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quinta-feira, 2 de março de 2017

MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS DA CIVILIZAÇÃO DA SECA

 Por Benedito Vasconcelos Mendes

1 Anais da 62ª Reunião Anual da SBPC - Natal, RN - Julho/2010 MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS DA CIVILIZAÇÃO DA SECA Benedito Vasconcelos Mendes 1 I CARACTERIZAÇÃO DA CIVILIZAÇÃO DA SECA Denominamos de Civilização da Seca a que existe na vasta área seca e quente do sertão nordestino (Polígono das Secas), que abrange quase um milhão de quilômetros quadrados e que está localizada no interior do Nordeste brasileiro, somente atingindo a costa no litoral setentrional do Rio Grande do Norte e no litoral cearense. Essa civilização é diferente de todas as outras que ocorrem no Brasil. Ela possui hábitos, costumes, tradições, crenças e religiosidade bem particulares, somente encontrados nessa área castigada pelas secas. A denominada Civilização da Seca foi capaz de originar um cangaceirismo, uma medicina caseira, uma culinária, uma prática religiosa, uma poesia popular, uma música regional, um tipo de arte, um tipo de arquitetura e uma engenharia empírica diferentes, próprios do povo dessa região, que, em seu conjunto, forma a identidade cultural dessa civilização ímpar, pioneira e criativa, que existe no Semiárido nordestino. Essa civilização começou a ser formada há pouco mais de trezentos anos, por ocasião da colonização, após a Guerra dos Bárbaros ( ), sedimentando suas características culturais em um período de cem anos, de 1880 a Seu progresso econômico e cultural teve início por volta de 1880, quando a população sertaneja se tornou mais densa e as vilas e cidades regionais prosperaram economicamente, devido à expansão da cultura do algodão mocó e à introdução de novas atividades extrativistas, como o aproveitamento da cera de carnaúba, da borracha de maniçoba, do óleo de oiticica e da fibra de caroá, que vieram somar com as atividades econômicas tradicionais da criação de gado e da produção de goma e farinha de mandioca, de rapadura e cachaça. O período áureo da Civilização da Seca terminou cem anos depois, ao redor de 1980, em consequência da grande seca do século XX ( ) e da introdução, no Brasil, da praga do bicudo do algodoeiro, no início da década de 1980, o que fez com que as fazendas do Semiárido deixassem de ser lucrativas e, em consequência, provocou o empobrecimento e o despovoamento regionais. Etnicamente, a Civilização da Seca foi formada pela miscigenação das três etnias, com a mistura de suas respectivas culturas, que viviam no Nordeste Seco por ocasião da colonização, ou seja, a etnia branca colonizadora/invasora das terras indígenas, a tapuia, que já vivia no Semiárido, e a negra, vinda da África, 1 Engenheiro Agrônomo, M.Sc., Doutor, Sócio da Academia Mossoroense de Letras, Sócio Correspondente da Academia Cearense de Letras, Sócio Correspondente do Instituto do Ceará e dos Institutos Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da Paraíba.

