era uma verdadeira fortaleza, aboletada numa dobra da Serra do Araripe, ao lado do povoado Simão, e meio a uma plantação de café, com muitas fruteiras. As paredes tinham quase meio metro de largura, feitas de tijolos dobrados, com buracos abertos por todos os lados (chamados “torneiras”), por onde os atiradores poderiam mirar e fulminar eventuais invasores. Com efeito, pelas 07 horas da manhã, ao aproximar-se do sítio, a tropa fez alto e Zé Bezerra pôs em execução o que havia planejado com o seu colega Veríssimo (Esses detalhes foram dados pelo cabo Pedro Alves à viúva de Marrocos, Mundinha (Raimunda) Piancó, bem como outros pormenores sobre o seu fuzilamento).Percebida a aproximação do reduzido grupo, umas das mulheres que faziam colheita de café, naturalmente para esclarecer Chico Chicote e outras pessoas que se achavam com ele, disse em voz alta: É o Nêgo Marrocos!
Imediatamente, o tenente Veríssimo disparou um tiro de revolver nas costas de Antônio Marrocos, que tombou de frente, abaixo de um pé-de-café, atingido no pulmão direito, vindo a falecer três horas depois. 

Naquele momento o segundo “acerto” da empreitada seria efetivado (o primeiro acerto foi a chacina de Antônio Gomes Grangeiro, seu sobrinho João Grangeiro (Louro Grangeiro) e dois moradores, Aprígio Temóteo e Barros e Raimundo Madeiro Barros (Mundeiro). Quando foram prepararo sepultamento de Antônio Marrocos, Mundinha Piancó, viúva de Marrocos estranhou que, embora ele estivesse de frente com a casa-grande das Guaribas, o tiro que o vitimou entrou pelas costas.

Monumento a Antonio Gomes Granjeiro

Confirmando as suspeitas sobre a causa de fuzilamento, o coronel Francisco de Sá Roriz, a Mundinha, ao visita-la em Macapá, que os situacionistas de Jardim haviam subornado Veríssimo com Cinco Contos de Réis para eliminar Marrocos. Para termos uma noção hipotética, 01 Conto de Réis (Mil Mirréis), equivale hoje a R$ 123.000,00 (cento e vinte e três mil reais).
Mundinha Piancó ficou viúva aos 26 anos e com 06 filhos para criar. Faleceu aos 92 anos no estado de São Paulo. A perversidade insana dos velhacos tenentes José Gonçalves Bezerra e Veríssimo Alves Gondim estremunharam, mais ainda, a aversão popular à polícia. O tempo, contudo, se encarregaria de revidar, nas pessoas deles, as mortes bárbaras de Antônio Marrocos, Antônio Grangeiro, Chico Chicote e dos demais que foram trucidados covardemente na hecatombe do começo de fevereiro de 1927.
Decorrido um decênio, na verdade, aos 10 de maio de 1937, José Bezerra, já com a patente de Capitão, seria trucidado, no Cariri ou, mais precisamente no sítio Conceição, próximo às comunidades Mata dos Cavalos e Curral do Meio, no município de Crato, por ocasião de luta com fanáticos remanescentes do beato José Lourenço Gomes da Silva, dentre os quais morreram alguns. A golpes de facões, roçadeiras, foices, cacetes e a tiros de espingardas e pistolas, tombaram o sanguinário oficial, um filho (1º Sargento Anacleto Gonçalves Bezerra), um genro e mais dois policiais subalternos. Dentre os comandados, outros saíram feridos. Mesmo assim, à morte do Capitão seguiu-se o bombardeio na Serra do Araripe, autorizado pelo Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra. Entre 700 a 1.000 pessoas foram mortas. E, assim, se findava um dos maiores bandidos-autoridades de que já se teve notícia no Ceará.


Um lustro antes do capitão José Bezerra, já havia embarcado seu comparsa, tenente Veríssimo Alves Gondim. Em Lavras da Mangabeira, metera-se o tenente Veríssimo a afrontar e humilhar o coronel Raimundo Augusto Lima, filho do coronel Gustavo Augusto Lima e neto de Fideralina Augusto Lima, destronado pela Revolução de 30. Lá chegara, inclusive, com ordem de, a todo custo, conduzi-lo, algemado, a Fortaleza. A vingança, porém, não tardaria muito.
Com efeito, aos 26 de junho de 1932, o oficial era alvejado, nas costas, pela arma do coronel, tal como fizera ele próprio a Antônio Marrocos, minutos antes do Fogo das Guaribas, havia cinco anos. Pôde, ainda, o militar moribundo balbuciar: “Que homem falso!” Estas palavras doridas, que tão bem se ajustavam a seu autor, o malogrado tenente Veríssimo, muito antes, poderiam ter sido articuladas pelo desventurado Marrocos, também, no lance derradeiro. E quem sabe se as não teriam pronunciado? Quem sabe?
Bastante comentado, na época, o assassinato do tenente Veríssimo Alves Gondim. Sob os céus de Lavras da Mangabeira, todavia, nada de novo acontecera, senão a repetição da história.
Bruno Yacub Sampaio Cabral
A Munganga Promoção Cultural

O Brejo é Isso!

