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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

CANGAÇO: VINGANÇA OU NEGÓCIO?

- No mundo dos ‘negócios do cangaço’, a vingança foi esquecida.


A formação, ou existência do movimento, Fenômeno Social, cangaço brotou dentro de outro Fenômeno Social “O Coronelismo”.

A parte violenta, obrigatória, de submissão e ‘cabrestos’ colocadas, exigidas, pelos que na época mandavam amparados, ou não, pela “Lei”, tanto fazia, pois aqueles que regiam as leis, não faziam com que as mesmas os acolhesse, não a fazia impor contra o grande em proteção ao ‘pequeno’, pelo contrário, essa, a Lei, quando solicitada em sua defesa, do pequeno, e proteção era burlada e invertida, e a vítima passava a ser o criminoso. Em contra partida, o real criminoso, o latifundiário, o ‘coronel’ e/ou o político regional, que era na verdade o criminoso, saia ileso.

Quantas surras, estupros, barbaridades violentas e até mortes, essas com as mais variadas formas de perversidades para servirem de exemplo, foram cometidas dentro e nos terreiros das choupanas dos roceiros agregados, dos vaqueiros, dos meeiros e outros mais, na imensidão dos sertões nordestinos a mando de ‘coronéis’, políticos e fazendeiros em nome ‘deles’ mesmos? E ai daqueles que pelo menos insinuasse o ocorrido na tapera do vizinho, do amigo ou mesmo de um parente próximo, como pai ou filho, pois corria o risco de ter o mesmo ‘tratamento’.


Os ‘Manda-Chuva’ da época tinham a seu dispor, pagos com dinheiro, proteção e favores, sempre um real e perverso contingente de jagunços e pistoleiros. Em caso de darem um aviso, um corretivo, uma ordem para votarem em determinada pessoa e outras mais, eram enviados os jagunços, os homens do coronel fulano de tal, para executarem a ‘tarefa’. Já em caso de um inimigo político e/ou da mesma classe social, era enviado um pistoleiro. Aquele que se acoita e coloca uma emboscada para poder atirar de ponto, e resolver o caso.

Nessa época, o sertanejo que cometia um crime, muitas vezes por não ter outra saída, em defesa da sua honra ou da honra da sua família, corria a pedir socorro, proteção a algum ‘coronel’, da sua região ou em outra mais distante. Se recorresse a Lei, o que seria a maior das imprudências na ocasião, ele estava lascado. Devido à ‘proteção’ ganha, recebida do ‘maioral da região’, passava a ser obrigado a realizar os mandos do patrão até sua total extinção, ou seja, pelo resto de sua vida, tendo ainda seus descendentes sendo sempre ‘lembrados’ do favor que fora feito ao antepassado... Também continuavam com a obrigação de servir. Muitos daqueles que viviam da espingarda, pistoleiros, levavam suas vidas a cuidarem da labuta diária nas terras em que lhes fora permitido viver e trabalhar. Porém, ao primeiro sinal do patrão, trocava de ferramenta, largava o cabo da enxada pela coronha do rifle.



Dentro desse mundo imperioso pelo poder do mais forte, surgiram alguns que em vez de cumprirem ordens de outrem, resolvem eles mesmos serem seus patrões, chefes e mandantes. Dentre esses, alguns, que pensavam antes de agirem, em vez de arrumarem encrenca com os poderosos, os coronéis, faziam pactos com eles e usava uma ‘moeda’ universalmente usada entre os bandidos, à troca de favores. Favores por fornecimento e em contra partida, fornecimento por serviços prestados, tornando-se assim chefe dos demais.

O cangaço surgiu da dor, da lágrima, do sofrimento, do sangue derramado, da ilusão e da morte. Surgido dentro e dessas brutais particularidades, as mesmas são vistas em toda sua existência.

Grandes nomes que se destacaram no cenário cangaceirístico ao longo das décadas, tiveram uma particularidade, excetuando-se uma ou outra personagem, os demais, incrivelmente, agiram igualmente. A maioria do jovem sertanejo que procurava o cangaço era para ter apoio e poder praticar uma vingança. Logicamente nem todos foram devido a esse motivo. Por outro lado, também ocorreram várias entradas nas tropas volantes para darem-se a vingança principalmente ao cangaceiros que algum crime cometera com algum familiar do mesmo.

