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sexta-feira, 7 de julho de 2017

CARTA DE UBALDO SOARES DA SILVA

Material do acervo do pesquisador Antônio Sobrinho Corrêa

Carta de um certo senhor Ubaldo Soares da Silva, redigida nos dias da guerra de Canudos, surpreendentemente em favor do líder messiânico, ANTONIO CONSELHEIRO, este infeliz brasileiro, bode expiatório escolhido pelas castas "civilizadas" deste país, pelo “crime”, em última análise, praticado por Deus, qual fora, o de ter feito existir o sertão nordestino.
Ao “Jornal do Comércio” escreveu o Sr. Ubaldo Soares da Silva:

“Tenho-me propositalmente abstido de dar a minha opinião dos acontecimentos de Canudos.

Inimigo de exibições, tenho deixado passar sem protesto tudo quanto se tem inventado relativamente à insurreição dos fanáticos sob as ordens de Antonio Conselheiro.

Conheci esse infeliz homem, em 1877, em Chorrochó, termo de Capim Grosso, onde tive de admirar a sua perseverança na construção da igreja daquele arraial, em cujas obras gastou cinco longos anos.

Já então existia pelo “Bom Jesus”, pelo “Irmão Conselheiro”, o fanatismo que ainda hoje perdura.

Aquele povo que o acompanha, Sr. Redator, não tem crenças políticas nem sabe distinguir república de monarquia; apenas diz que combate os republicanos porque estes são maçons e perseguidores da religião de Jesus Cristo.

Antonio Conselheiro usa túnica azul e um cajado que lhe serve de apoio, pois é homem visivelmente acabrunhado não só pela desgraçada vida que passa, abstendo-se de qualquer alimento fortificante, como também pelo profundo desgosto que se nota em sua fisionomia esquálida e macilenta.

Andrajoso e repelente, errava esse infeliz de vila em vila, de arraial em arraial, de fazenda em fazenda, pedindo esmola pelo amor de Deus para construir igrejas e cemitérios.

Eis aí a narração fiel do que foi Antonio Conselheiro.

Causou-me, portanto, enorme estranheza quando tive conhecimento das suas façanhas, de que estava arvorado em chefe de uma horda de facínoras, destoando completamente da sua vida de outrora.

Mesmo assim, Sr. Redator, aquele infeliz não pode ter em seu séquito mais de 1.000 homens, pois embora seja grande o número de seus admiradores, ele não os poderia manter em um arraial sem recursos, como Canudos, onde a fome com todo o seu cortejo de horrores, já deve ter feito sentir o seu efeito desanimador.

Ora, se o exército nacional, que dispõe de todos os recursos, já tem passado fome, segundo as comunicações que têm vindo do teatro dos acontecimentos, o que não terão sofrido os jagunços, acastelados no seu último reduto, e em desespero de causa?

Penso que aquela gente se mantém há muito tempo com os gêneros adquiridos por compra nas feiras de Jeremoabo e Bom Conselho, hoje, porém, não o poderiam fazer, porque será impossível conduzir, tendo o inimigo à vista, um comboio de viveres em uma extensão superior a 20 léguas.

É, portanto, uma questão liquidada. 

Não acredito que nenhum dos políticos da Bahia tenha fornecido elementos a Antonio Conselheiro; o armamento moderno de que ele dispõe – cuja procedência tanto tem escandalizado aos partidários extremados desta capital – é fácil de asseverar-se onde ele o encontrou: todos conhecem o êxito de três expedições que ali têm combatido.

Quanto à grande mortandade que tem havido, só causa admiração a quem não conhece os nossos sertões; 10 homens emboscados e municiados podem perfeitamente dizimar um batalhão.

Se os jagunços tivessem dez mil homens, como aqui se propala, seria uma verdadeira calamidade para o valente exército nacional.

Maior desgraça ainda será se eles fugirem para Patamuté ou Chorrochó e assentarem de novo o seu ‘quartel-general’ em um desses lugares.

Conselheiro em Chorrochó tem muitas afeições; além disso essa localidade é absolutamente provida de recursos, havendo muitas fazendas de gado, grande quantidade de requeijões, muita caça, etc.

Não há farinha; mas em compensação, a seis léguas de distância está o porto de Abaré, no rio São Francisco, que fornece não só aquele alimento indispensável ao nortista – a farinha – como também muita rapadura e outros víveres conduzidos pelos barqueiros que comerciam exclusivamente com os gêneros de primeira necessidade.

Terminando, Sr. Redator, devo declarar que a maioria dos baianos sertanejos não é conselheirista; só não faz propaganda contra o fanático para não se expor às represálias da jagunçada desenfreada; exatamente como aqui na Capital Federal, centro da civilização brasileira, onde ninguém pode desassombradamente manifestar as suas opiniões políticas, sem incorrer no desagrado brutal dos terroristas.”

Fonte: jornal "O Estado de S. Paulo" – 15.08.1897

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