2 como escrava. Os colonizadores eram, em sua maioria, Cristãos Novos (judeus recém- convertidos ao cristianismo), que à época da colonização brasileira eram perseguidos, por motivos religiosos, em Portugal. O espírito aventureiro do judeu errante, a vontade atávica de ganhar dinheiro do povo judeu e a oportunidade de se livrar da perseguição da Santa Inquisição em Portugal fizeram com que a grande maioria dos colonizadores do Polígono das Secas fosse de aventureiros judeus, que vinham de Portugal solteiros, com o sonho de enriquecer com a criação de gado nos sertões selvagens do Nordeste. O único branco que participou da formação do sangue do caboclo nordestino foi o do colonizador judeu-português, pois os outros brancos que vieram para o nordeste, na época da colonização, como invasores (franceses e holandeses) ficaram restritos ao litoral, não penetrando nos sertões secos interioranos. Os brancos das imigrações mais recentes do final do século XIX e início do século XX, como os italianos, alemães, russos e espanhóis, se fixaram nas regiões Sul e Sudeste, de modo que não chegaram ao Nordeste. Os nativos tapuias, principalmente os da valente nação tarairiu, que viviam a percorrer, da foz à cabeceira, as margens dos rios intermitentes do Semiárido (rios Piranhas/Assu, Seridó, Sabugi, Espinharas, Acauã, Apodi/Mossoró, Jaguaribe e outros), eram altos, fortes, místicos, nômades, corajosos, valentes, vingativos, canibais e amantes da guerra, da música, do canto e da dança. Os destemidos tapuias reagiram à invasão de suas terras, passando a consumir os animais e as lavouras dos colonizadores e a invadir e destruir as fazendas e vilas primitivas. Os brancos, para estabelecer as fazendas de gado, necessitaram expulsar ou matar os tapuias. Para isto, fizeram dois tipos de guerra: a de corso, que matava os guerreiros e escravizava as crianças (curumins) e as mulheres (cunhãs), e a guerra de extermínio, que aniquilava toda a tribo, guerreiros, velhos, mulheres e crianças. Nessas guerras, os colonizadores contaram com os bandeirantes paulistas, com os bandeirantes baianos da Casa da Torre de Garcia D Ávila, com os bandeirantes pernambucanos do Sobrado e com os índios mansos das tribos tupis trazidos do litoral. O período mais violento, mais cruel, mais sanguinário da colonização foi o correspondente ao da Guerra dos Bárbaros, que aconteceu nas ribeiras dos rios Piranhas/Assu, Apodi/Mossoró e de seus afluentes, no Rio Grande do Norte e na Paraíba, e que se expandiu para as margens do rio Jaguaribe, no Ceará. As principais tribos tapuias que se uniram contra o invasor português foram as dos Janduís, Jenipapos, Paiacus, Canindés, Pegas, Coremas, Icós, Jaguaribaras, Tremembés, Acriús, Arariús, Anacés e Quixelôs. O negro trabalhador, pacato e emotivo, que veio como escravo para o Nordeste, fixou-se principalmente nas duas regiões absorvedoras de mão de obra: litoral úmido açucareiro e garimpos baianos da Chapada Diamantina, quase não indo para o sertão seco, pois este tinha como atividade econômica principal a criação de gado, que não utilizava grande quantidade de braços humanos, pois um só vaqueiro era suficiente para tomar conta de um grande numero de reses. Como vimos, o caboclo do sertão semiárido, que representa a etnia da Civilização da Seca, é quase mameluco puro, inicialmente formado pelo cruzamento do branco aventureiro, que, vindo solteiro de Portugal, aqui encontrava uma escassa população branca, também com poucos negros, porém com uma grande quantidade de mulheres índias, que tinham sido escravizadas nas guerras de corso, por ocasião da colonização. Portanto, o caboclo do Semiárido é predominantemente de sangue índio, seguido da étnica branca, com pouca participação da etnia negra. Daí por que os tipos humanos regionais, como o cangaceiro, o jagunço, o vaqueiro, o jangadeiro, o curandeiro, o raizeiro, e outros, possuem muitos traços fisionômicos, psicológicos e culturais dos nativos tapuias. Os cangaceiros eram valentes, nômades e místicos, como místicos, nômades e valentes foram também os tapuias. As danças das bandas cabaçais e o xaxado dançado pelos cangaceiros se parecem mais com as