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HISTÓRIA CANGACEIRA

Por Enéas Athanásio

  

Acrílico, de JBatista

É curioso observar como o cangaço continua a despertar o interesse dos pesquisadores em geral. No momento em que escrevo tenho conhecimento de que pelo menos dois livros importantes acabam de ser publicados sobre o tema, existe um filme em andamento e são várias as matérias de jornal abordando o assunto. Isso se justifica, em parte, pelo fato incontroverso de que o cangaço foi um fenômeno brasileiro por excelência, com características próprias, sem similar na história ou no mundo, o que talvez explique a razão de tal interesse, inclusive de investigadores estrangeiros de várias áreas. E falando em cangaço, uma figura emerge da história e se alteia sobre as demais, qual seja Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, cognominado o Rei do Cangaço. Tido como modelo da coragem, inteligência e liderança do homem sertanejo, enfrentou por quase duas décadas a vida errante de bandoleiro, à frente de seus homens, desafiando a perseguição das volantes de sete estados nordestinos e só foi eliminado graças a uma traição, enquanto dormia, no interior da chamada Grota do Angico, em Sergipe.

Homem duro, implacável com os inimigos, ninguém jamais se atreveria a colocar em dúvida sua hombridade e nunca pairou a menor sombra a respeito de sua condição de homem-macho. Mas eis que de repente, quando menos se esperava, e, ao que parece, inspirado pelo antropólogo Luís Mott, surge o livro “Lampião, o Mata Sete”, de autoria do magistrado aposentado Pedro de Morais, onde o autor sustenta que Lampião foi afeminado desde mocinho e teria sido homossexual, além de manter uma “ménage a trois” com Maria Bonita, sua mulher, e Luís Pedro, integrante de seu grupo, em plena caatinga. Não bastasse isso, sustenta que Maria Bonita manteve relações com outros homens na vigência do casamento. As teses do autor se baseiam em indícios e informações que, segundo ele, comprovariam os fatos, ainda que contrariando a imensa bibliografia sobre o assunto, a opinião dos estudiosos e o testemunho de incontáveis pessoas em diversas épocas. O livro vem provocando verdadeiro terremoto, uma vez que, na opinião geral, Lampião pode ter sido tudo, ou quase tudo, exceto um homossexual.

A reação não tardou e começaram a surgir manifestações em contrário, avultando entre elas o livro-contestação “Lampião contra o Mata Sete”, de autoria de Archimedes Marques (Info Graphics Gráfica e Editora – Aracaju – 2012). Estudioso do assunto de muito tempo, leitor aficionado da bibliografia existente e com pesquisas realizadas in loco, o autor se debruçou sobre a obra de Pedro de Morais, examinando-a capítulo a capítulo, página a página, parágrafo a parágrafo em cotejo com as opiniões de numerosos outros autores para concluir que as teses nele defendidas são improcedentes e não encontram qualquer amparo em provas, mesmo indiciárias, tudo não passando de verdadeira ficção. Para tanto, buscou subsídios em numerosos autores de várias épocas, desde aqueles que foram contemporâneos de Lampião até os mais modernos, sem esquecer os ensaístas consagrados cujas obras constituem referências. Numa espécie de operação desmonte, tudo foi submetendo a uma análise crítica implacável, muitas vezes contundente, rebatendo as afirmações com cerrada argumentação. Ao longo de 550 páginas densas e pensadas, esmiuçou a obra em questão de tal forma a não deixar pedra sobre pedra, recolocando tudo nos devidos lugares e devolvendo a Lampião a masculinidade que jamais lhe fora negada.