Pois bem, falando de nomes destacados entre os grandes chefes cangaceiros temos Jesuíno Brilhante, Cassimiro Honório Lima, Sinhô Pereira, Antão Godê, Antônio Silvino, Lampião e outros... Desde o “Cangaceiro Romântico” até o último dos grandes chefes, Virgolino Ferreira, declarou-se haver uma vingança por trás das suas adesões às fileiras do cangaço. A historiografia nos mostra que poucos, dentre os ‘grandes’, realizaram a façanha vingativa. Quando o cangaceiro era jovem, essa vingança ficava mais fácil e oportuna. Destacamos Sinhô Pereira, Sebastião Pereira da Silva, que entrou para vingar e vingou. Após ter cumprido aquilo para que entrasse, sacudiu a poeira das terras pajeuzeiras e partiu para outros ‘mundos’ onde viveu por muito tempo.


Manoel Batista de Morais, o Antônio Silvino, entra para o cangaço a fim de realizar uma vingança naqueles que promoveram e tiraram a vida de seu pai, Pedro Batista Rufino de Almeida, conhecido por “Batistão”. Apesar do tempo em que exerceu a função de chefe cangaceiro, mais ou menos de 1896 a 1914, dezoito anos de cangaço não o fez. Foi preso, entregou-se ao Alferes Theófanes Ferraz Torres, em 1914 sem fazer aquilo para que se destinasse a entrar no cangaço. Além das promessas e juras que fez a seus ‘maiores inimigos’, pessoas da família Ramos. Tendo um de nome Desiderio Ramos, tido como o executor de seu pai que morreu de velhice. Desiderio passou a vida trabalhando de almocreve entre o sertão do Pajeú das Flores e a cidade de Pesqueira, no agreste pernambucano, e a vingança não se realizou. (MELLO, 2011)
Se realmente a vingança fosse uma prioridade para o cangaceiro “Antônio Silvino”, é lógico e evidente que essa teria sido consumada. No entanto, ao estudarmos sua trilha cangaceira, notamos uma tendência a usufruir daquilo que viu no cangaço: muito dinheiro e destaque entre os homens e populares de pequenas Vilas, Povoados e Cidades. Ou seja, após o primeiro impacto onde quase se consuma a vingança, essa, aos poucos é deixada de lado e os “cabras” tomavam outro rumo de ação.

Na historiografia de Virgolino (Ferreira da Silva), o Lampião aparece dois inimigos principais. Um que, segundo ele mesmo, foi o culpado de ter entrado para aquela vida desgraçada. Outro que comandou a volante que assassinou seu pai, já viúvo, em terras alagoanas. No início da pendenga entre Virgolino Ferreira e Zé Saturnino, tocaias e cercos foram colocados pelos dois rivais. Mortes e feridos são relatados ter havido de ambos os lados. Com o passar dos anos, o que não são tantos, notamos um ‘desaparecimento’ total no desejo de vingança, ou pelo menos é o que percebemos ao estudarmos, e não ter-se notícia, sobre alguma ameaça e cerco ou emboscada colocada por Lampião, em seu primeiro inimigo, Zé Saturnino. Esse ‘desprezo’ pela vingança em seu inimigo número 1 começa a ficar nítida logo antes e após a morte do cangaceiro “Vassoura”, Livino Ferreira, em 1925. Com a morte de “Esperança”, Antônio Ferreira, no final de 1926, aí é que a gente não encontra mais nada.