3 danças indígenas do que com as danças de origem europeia. A Civilização da Seca herdou da cultura material dos tapuias a rede de dormir, o pilão horizontal, a urupema, o abano, o surrão, o uru, a rodilha, a esteira, a cuia e a cuité. Da cultura imaterial, herdou o misticismo, o processo da feitura da farinha de mandioca, o hábito de comer mandioca, macaxeira, batata-doce, cará, milho, frutas silvestres, e muitas lendas, transmitidas pela tradição oral. Da cultura do judeu colonizador, foi herdado o costume de banhar e cortar as unhas do morto, de vestir o defunto com a mortalha, de não enterrar o defunto com objetos metálicos (anéis, medalhas, relógio, pulseiras, cordões e outros), de enumar o defunto sem o caixão, com o corpo em contato direto com a terra, ainda o costume de colocar pequenas pedras no pé e sobre os braços da cruz, que marca o local da morte e/ou de sepultura de pessoas ao longo dos caminhos e estradas sertanejas, de derramar a água dos potes e quartinhas da casa do morto na noite do velório, a tradição do casamento endogâmico de tio com sobrinha, e varrer a casa, da porta da frente para a porta dos fundos, entre muitos outros. II A ARTE SERTANEJA A arte sertaneja é completamente diferente da arte desenvolvida na região açucareira do litoral úmido nordestino e nas outras regiões do Brasil. As artes plásticas, representadas por esculturas, pinturas, desenhos e gravuras, que ornamentam as capelas, as igrejas, os conventos, os mosteiros, os palacetes e os solares dos municípios que usufruíram da riqueza proporcionada pelo ciclo da cana-de-açúcar, como Recife, Olinda, João Pessoa, Salvador e municípios do litoral alagoano, não são encontradas no sertão pobre e seco do nordeste brasileiro. No sertão semiárido, surgiram poucos pintores e escultores, pois não eram artistas plásticos que faziam a arte nos sertões atormentados pelas secas, e sim artesãos, como os carapinas, os marceneiros, os tanoeiros, os santeiros, os ferreiros, os flandreiros, os cuteleiros, os armeiros, os seleiros, as louceiras, as bordadeiras, as rendeiras, as labirinteiras, as chocheteiras, as tecelãs e outros artífices, que exercitavam as artes e os ofícios nessa região pobre e seca. A riqueza gerada pela indústria canavieira fez florescer as artes plásticas na região da Zona da Mata, enquanto as preocupações com a sobrevivência dos habitantes do Polígono das Secas fizeram surgir um tipo particular de arte, com tendência mais utilitária do que estética. O conceito de beleza no povo da Civilização da Seca era mais ligado à abundância e à utilidade do que à forma, à cor e ao brilho. Quando o sertanejo observava uma bela árvore florida, a beleza que nela ele enxergava não era estética, mas utilitária. Ao observar uma árvore, instintivamente ele avaliava qual a quantidade e a qualidade das toras de madeira que poderiam ser aproveitadas, ou qual a quantidade de rama que ele poderia colher dessa árvore para alimentar o gado, quando necessitasse. A harmonia dos ramos, a arquitetura da copa, a densidade da folhagem, o formato e o colorido das flores, folhas e frutos não eram percebidos pelo sertanejo, já que sua mente estava sempre ocupada com as preocupações diárias da sobrevivência. Também o catingueiro não conseguia ver beleza em nada magro. O cachorro, o gato, a vaca, a ovelha, o porco, a cabra, o cavalo, e até a própria mulher, só eram bonitos a seus olhos se estivessem gordos. O tempo chuvoso, a paisagem verde, viçosa, com muito pasto e gado gordo eram o que ele achava de mais belo no sertão. Os artesãos regionais, que constituíam os verdadeiros artistas da Civilização da Seca, faziam suas obras de arte utilitária (louças de barro, carona, selas e outros artefatos de couro, rendas, bordados, labirintos, crochês, artesanatos de palha, de cipó e de fibras vegetais, carros de boi, bolandeiras, ancoretas, pipas, dornas e roladeiras, prensas de madeira,