Embora não seja especialista no assunto, tenho lido bastante sobre o cangaço e Lampião e até escrito a respeito. Nessas leituras nunca deparei com qualquer insinuação sobre a homossexualidade do chamado Rei do Cangaço, suas relações com outros homens ou a triangulação com  Maria Bonita e o cangaceiro Luís Pedro. Em livro recente, denominado “De olho em Lampião: violência e esperteza”, de autoria de Isabel Lustosa, pesquisadora titular da Fundação Casa de Rui Barbosa, não encontrei qualquer referência ao assunto. Como se trata de obra visivelmente contrária ao cangaceiro, não creio que silenciasse sobre o fato caso houvesse sustentação para tanto. Também na obra “Lampião – Entre a espada e a lei”, de autoria do magistrado potiguar Sérgio Augusto de Souza Dantas, trabalho criterioso e exaustivo sobre a vida e os feitos de Lampião, nada encontrei a respeito. Como não seria possível esconder essa pretensa homossexualidade de todos e por tão dilatado espaço de tempo, ainda mais em se tratando de personagem histórico tão estudado, acredito que tudo não vai além do terreno da mera suposição.

Enéas Athanásio

A par do debate sobre o tema em todas suas minúcias, o autor Archimedes Marques fornece inúmeras informações a respeito de Lampião, seu grupo, o cangaço em geral e o meio sócio-econômico onde se desenvolveu. Apenas esse conjunto de elementos paralelos já faria do livro “Lampião contra o Mata Sete” uma grande obra.

Enéas Athanázio; Contista, crítico, biógrafo com extensa bibliografia, é um dos escritores mais publicados e conhecidos de Santa Catarina. Reside em Balneário Camboriú e é dos fundadores de Literatura – Revista do Escritor Brasileiro, na qual tem colaborado assiduamente.

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LIVRO - LAMPIÃO A RAPOSA DAS CAATINGAS

  

Depois de onze anos de pesquisas e mais de trinta viagens por sete Estados do Nordeste, entrego afinal aos meus amigos e estudiosos do fenômeno do cangaço o resultado desta árdua porém prazerosa tarefa: Lampião – a Raposa das Caatingas.

Lamento que meu dileto amigo Alcino Costa não se encontre mais entre nós para ver e avaliar este livro, ele que foi meu maior incentivador, meu companheiro de inesquecíveis e aventurosas andanças pelas caatingas de Poço Redondo e Canindé.

O autor José Bezerra Lima Irmão
Este livro – 740 páginas – tem como fio condutor a vida do cangaceiro Lampião, o maior guerrilheiro das Américas.

Analisa as causas históricas, políticas, sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que cangaceiro era a profissão da moda.

Os fatos são narrados na sequência natural do tempo, muitas vezes dia a dia, semana a semana, mês a mês.

Destaca os principais precursores de Lampião.
Conta a infância e juventude de um típico garoto do sertão chamado Virgulino, filho de almocreve, que as circunstâncias do tempo e do meio empurraram para o cangaço.

Lampião iniciou sua vida de cangaceiro por motivos de vingança, mas com o tempo se tornou um cangaceiro profissional – raposa matreira que durante quase vinte anos, por méritos próprios ou por incompetência dos governos, percorreu as veredas poeirentas das caatingas do Nordeste, ludibriando caçadores de sete Estados.
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A PEDRA DO REINO OU PEDRA BONITA!

 Por Luís Bento

É a denominação dada ao conjunto de duas pedras paralelas em formato de tores, com 30 a 33 metros cada uma. Localizadas na Serra do Catolé em São José do Belmonte-PE.

Ficou conhecida como Pedra do Reino, após ser palco de um movimento messiânico. O movimento agredita que nas pedras estava encantado o Reino de Dom Sebastião.

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PADRE CÍCERO, ADMIRADO POR LAMPIÃO E BANIDO PELA IGREJA, AGORA PODE VIRAR SANTO.

  • Edison Veiga
  • Role,
    De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
  • Padre Cícero, em foto do início do século 20, de autoria desconhecida

Graças a uma guinada na alta cúpula do Vaticano, o religioso brasileiro Cícero Romão Batista (1844-1934), conhecido simplesmente como Padre Cícero ou Padim Ciço, pode se tornar santo em breve.

Uma santidade, aliás, já reconhecida pelo catolicismo popular, sobretudo do Nordeste brasileiro. Ali, é comum que o sacerdote, que morreu há 90 anos, seja invocado em rezas e promessas. Não raras vezes com o epíteto de “santo”. Santo Padre Cícero.

A reviravolta da Santa Sé é curiosa porque Padre Cícero não só ainda não foi canonizado como, de quebra, em vida foi banido pela própria Igreja.

Admirado por Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), vulgo Lampião, e por outros cangaceiros, o religioso se tornou político — foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, no Ceará —, era próximo dos coronéis que ali atuavam e tem uma biografia recheada de controvérsias.