Já quanto à morte de José Ferreira, assassinado na casa em que recebeu para ficar de favores, pela volante do então sargento José Lucena, em território alagoano, mesmo tendo duas versões, a vingança também não se consume. Em uma das versões, o soldado, da volante de Lucena, Benedito Caiçara é o autor dos disparos no patriarca da família Ferreira. Segundo autores, Caiçara nem sabia em quem estava atirando. Mas, relatos nos mostram que o volante era perverso e gostava de matar, principalmente se fosse à covardia como assassinou um dos Porcino, José, que estava ferido sem condições de lutar nem de mover-se, com pedradas na cabeça. Há, também, relatos sobre como executava as ações do comandante José Lucena em seus prisioneiros: “... é sabido por todos, que Lucena não gostava de colecionar prisioneiros. Ladrões em geral, especialmente ladrões de cavalos, assaltantes, desordeiros, perturbadores da ordem pública, muitos foram executados em cova aberta. A ordem para limpar o Sertão já vinha de cima.” (CHAGAS, 2013)

Na versão de Bezerra e Silva, “houve forte tiroteio na fazenda Engenho. Além da morte de José, ficou ferido Antônio Ferreira, na perna. Os Ferreira juntaram-se aos Porcino, conduziram Antônio numa rede e com um grupo de 25 homens, partiram para Pernambuco, pernoitando na Vila Mariana.”


Os autores de “De Virgolino a Lampião”, Vera Ferreira e Antônio Amaury, referem: “Na morte de José Ferreira não houve combate. Os três filhos mais velhos não estavam presente. O depoimento de João e de Virtuosa são bens claros.”

Relatos de um ex cangaceiro do bando de Lampião, Miguel Feitosa, ao sociólogo Frederico Pernambucano de Mello, diz que ocorreu uma espécie de ‘amaciamento, apesar de discreto, progressivo’ entre os dois, Virgolino e Saturnino.


“(...) O amaciamento teve início no ano de 1923 com proposta de acomodação enviada por Saturnino através de José Clementino de Souza, “boiadeiro velho residente na Matinha, perto das Pedreiras, em Serra Talhada”. Como prova dos seus propósitos de paz, Saturnino envia pelo boiadeiro “um uniforme caqui, tipo especial, dos de cinco varas e uma quarta de tecido, comprado no comércio de João de Sá Gominho, em Nazaré, atual cidade de Carqueja, do município de Floresta, Pernambuco”. Ainda, segundo Miguel, o “cérebro” dessa tentativa de acomodação foi Francisco Flor, residente nesta mesma cidade, à época simples povoado (...).” (MELLO, pg. 121, 2011).

Vejam bem, um ex cangaceiro do bando de Lampião vem nos mostrar um grande acordo que ocorreu entre dois rivais ferrenhos. Sabedor da discordância que teria seus irmãos quanto a esse acordo, na época ainda vivos, 1923, O “Rei do Cangaço”, esbraveja que jamais faria qualquer acordo desse tipo com Zé Saturnino. Lampião, sendo o cérebro do bando, sabia como lidar com determinadas atitudes se antecedendo as mesmas, por isso que prolongou seu ‘reinado’ por quase vinte anos. O fator vingança não estava já tão aceso motivando seus movimentos. A vida de criminoso já estava selada, portanto, nada melhor do que prolongá-la indeterminadamente. A razão primaria, ou seja, VINGAR-SE, não mais se enquadrava em seu particular cangaço. Além, é claro, de não mais ter um inimigo perigoso nos calcanhares.

Sabino Gomes de Góis ou Sabino Gomes de Melo, de alcunha ou conhecido como Sabino das Abóboras, um dos mais destacados nomes da história cangaceira, mais audacioso do que o próprio Lampião.

“(...) Lampião recebe o uniforme e embora diga na presença dos irmãos e de outros cabras que não poderia aceitar acordo com Saturnino, procura dias depois o boiadeiro pedindo-lhe que “reservadamente’ apresentasse ao proponente seus agradecimentos pela gentileza. A despeito das cautelas, o assunto viria a transpirar, tendo sido muito comentado no bando do qual o depoente fazia parte nessa época (...).” (MELLO, págs. 121 a 122, 2011)

Já quanto ao comandante José Lucena, o pedido de ‘trégua’, acordo, teria partido do próprio chefe cangaceiro nas terras da fazenda Barra Formosa, propriedade do coronel Francisco Martins de Albuquerque, tentando usar como ‘interlocutor’ do acordo, Gerson Maranhão parente de José Lucena, em 1932.