4 caixões de farinha, móveis e muitas outras peças de uso cotidiano), com o objetivo único de facilitar a vida dos habitantes do Semiárido. Tais artistas engendravam, fabricavam e consertavam objetos, utensílios domésticos, apetrechos de trabalho, implementos agrícolas, máquinas e equipamentos do setor produtivo (agroindústrias, como casa de farinha, engenho de rapadura, alambique de cachaça, descaroçador de algodão, casa de beneficiamento de cera de carnaúba, galpão de preparo de borracha de maniçoba, galpão de beneficiamento de fibra de caroá, usina de prensagem de oiticica, cozinha de queijo de coalho e de manteiga do sertão, oficina de carne de charque e sala de fiar e tecer). Usavam a matéria-prima que a natureza oferecia em abundância, como madeira, couro, barro, palha, cipó e fibras vegetais. No início do século XX, começaram a aparecer no mercado regional, a preços competitivos, outras matérias-primas de origem industrial, como ferro, aço, cobre, bronze, zinco, alumínio, borracha, vidro e plástico. Os artistas que surgiram no sertão seco do Nordeste eram dotados de invulgar senso de improvisação e criatividade. Eles direcionavam todo o seu talento, toda a sua inventividade, toda a sua criatividade para criar coisas úteis, de modo a facilitar o modus vivendi da população. Uma das poucas manifestações artísticas puramente contemplativa que surgiram no interior do Nordeste, foi a expressada pelo mestre Vitalino de Caruaru PE, que idealizou e difundiu a feitura de bonecos de barro retratando as atividades humanas, o homem e os animais do Nordeste. Ele vivia no Alto do Moura, nos arredores de Caruaru, dedicado à sua arte figurativa. A arte religiosa regional (imagens e ex-votos) foi muito estimulada pelas romarias que os sertanejos realizavam a Juazeiro do Norte e a Canindé, no Ceará, para veneração ao Padre Cícero e a São Francisco das Chagas, respectivamente. Os santeiros da Civilização da Seca, usando a imburana, o cedro, com a força do talento, popularizaram as imagens do Padre Cícero, do Frei Damião e do Padre Ibiapina, além dos santos oficiais da Igreja Católica mais venerados na região, como São Francisco, São José, Nossa Senhora de Fátima, Santa Luzia, Santo Antônio, Santa Rita de Cássia, e vários outros. Essa arte tão particular desenvolvida pela Civilização da Seca, aproveitando os embasamentos culturais herdados das etnias que lhe deram origem, com as marcantes adaptações proporcionadas pelas condicionantes climáticas e edáficas do Polígono das Secas, retrata, com fidelidade, a riqueza cultural dessa civilização. Dos tapuias, herdou-se o rico artesanato feito de palha, cipó, fibras vegetais e de barro. Dos portugueses, a técnica de produzir lindos bordados, rendas, labirintos e crochês, bem como os embasamentos técnicos utilizados pelos velhos carapinas, marceneiros, tanoeiros, ferreiros e seleiros. Na área musical, as maiores expressões artísticas da Civilização da Seca foram as Bandas Cabaçais, os Violeiros, os Rabequeiros e a música regional propriamente dita, constituída pelo baião, pelo xote e pelo xaxado. As bandas Cabaçais, formadas por dois pífanos de taboca, um zabumba, uma caixa e um prato surgiram no interior do Ceará, da Paraíba e de Pernambuco, e se apresentavam dançando, tocando e cantando, numa coreografia muito própria, animando os forrós, as festas de batizado e casamento, nas fazendas, as festas religiosas e, até, acompanhando enterro de anjinhos. Uma das bandas cabaçais mais famosas foi a dos Irmãos Aniceto, de Crato-CE, que ainda hoje faz apresentações na região do Cariri, nos municípios limítrofes dos Estados do Piauí, do Ceará, de Pernambuco e da Paraíba. A música popular regional, antigamente restrita ao Nordeste, tornou-se de aceitação nacional, graças ao genial cantor e sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga (Luiz Gonzaga do Nascimento, ), ao compositor cearense Humberto Teixeira (Humberto Cavalcanti Teixeira, ) e ao cantor e ritmista parabiano Jackson do Pandeiro (José Gomes Filho, ), os quais introduziram o baião, o xote e o xaxado no cerne da música popular brasileira, ritmos hoje apreciados em todo o Brasil.