O que não impediu que a fé popular o venerasse. Em Juazeiro há uma estátua de 30 metros em sua homenagem, inaugurada em 1969. O local recebe 2,5 milhões de peregrinos por ano.Pule Matérias recomendadas e continue lend

Fim do Matérias recomendadas

“Falar de romarias na Diocese de Crato e em Juazeiro do Norte é falar do querido padre Cícero Romão Batista. Este sacerdote dinamizou a espiritualidade católica na região do Cariri, sendo responsável pela espiritualidade de todo o povo nordestino até os dias de hoje”, afirma o padre Aureliano Gondim, em nota publicada no site da Diocese de Crato.

Para o pesquisador e hagiólogo José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará, “há muita incompreensão e distorção sobre a figura do Padre Cícero”.

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Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa

“Ele não foi expulso do sacerdócio. Por não aceitar testemunhar contra os fatos que presenciou em Juazeiro, foi suspenso da ordem”, diz ele, à BBC News Brasil.

“Padre Cícero foi suspenso das ordens sacerdotais, por causa do ‘milagre da hóstia’, que teria sangrado na boca de uma beata. Tal fato foi questionado severamente pela Igreja, que o proibiu de exercer seu ministério sacerdotal”, afirma à BBC News Brasil o teólogo e escritor J. Alves, autor do livro ‘Os Santos de Cada Dia’.

Em entrevista à BBC News Brasil, o antropólogo e sociólogo Joaquim Izidro do Nascimento Junior, especialista em religiosidades populares e professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atribui à trajetória de Padre Cícero as controvérsias que recaem sobre ele.

“Um padre do nordeste brasileiro, de uma Igreja católica do século 19, que acreditou na manifestação de Jesus Cristo na boca de uma mulher pobre e negra e enfrentou a Igreja”, ressalta ele, lembrando que o religioso “passou sua vida tentando o apoio e o reconhecimento dessa manifestação, por parte da Igreja Católica” e “optou por se tornar político para demonstrar influências e conseguir reverter sua suspensão na própria Igreja”.

“São elementos que reforçam um acontecimento único e controverso por si só”, analisa o antropólogo. “O crescimento da cidade e, consequentemente, das peregrinações, abriram um fosso entre uma trajetória de um padre sertanejo e uma Igreja romana europeia, o que deu contornos dramáticos.”

O suposto milagre

Em 1º de março de 1889, Padre Cícero era um homem prestes a completar 45 anos e já gozava de experiência no sacerdócio — havia sido ordenado em 1870.

Popular pela eficaz e contagiante oratória, ferramenta de inflamados sermões, e pelo trabalho pastoral então inédito naquele carente sertão nordestino, ele celebrava missa em Juazeiro.

Na hora da comunhão, a hóstia recebida pela religiosa Maria de Araújo (1861-1914) alegadamente se transformou em sangue — na boca da mulher. Na visão dos que acreditam: a prova de que aquele pão é o corpo de Jesus.

Seria um milagre.

Cabem aqui parênteses para explicar quem era essa mulher. Nascida do povoado de Tabuleiro Grande, ficou órfã logo cedo e teve uma adolescência difícil, trabalhando no artesanato e em uma olaria. Aos 22 anos, decidiu usar hábito como se fosse uma freira — para o povo, ela acabou sendo reconhecida como uma beata.

Acabou sendo acolhida pelo Padre Cícero, residindo em sua casa. De acordo com Gondim, o fato milagroso se repetiria “por mais 138 vezes, num período de quase dois anos”.

Padre Cícero

CRÉDITO,

DOMÍNIO PÚBLICO/ WIKICOMMONS

Legenda da foto,
Padre Cícero, em foto do início do século 20, de autoria desconhecida

O sacerdote enfatiza que aquela missa do dia 1º de março exigiu preparação especial. Segundo ele, antes “houve horas de oração e jejum por ocasião da quaresma” e da celebração participavam “moças que viviam da caridade, auxiliando a catequese daquele povo”.

Estudiosa do fenômeno, a historiadora e escritora Dia Nobre busca trazer o protagonismo de volta para Maria de Araújo. “Não considero que ela participa do milagre. A partir dos relatos [da época], ela é o próprio instrumento divino para a realização desses fenômenos extraordinários na cidade de Juazeiro”, diz ela à BBC News Brasil.

No fim do mês, Nobre lança o livro Incêndios da Alma, que traz a história dessa mulher e a contextualiza dentro desse ambiente nordestino de catolicismo popular do fim do século 19.