“(...) No auge da seca de 1932, Gerson Maranhão recebia em sua fazenda Angico Torto, do município de Águas Belas, Pernambuco, emissário do famoso bandoleiro, vindo com a incumbência de preparar-lhe uma visita (...) Segue Gerson em companhia de dois amigos, chegando já noite fechada ao local da incômoda audiência. Estava o bandido com todo o grupo num centro da caatinga situado em uma das mangas da fazenda Barra Formosa, do coronel Francisco Martins de Albuquerque(...) A certa altura, Lampião interrompe a conversa chamando Gerson para um “particular”. Sabia do seu parentesco com José Lucena – como ele, também um Albuquerque Maranhão – e lhe propunha que agisse como intermediário no sentido de uma acomodação: Lucena não mais o perseguiria, nem a seus irmãos, particularmente o mais moço, de nome João, que sempre se conservava fora do cangaço. Em troca, “o meu mosquetão não atira mais nele” (...).” (MELLO, pg. 122, 2011).

Todo catingueiro, roceiro, vaqueiro e dono de propriedade rural, naquele tempo, sabiam da fama de Lampião. O fazendeiro Gerson Maranhão, com toda certeza ficou um tanto sem entender aquela ‘proposta’. As seguintes ações, no decorrer dos anos vindouros, do líder, chefe cangaceiro, a partir de então, também demonstra um relaxamento no tocante a ‘vingança’ jurada. No início de 1938, seis anos depois da proposta de acordo, um caso ocorre aonde viria a confirmar esse fato.


“(...) Em princípios de 1938, o cabra Pedro Barbosa da Cruz, conhecido vulgarmente por Pedro Miúdo, encontra-se com o bando de Lampião na fazenda Riacho Fundo, perto da localidade Antas, município de águas Belas. O chefe, sabendo-o cabra disposto e no permanente esforço de recrutamento a que se entregava, convida-o a acompanhá-lo, ao que Miúdo lhe responde com proposta de “coisa melhor”. Conhecia bem José Kucena, fora soldado de uma volante por ele comandada, e o mataria “por cinco contos de réis”. Surpreso, Lampião agradece a oferta com um raro gesto de prodigalidade: dá-lhe de presente uma faca de cabo trabalhado. Em seguida, dirigindo-se ao cabra, devolve-lhe a surpresa com a seguinte confidência: “Deixe isso. Essas questões já estão velhas”(...).” (MELLO, pg. 123, 2011).

Tanto um como o outro, Zé Saturnino e José Lucena, foram jurados de morte por Lampião, no entanto, a mesma não foi executada. No nosso entender, pelas regras do sertão da época, se era para vingar-se de alguém o correto seria concluir a promessa ou morrer tentando. Isso se fosse penas uma questão de vingança, no entanto, o cangaço lampiônico, criado pelo próprio, tinha algo mais, algo que resultaria numa enorme empresa de proveitos econômicos.


E assim o cangaço e os cangaceiros seguem nos surpreendendo entre seus grandes personagens. Sabino das Abóboras, um dos cabras de Lampião mais valentes que existiu. Sanguinário, malvado, rude e violento, era temido até mesmo mais do que Lampião, jura matar o matador de seu irmão. Ao encontrar o ‘cabra’, referi se ele sabe que irá morrer naquela hora por ter matado seu irmão. O pistoleiro, sem retirar os olhos do cangaceiro chefe cangaceiro Sabino, Sabino tinha um grupo composto por uns 16 cangaceiros, diz que seu irmão, o irmão de Sabino, morreu sem ser a ‘encomenda’, morreu no dele. Que ele estaria realmente esperando era ele, Sabino, para mata-lo. Diante de tão grande prova de coragem, Sabino deixa, deixando seus homens atordoados com tal atitude, o homem ir embora sem se quer um arranhão de ponta de punhal... Nas quebradas do Sertão.

Fotos “Guerreiros Sol – Violência e banditismo no nordeste do Brasil” – MELLO, Frederico Pernambucano de. 5ª Edição revista e atualizada. São Paulo, 2011.

Outras as fontes estão citadas nos rodapés das imagens

https://www.facebook.com/groups/545584095605711/permalink/952890561541727/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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