5 Os poetas populares da poesia de improviso geralmente se apresentavam com suas violas, às vezes, com rabecas. Esse gênero de poesia passou a ser mais estudado e valorizado pelos intelectuais e pelas academias, graças ao gênio poético do cearense Patativa do Assaré (Antonio Gonçalves da Silva, ), ícone dos menestréis do povo da Civilização da Seca. Além de Patativa, outros cordelistas, também geniais, já haviam imortalizado esse tipo de arte dos repentistas-violeiros, como os paraibanos Romano da Mãe D Água (Francisco Romano Caluete, ), (Inácio da Catingueira ( ), João Martins de Athayde ( ), Pinto do Monteiro (Severino Lourenço da Silva Pinto, ) e Leandro Gomes de Barros ( ), os norte-rio-grandenses Elizeu Ventania (Elizeu Elias da Silva, ) e Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha, ), o cearense Cego Aderaldo (Aderaldo Ferreira de Araújo, ), o alagoano Rodolfo Coelho Cavalcante ( ), o baiano Cuica de Santo Amaro (José Gomes, ), os pernambucanos Irmãos Batista (Otacílio Batista Patriota, ; Dimas Batista Patriota, e Lourival Batista Patriota, ). Ao som melódico das violas, com desafios e motes provocantes, os versos eram produzidos de repente, na improvisação, encantadora e genial, dos menestréis do povo, que no passado, em sua maioria, eram analfabetos ou semianalfabetos, porém dotados de talento poético extraordinário. A xilogravura é a arte de gravar na madeira. É um tipo de carimbo em que a ilustração é formada pelo entalhe na madeira. A matriz, de madeira, é entintada e impressa no papel. As matrizes de impressão das ilustrações são talhadas em tábuas de madeira mole, como a cajazeira, a imburana ou o cedro. O xilógrafo utiliza apenas um canivete ou uma pequena faca, bem amolada, para talhar a madeira. Essa arte foi introduzida há muito tempo no Nordeste, mas só no começo do século XX, com o seu uso na ilustração de capas de folhetos de cordel, foi que ela se tornou popular na região. Foi um casamento perfeito, o da literatura de cordel com a xilogravura. No Nordeste, essa técnica foi também usada para ilustrar jornais e rótulos de garrafas de cachaça e de vinagre. Juazeiro do Norte, no Ceará, e Caruaru, em Pernambuco, são dois importantes centros produtores de xilogravuras. Mestre Noza, xilógrafo e santeiro de Juazeiro do Norte, foi um dos expoentes dessa técnica. Um dos mais talentosos xilógrafos do nordeste brasileiro foi João da Escóssia ( ). Quando este exercia o cargo de diretor do jornal O Mossoroense, fundado por seu pai, Jeremias da Rocha Nogueira ( ), ilustrava seu jornal com artísticos trabalhos de xilogravura, notadamente entre os anos de 1902 e 1919, como se pode ver nos jornais conservados pelo Museu Municipal de Mossoró. A arquitetura de taipa, com piso de chão batido e coberta de palha de palmeiras (carnaubeira, babaçu ou ouricuri), usada nas habitações e construções rurais (galpões, armazéns e agroindústrias), transformou-se na arquitetura símbolo do Semiárido nordestino. A casa de taipa típica do sertanejo humilde, construída por ele mesmo, possui um copiá com porta e janela de frente, uma janela na camarinha, outra na cozinha e uma porta nos fundos (cozinha). As portas, invariavelmente, eram de pau-branco, imburana ou de cumaru, madeiras típicas das caatingas. As linhas da cobertura eram de carnaubeira, aroeira, angico ou de pau d arco. Os caibros, de pau-branco ou de pereiro, e as ripas de marmeleiro. A cerca do quintal, o jirau e o chiqueiro das galinhas eram de varas de marmeleiro. Os ganchos, para armar as redes, eram de mofumbo. As duas portas da casa eram divididas ao meio (meia porta). Durante o dia, ficava aberta a banda de cima. As portas e as janelas eram trancadas por tramelas e trancas de madeira, pois somente a porta da frente possuía fechadura. Para construir a casa, primeiramente o sertanejo escolhia um local elevado, de preferência onde houvesse um pé de juazeiro, para deixá-lo no terreiro. Depois de marcar o chão com as divisões da casa, armava-se o madeiramento, que se constituía de

6 forquilhas de aroeira, para receber a cumeeira e as outras linhas, os portais de aroeira, angico, pereiro ou pau-branco para receber as portas e janelas, e os esteios para sustentar as paredes, que geralmente eram de sabiá, pau-branco ou pereiro. Nos esteios, eram amarradas, na posição horizontal, as varas de marmeleiro. Para o amarradio, usava-se embira de palha de carnaubeira ou de entrecasca de caule de árvores das caatingas, como a jurema de embira, sabiá e o mororó. A pequena e humilde casa, de apenas um quarto, era formada pelo copiá, sala, camarinha, corredor, cozinha e quintal, onde ficavam o banheiro, o galinheiro e o jirau para secar as panelas. Na sala, situava-se o oratório com figuras de santos em quadros e as imagens de gesso ou madeira dos santos canonizados pelo povo (Padre Cícero, Frei Damião, Padre Ibiapina, Beato Antônio Conselheiro e Beato Zé Lourenço). O excelente acervo do Museu do Sertão, localizado nas proximidades da cidade de Mossoró-RN, mostra, com muita exatidão, como as artes e os ofícios eram praticados pelos nossos antepassados que habitavam os sertões semiáridos do Nordeste. Lá estão expostos os fornidos e grandes caixões de armazenar rapadura e farinha de mandioca, as complexas e gigantescas bolandeiras, os variados tipos de prensa, usados nos descaroçadores de algodão, nas casas de beneficiamento de cera de carnaúba, nas casas de farinha, nas queijarias e nos galpões de preparar fardos de fibras de coroá. Lá, o visitante pode observar os modelos de pilão, catavento de talos de carnaúba, pipas, ancoretas, dornas, roladeiras, balanças de madeira, engenhos de pau, carros de boi, e os mais diversos objetos, utensílios domésticos, apetrechos de trabalho, implementos e máquinas fabricadas pelos artistas regionais.


Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

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