“Não eram somente a transubstanciação das hóstias [a transformação delas em sangue], outros fenômenos também aconteciam, como viagens espirituais, viagens ao purgatório, profecias… Ela recebia estigmas da crucificação”, elenca a pesquisadora. “Ela e outras mulheres se colocavam como protagonistas desses fenômenos, como representantes do próprio Jesus na Terra, dispensando a mediação da Igreja, dos padres. Isso foi uma afronta muito grande à hierarquia do próprio catolicismo.”

“As mulheres foram protagonistas da transformação de Juazeiro em espaço sagrado”, ressalta ela.

Para Nascimento Junior, “no século 19 não havia [na Igreja] nenhum espaço para o reconhecimento de uma manifestação envolvendo a ‘presença’ do próprio Jesus Cristo na boca de uma mulher pobre e negra”.

Encrencas com a cúpula da Igreja

A repercussão do suposto milagre, contudo, não caiu bem para o sacerdote responsável pela missa. Quando a notícia se espalhou, formou-se uma comissão na diocese para investigar o ocorrido — com a participação de dois médicos e um farmacêutico.

Em outubro de 1891, o grupo apresentou um relatório alegando que não havia explicação natural para o fenômeno.

Não satisfeito, o então bispo do Ceará Joaquim José Vieira (1836-1917) nomeou outra comissão — para alguns biógrafos, com integrantes “de cartas marcadas”. O novo relatório concluiu que tudo não havia passado de embuste.

Padre Cícero foi suspenso do sacerdócio, impedido de celebrar missas e de ministrar sacramentos. A pena imputada a Maria de Araújo foi viver em clausura até o fim da vida.

O sacerdote chegou a ir até o Vaticano para buscar uma absolvição diretamente com o papa Leão 13 (1810-1903). De acordo com Lira, seu banimento era restrito à diocese do Ceará e, em qualquer outro local, “com a permissão do bispo, ele poderia exercer o sacerdócio”.

O pesquisador reconhece que “boa parte das controvérsias” em torno de Padre Cícero têm origem nesse episódio do suposto milagre. Ele argumenta que a primeira comissão, que atestou o fato como fora das explicações naturais, contava com dois médicos e um farmacêutico, além de dois religiosos. Já a segunda, constituída por insatisfação do bispo, tinha apenas dois padres.

“Como essa era a pretensão do bispo, ele aceitou o segundo e menos técnico parecer e decretou que se Padre Cícero não negasse aqueles fatos ele estaria suspenso”, explica Lira. “Foi o que ocorreu.”

“Padre Cícero ainda tentou se explicar com o bispo. Não adiantou e ele foi a Roma e foi reabilitado, mas a Igreja local, nos moldes do Direito Canônico da época, não aceitou a reabilitação e Padre Cícero permaneceu suspenso.”

Lira ressalta que ele esteve “suspenso, mas obediente”. “Aceitou a punição, embora injusta, e ficou até o fim da vida usando sua batina sacerdotal e assistindo a missas como leigo. É um grande exemplo”, afirma.

O pesquisador argumenta que Cícero “teria prestígio para fundar um movimento religioso, mas preferia orientar seus amigos — ele chamava a todos de ‘amiguinhos’ — a seguirem as orientações do papa e da Igreja.”

“Apesar dessas imposições da Santa Sé, ele continuou dando o seu testemunho de fé e de pregação, colocando-se a serviço da comunidade e zelando de seus fiéis. Com o passar do tempo, tornou-se respeitado e venerado ainda em vida por todos, sendo aclamado, pelo povo, um santo vivo. São milhares de fiéis que a ele acorrem, pedindo a sua intercessão e agradecendo pelas graças recebidas”, diz Alves.

Para o teólogo, Padre Cícero representa “uma figura emblemática dessas idiossincrasias entre uma postura dogmática da Igreja e a devoção popular”.

“Tudo isso cria uma atmosfera fértil para polêmicas e controvérsias”, afirma.

“Além disso, o fato de se envolver em questões de política local e sua relação com figuras como cangaceiros e coronéis polariza a discussão tanto no campo dogmático quanto sociopolítico e cultural.”

Filiado ao extinto Partido Republicano Conservador (PRC), Padre Cícero foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado se tornou município independente.

Em 1926, ainda seria eleito deputado federal — mas acabou não assumindo o cargo. Ele também chegou a ser nomeado vice-presidente do Ceará, equivalente atual a vice-governador, mas não exerceu a função.

Na década de 1910, acabou sendo o artífice do acordo que ficou conhecido como “pacto dos coronéis”, em que a elite da região se comprometeu a apoiar o governo estadual cearense.

