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domingo, 2 de outubro de 2011

LAMPIÕES DE GRAVATA - 27/08/38 - SERGIPE JORNAL

Por: L. Campos Sobrinho



As polícias gastaram um bom tempo para pegarem Lampião. Não só tempo. E dinheiro também. Verbas e mais verbas, e Lampião aí flanando pra todo mundo. Matava um aqui, intimava o coronel não sei quem dos anzóis a mandar-lhe dinheiro, batia noutro acolá. E as polícias em cima dos rastros

27/08/38 - SERGIPE JORNAL - LAMPIÕES DE GRAVATA
As polícias gastaram um bom tempo para pegarem Lampião. Não só tempo. E dinheiro também. Verbas e mais verbas, e Lampião aí flanando pra todo mundo. Matava um aqui, intimava o coronel não sei quem dos anzóis a mandar-lhe dinheiro, batia noutro acolá. E as polícias em cima dos rastros. Os jornais estampavam nas manchetes que quase que pegaram o rei do cangaço e em tal lugar, que cercaram Virgulino Ferreira e outra porção de cousas que deixava muita gente atordoada e outras tantas tranquilizadas. Afinal de contas mataram o homem. Aliás, ainda fizeram algo de mais importante, de notória relevância para o nosso Código Penal.


Descabeçaram, degolaram Lampião e o resto dos homens que estavam em sua companhia, inclusive Maria Bonita, o complemento do poema lírico da vida de Virgulino Ferreira. Virgulino tinha amor ao dinheiro, ao mosquetão, ao punhal destemido, às suas alparcatas, ao sertão, mas, acima disso tudo, ele via Maria Bonita, amava desmedidamente a Maria Bonita.


Que se acabassem dinheiro, mosquetão, punhais destemidos, alparcatas, sertões mesmo, ele não se incomodaria, mas, Maria Bonita não podia se acabar. Virgulino Ferreira sem Maria Bonita tornava-se só. Os doze, vinte, trinta e cinco e mais homens que lhe acompanhavam sempre não preenchiam o lugar que Maria Bonita, sozinha, somente com o rizinho fraternal de mulher amada, ocupava; enchia as medidas de Virgulino Ferreira; era o pedaço amoroso na sua vida aventureira. Mas chegou o momento da irreflexão, e a cabeça de Lampião e Maria Bonita rolaram, como se nunca pertencessem, na história da fisiologia humana, ao quadro dos animais racionais.

Mataram Virgulino Ferreira. Acabou-se, como anunciam a todo momento, o Terror do Nordeste. Os sertões estão livres desse seu filho monumental. Os sertões estão livres. Mas existem as cidades, que precisam ficar livres também. Os seus Lampiões existem por aí. Acabou-se o cangaço desorientado dos sertões, continua o cangaço orientado, comedido e descomedido, sabido, diplomático, das cidades.

Eles se vestem como eu, como você, melhor do que eu e do que você. Transitam nas ruas como se não fossem Lampiões. E ainda lhe cumprimenta com o risinho cínico de todo bandoleiro inteligente. Mas, quando não está empurrando o punhal em mim ou em você, está sufocando, surrando, apunhalando, os nossos irmãos. Eles são os Lampiões, as cidades, os sertões; nós os sertanejos; logo, nós somos irmãos por força do sofrimento, do maltrato contínuo que ainda não cessou. Se eu dissesse que o senhor Tristão de Ataíde é um Lampiãozinho, você poderia ficar danado comigo, se é que você tem o pensamento carola. Mas o senhor Tristão fica de lado.
Krup, por exemplo, na Alemanha, que fabrica bombas e gazes para nos liquidar;


Hitler, na Alemanha, também, que espanca crianças e velhos, mata, prende a todo momento;


Mussolini, na Itália, que ensanguenta os pobres negros embromados, sem ao menos considerar sobre a rica Abissínia, que ficou como sua presa.


O general Franco, na Espanha, assassino de primeira qualidade, assalariado dos Lampiões internacionais, matando os seus patrícios com soldados e armas estrangeiras, fazendo trincheiras com o montão de carne humana adquirida pelas suas granadas e gazes criminosos.

Assim como estes, existem muitos pelo mundo, que seria um largo trabalho, enumerá-los. Um meu amigo, escrevendo certa vez sobre Virgulino Ferreira, pôs no mesmo nível os Zarof, Rockfeler, etc., mas, não vou até lá. Aqui mesmo no Brasil temos gente que se parece muito com os jovens citados por meu amigo. Não fabricam bombas nem gazes.

O banditismo acabou-se no sertão. Banditismo deseducado. Sem civilização, que pouca questão fazia em matar. Matava quando se via perseguido pelas forças do governo ou pela crise. Mas ficaram os bandoleiros das cidades, espertos, de olhos abertos e vivos, que matam sem serem perseguidos pela polícia, e com os bolsos cheinhos das notas. Esses são os mais perigosos. Lampião e sua tropa matavam e demonstravam a sua impiedade, olhando o sangue a correr como se fosse água.


Esses matam, sem tirar sangue, apertando o estômago da vítima, sugando-lhe a carne e deixando-lhe somente os ossos, o couro seco e os olhos grandes, enormes, espantados, às vezes sorrindo por compreender a causa de seu extermínio, com uma reticência na boca rasgada. Lampiões sem coração.

Lampiões de gravata...
  Autor:    L. Campos Sobrinho - 27/08/38 - SERGIPE JORNAL


Extraído do Blog: O Cangaço em Foco -
do escritor Alchimedes Marques



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