Conservador, ele chegou a dar uma entrevista em 1931 em que afirmou que “o comunismo foi fundado pelo demônio, Lúcifer é o seu nome e a disseminação de sua doutrina é a guerra do diabo contra Deus”.

Em 1926, quando a Coluna Prestes estava na região de Juazeiro e havia um esforço do governo federal de combatê-la, muitas vezes arregimentando mercenários e cangaceiros, Padre Cícero se encontrou com Lampião e outros 49 integrantes do seu bando. Eram todos seus admiradores e devotos.

Conforme o jornalista e escritor Lira Neto conta no livro Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão, Padre Cícero carrega sobre suas costas o fato de que seus “detratores jogam [sobre ele] a responsabilidade pela concessão da patente de capitão ao mais feroz de todos os bandoleiros nordestinos”, Lampião, “em troca do compromisso para que o ‘Rei dos Cangaceiros’ enfrentasse, em 1926, a célebre Coluna Prestes em sua passagem pelo sertão”.

“Como indultar um clérigo que, mesmo antes disso, em 1914, teria benzido rifles, punhais e bacamartes, aparato bélico entregue à jagunçada para promover uma revolução armada, uma sedição que envolveu saques violentos a várias cidades interioranas, provocou a morte de centenas de inocentes e resultou na derrubada de um governo legal?”, questiona Lira Neto. “Como redimir a penalidade de um sacerdote que se transformou em líder político […] e arquitetou um pacto histórico entre os poderosos coronéis do sertão?”

“O fato de ele ter mantido relações com os cangaceiros é um ponto sensível, pois pode ser visto tanto como uma tentativa de mediação e pacificação, quanto como um envolvimento problemático”, comenta Alves. “É preciso avaliar esses aspectos de sua vida à luz de seu impacto positivo na fé, na espiritualidade e na comunidade, sem ignorar as complexidades históricas e sociais, devidamente situadas em seu contexto vital.”

O pesquisador e professor Lira tem uma opinião um pouco diferente. “Ele não foi político nem amigo de cangaceiros. Mas recebia a políticos e autoridades que o buscavam, do mesmo modo que recebia o sofrido homem do campo, a ele dando conforto espiritual e até ajuda financeira, na medida de suas posses”, afirma.

O teólogo e escritor Alves lembra que é preciso entender, “por exemplo, que o cangaço e o coronelismo foram fenômenos históricos no Nordeste do Brasil”.

“O primeiro desafiava a ordem estabelecida e o segundo detinha o poder econômico e político”, pontua. “Há que considerar, também, que Padre Cícero viveu em uma região assolada por secas severas, migração em massa, fome e miséria, falta de políticas públicas.”

“Foi nesse contexto complexo, conflituoso e sofrido que viveu e exerceu a sua ação social e pastoral, sua liderança religiosa e política, que consistia em mediar conflitos e prover as necessidades de sua comunidade. Os sertanejos encontravam nele esperança e apoio para a sua luta em busca de melhores condições de vida e trabalho.”

Assim, Alves conclui que se houve conivência ou manipulação, estes são pontos que permanecem “sensíveis e controversos” na biografia de Padre Cícero.

Lampião

CRÉDITO,

DOMÍNIO PÚBLICO/ WIKICOMMONS

Legenda da foto,
Lampião, em foto da década de 1920, de autoria desconhecida

Devoção

Os destinos da beata Maria de Araújo e de Padre Cícero seguiram rumos bem diferentes no decorrer do século 20.

Personagem principal dos milagres que acabaram sendo testemunhados e defendidos pelo sacerdote, ela sofreu um processo de apagamento.

“Houve um deslocamento da crença da beata para o padre”, explica Nobre. “É sabido que as primeiras romarias, feitas a partir de 1889, tinham como destino a casa de Maria de Araújo.”

Entretanto, com a repressão do bispo frente a essa devoção popular e a condenação da beata ao isolamento, Padre Cícero acabou herdando os holofotes.

“Minha hipótese é que, para não sufocar o movimento das romarias, ele as transferiu para a Igreja de Nossa Senhora das Dores, padroeira do povoado. E, a partir do envolvimento dele na política, ele vai ganhando mais fama e se consolidando”, diz a historiadora.

“As romarias acabam completamente deslocadas para a figura do Padre Cícero, provocando o esquecimento total da beata Maria de Araújo”, afirma.

Quando Maria de Araújo morreu, em 1914, um movimento de devotos começou a visitar seu túmulo. “Mas até isso acabou sendo destruído pelo cônego, consolidando o apagamento social e memorialístico da beata”, afirma Nobre.

A fama de Padre Cícero, por outro lado, só aumentou. Após sua morte, em 1934, ele acabou sendo praticamente canonizado pela fé popular.

Se o movimento em si nunca teve a chancela oficial da Igreja, é verdade que ela acabou o abraçando pastoralmente.

Padre Gondim escreve que esses acontecimentos “serviram para fomentar as peregrinações à Juazeiro do Norte”, permitindo “alavancar a vida do pequeno povoado, pois muitos vinham mesmo para residir e estar perto do padrinho querido”.

Nas altas esferas do Vaticano, a reabilitação de fato do outrora banido sacerdote só ocorreria de fato no século 21. Em seu livro, o jornalista e escritor Lira Neto detalha esses bastidores da fé.

Conforme apurou o jornalista, em 2001 o então cardeal Joseph Ratzinger (1927-2022), que mais tarde seria o papa Bento 16, redigiu uma carta “enviada em caráter reservado à Nunciatura Apostólica do Brasil”.

Na época, Ratzinger comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, organização herdeira do Tribunal da Inquisição. Tinha, portanto, o papel de ser o guardião da ortodoxia da Igreja. Além disso, era visto como homem de confiança do então papa João Paulo 2º (1920-2005).

Nunciatura Apostólica é uma espécie de embaixada do Vaticano, instalada nos países com os quais a Igreja mantém relações. A missiva do alto prelado tinha como assunto o espinhoso caso de Padre Cícero — nas palavras de Lira Neto, “um delicado tema”.

Mais especificamente, Ratzinger tratava da “pertinência de uma possível reabilitação canônica” do sacerdote brasileiro.

“Alguém que levou para o túmulo o estigma de ter sido um proscrito da Igreja. Um clérigo julgado e condenado como insubmisso, contra o qual os inquisidores da época decretaram a pena de excomunhão. Um reverendo maldito, que a despeito disso continua a arrebanhar milhões de peregrinos e devotos, incansáveis perpetuadores de sua memória”, define o escritor.

Lira Neto comenta que, certamente, o que mais motivava Ratzinger em seu empenho era o conhecimento de que o santo popular brasileiro atraía uma multidão anual de cerca de 2,5 milhões de pessoas — nada desprezível em tempos de perda constante de fiéis pelo mundo.

Em sua análise, negar a devoção ao religioso nordestino significaria “negar o acolhimento pastoral a toda uma preciosa legião de devotos”.

“Em Juazeiro, a multidão compacta paga promessas, acende velas, renova a fé, faz novos pedidos e invoca a proteção de seu guia espiritual”, diz ele, acrescentando que é “difícil encontrar uma casa no sertão nordestino na qual não exista uma imagem de padre Cícero”.

“Retratado sempre com o cajado, o chapéu e a batina, ele parece onipresente entre os sertanejos”, afirma o escritor.

O próprio Lira Neto enfatiza que é certo que Ratzinger e a sua congregação tinham conhecimento das “graves acusações históricas que recaem sobre o homem Cícero Romão Batista”. “Elas não são poucas. Quando reunidas, constituem notórios obstáculos à ideia de anistiar, post mortem, as penas que foram impostas ao padre, em vida, pelo Tribunal do Santo Ofício”, ressalta.

“A primeira incriminação que incide sobre Cícero é a de ter sido ele um mistificador, um aproveitador das crenças do povo mais simples, um semeador de fanatismos. Homem de ideias religiosas pouco ortodoxas, leitor de autores místicos, dado a ver almas do outro mundo e defensor de milagres não endossados pelo Vaticano, Cícero estaria mais próximo da superstição do que da fé, disseram dele os muitos adversários que colecionou no meio do próprio clero”, detalha Lira Neto, em seu livro.

“Decorre daí outra incriminação, ainda mais incisiva: a de que nas vezes em que fora repreendido por seus superiores eclesiásticos agira como um rebelde e caíra em desobediência”, afirma ainda. Para o biógrafo, outro entrave seria suam “discutida relação” com “jagunços e cangaceiros”.

Lira Neto comenta, entretanto, que “não são poucos os que definem a eterna tempestade de acusações” contra o padre “como frutos de inverdades históricas, interpretações distorcidas e preconceitos elitistas”.

Alguns meses depois da carta de Ratzinger chegar ao Brasil, um novo bispo assumiu a diocese de Crato, o italiano Fernando Panico. Não foi coincidência. Panico se tornou um grande defensor da causa do Padre Cícero. E, já em sua primeira missa como bispo daquela diocese enfatizou que iria encorajar novos estudos sobre a trajetória do controverso sacerdote.

Um discurso completamente diferente daquele do seu antecessor, Newton Holanda Gurgel (1923-2017), que costumava dizer que “Padre Cícero chegou a Juazeiro missionário, tornou-se visionário e acabou milionário”.

Naquele mesmo ano de 2001, o bispo Panico foi até Roma e teve uma audiência privada com o então cardeal Ratzinger. Conforme apurou Lira Neto, escutou do futuro papa “as palavras que provavelmente já esperava ouvir”.

“O cardeal não só o estimula a levar adiante os novos estudos sobre a polêmica trajetória de Cícero, como também dá instruções detalhadas a respeito da forma de conduzir o processo, de acordo com os rituais e procedimentos da Congregação”, escreve.

Ratzinger também sugeriu uma nova postura da diocese cearense: a partir de então, era importante incentivar a acolher as romarias a Juazeiro.

Em carta aos seus diocesanos, no retorno ao Brasil, Panico declarou que “mais do que nunca é necessário reconhecer as romarias de Juazeiro do Norte como uma profunda experiência de Deus e legítima experiência de fé”.

Uma nova comissão de estudos foi formada, reunindo especialistas em antropologia, história, filosofia, teologia, psicologia e sociologia. Foram cinco anos de pesquisa para um novo julgamento acerca da idoneidade do religioso.

O catatau produzido por esse time foi entregue ao Vaticano em 30 de maio de 2006. Ratzinger já era o papa Bento 16. No total, segundo Lira Neto, foram 11 “grossos volumes encadernados em capa vermelha e identificados com letras gravadas em dourado”, com “cópias de documentos religiosos e seculares, incluindo a vasta correspondência trocada entre os protagonistas da história tumultuosa” do padre brasileiro.

Além disso, a Santa Sé recebeu 150 mil assinaturas de populares pedindo a reabilitação de Padre Cícero e um abaixo-assinado de 253 bispos favoráveis à causa.

Na carta que acompanhou esse material, o bispo Fernando Panico afirmou que estava suplicando ao papa pela reabilitação canônica do personagem, “libertando-o de qualquer sombra e resquício das acusações por ele sofridas”.

De lá para cá, o processo avançou — foi adiante pelas mãos do sucessor de Bento 16, papa Francisco, um notório defensor do acolhimento a manifestações populares de fé.

“Sua reconciliação com a Igreja foi tardia”, diz Alves. “Foi somente em 2015 que a Igreja reconheceu a importância pastoral de Padre Cícero e retirou a suspensão que pesava sobre ele, possibilitando, desse modo, a abertura de seu processo de beatificação.”

O hagiólogo Lira explica que, para abrir uma causa de beatificação e de canonização, é preciso antes de um atestado de “nihil obstat” — ou seja, “nada obsta” — da Santa Sé.

A partir dessa reabilitação de 2015, esse passo pode ser tomado. Em 2022, o atual bispo de Crato, Magnus Henrique Lopes, apresentou ao papa Francisco um pedido de abertura do processo de beatificação. “A resposta foi tornada pública em 20 de agosto de 2022, por meio do anúncio do ‘nihil obstat’ datado de 24 de junho, para dar início à causa”, afirma Lira.

“Como estudioso, posso afirmar que a Igreja sinaliza para um estudo aprofundado da vida e das virtudes que teria o Padre Cícero”, comenta ele. “Não vejo como uma revisão de posicionamento, mas como uma abertura para a continuidade de um estudo sério sobre aquele cristão que testemunhou Jesus em sua vida.”

Alves ressalta que as perspectivas de que Padre Cícero se torne um santo oficialmente pela Igreja “vão depender de vários fatores, incluindo a condução e conclusão bem-sucedida do processo de beatificação e a confirmação de milagres atribuídos à sua intercessão”.

“A reabilitação de sua imagem pela Igreja e a abertura do processo de beatificação são passos importantes, mas o caminho para a canonização pode ser longo e complexo”, avalia. “A devoção popular e a pressão da comunidade de fiéis certamente desempenham um papel, mas a decisão final cabe ao Vaticano, que deve avaliar todos os aspectos de sua vida e os milagres atribuídos a ele com rigor e cautela.”

O antropólogo Nascimento Junior acredita que as chances dessa santificação são “enormes”. “Penso que será uma questão de tempo. Os novos homens da Igreja Católica parecem estar muito interessados”, diz.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c25lvk9rz1lo

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