Por Rostand Medeiros
Quando Lampião
e sua horda de cangaceiros estiveram no Rio Grande do Norte, entre os dias 10 e
14 de junho de 1927, com o objetivo de atacar Mossoró, um personagem deste
drama entrou na história quase sem querer, tornando-se por algum tempo um
estafeta do “Rei dos cangaceiros”. Este personagem foi o motorista Francisco
Agripino de Castro, conhecido em Mossoró como “Gatinho”.
Nascido em
1905, “Gatinho” era um jovem de boa índole, simples, que buscava na profissão
de motorista uma nova perspectiva em sua vida. Estava ainda na fase de
aprendizado, sendo seu mestre o motorista João Eloi, conhecido como “João
Meia-Noite”. A prática ocorria em um Chevrolet 1925, cujo proprietário era o
Sr. Francisco Paula, para quem “João Meia-noite” trabalhava.
Seja por
esperteza, medo ou desinformação, naquele dia 12 de junho de 1927, um domingo,
João cedeu o veículo para “Gatinho” fazer o serviço que surgisse e ganhar mais
perícia na condução.
“Gatinho”,
como todos em Mossoró, estava apreensivo com a notícia da invasão do bando ao
Rio Grande do Norte, os boatos sobre o tiroteio ocorrido no dia 10 de junho, no
lugar Caiçara (próximo ao atual município potiguar de Marcelino Vieira), as
muitas informações desencontradas, a movimentação para a defesa da cidade, a
fuga dos moradores e outras situações que alteraram aquela inesquecível semana
na “Capital do Oeste”. Mesmo assim “Gatinho” estava pronto para realizar
qualquer viagem.
Na tarde
daquele dia, o carro de Francisco Paula foi contratado pelo comerciante e
fazendeiro Antônio Gurgel do Amaral, um rico proprietário que possuía uma
fazenda no lugar “Brejo do Apodi”, próximo a então vila de “Pedra de Abelha”
(atualmente município de Felipe Guerra). Gurgel estava preocupado com sua
esposa, pois a mesma se encontrava na sua fazenda e desejava trazê-la a
Mossoró.
Por volta da
uma da tarde, os dois seguiram direção sul.
A viagem
prosseguia tensa, como não poderia deixar de ser diante da situação reinante. O
veículo trafegava por uma estrada irregular, não mais que um caminho estreito,
que mal dava para um carro pequeno seguir.
Por falta de
conhecimento ou nervosismo, “Gatinho” errou o trajeto e levou seu passageiro
para o lugar Apanha Peixe, a 13 léguas da vila de São Sebastião (hoje município
de Governador Dix-Sept-Rosado). Nas proximidades se localizava a fazenda
“Santana”, de propriedade de Manoel Valentim, que neste momento tinha a sua
residência invadida e era prisioneiro do bando de cangaceiros de Lampião.
Eram mais ou
menos quatro horas da tarde quando “Gatinho” ouviu tiros que não sabia de onde
vinha. O motorista se protegeu como pode, Antônio Gurgel ordenou a parada do
veículo. Nove balaços de mosquetão teriam atingido a carroceria do veículo.
Ao levantar a
cabeça, “Gatinho” viu um cangaceiro com um fuzil apontado para ele. Era um moreno
forte, de estatura elevada, que por esta razão tinha a alcunha de “Coqueiro”.
Este
cangaceiro, junto com outros membros do bando, mandou o motorista e o
passageiro renderem-se e passou a rapinar os seus pertences. Do fazendeiro
Gurgel foram arrecadados uma aliança, um par de óculos, uma caixa com cinquenta
balas de rifle Winchester calibre 44, um conto de réis e uma pistola tipo
“mauser”. Provavelmente uma pequena pistola com calibre 7,65 m.m., das marca
“FN” ou “Colt.
O cangaceiro
“Coqueiro” exultava a todo o bando de facínoras a prisão de um “coronelão de
muito dinheiro”.
Depois da
“coleta”, os dois prisioneiros foram levados à presença de Massilon Leite e
Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”.
Junto ao líder
dos bandidos estava José Tibúrcio e Fausto Gurgel, irmãos de Antônio Gurgel,
que tiveram seus resgates estipulados em um conto e quinhentos mil réis. O
bandido Sabino, depois de uma rápida palestra com o novo prisioneiro, estipulou
a vultosa quantia de quinze contos de réis para a sua liberdade. Sem condições
dos prisioneiros ponderarem, ficou decidido que o irmão Fausto retornaria
Mossoró com “Gatinho”, para buscar a dinheirama.
E era realmente muito dinheiro.
Para se ter
uma ideia deste valor, vamos observar como exemplo a edição de 18 de junho de
1927, do jornal “A Republica”, onde se encontra um balanço financeiro, listando
as rendas postais apuradas em cada uma das agências dos correios existentes no
Rio Grande do Norte em 1926. Na progressista Mossoró de então, que possuía
Banco do Brasil, um forte comércio de algodão e até funcionava uma Alfândega,
os Correios e Telégrafos apuraram em todo aquele ano 10.255$300 (dez contos,
duzentos e cinquenta e cinco mil e trezentos réis).
Diante da
quantia pedida, Antônio Gurgel preparou uma carta para ser entregue a seu
cunhado Jaime Guedes, então gerente da agência do Banco do Brasil em Mossoró e
pessoa certa para lhe salvar desta situação.
Neste meio
tempo, “Gatinho” realizava pequenas voltas pela propriedade, com o veículo
cheio de bandoleiros. Muitos destes cangaceiros estavam tendo o seu primeiro
contato com um automóvel. A brincadeira acabou quando a chamado de Lampião, o
motorista e Fausto Gurgel receberam a missão de levar a carta de Antônio Gurgel
para Mossoró.
O “Rei do
cangaço” exigia dos dois “estafetas” a maior discrição sobre o caso, se não
Antônio Gurgel pagaria com a vida.
No retorno,
“Gatinho” e Fausto encontraram dois conhecidos que pediam condução na beira do
caminho. Eram Alfredo Dias e Porcino Costa, que se dirigiam a Mossoró.
Achando estranho
o fato de Fausto estar àquela hora de retorno a “Capital do Oeste”, Dias
inquiriu-o sobre o que estava fazendo? De onde viam? Se sabiam notícias dos
cangaceiros? Fausto no inicio desviou o assunto, mas diante da insistência
cedeu e narrou o ocorrido e o suplício por que passava seu irmão.
Ao chegarem à
vila de São Sebastião, atual município de Governador Dix-Sept-Rosado, os dois
viajantes pediram para descer do veículo e seguiram para a estação ferroviária,
onde deram um alarme para Mossoró através de um telefone existente neste local.
“Gatinho”,
para desespero de Fausto, saiu a divulgar pela vila a notícia alarmante; “-Se
prepare todo mundo que os cangaceiros vão invadir”. Cinquenta anos depois, em
um depoimento prestado ao jornal dominical natalense “O Poti” (edição de 13 de
março de 1977), Francisco Agripino afirmava que poucos em São Sebastião lhe
deram crédito.
O motorista e
Fausto seguiram para Mossoró. Por volta das oito e meia da noite,
encontraram-se com Jaime Guedes e o prefeito Rodolfo Fernandes, onde foram
narrados os fatos e entregue a carta de Gurgel. O prefeito só ficou satisfeito
em relação à veracidade da notícia quando viu a lataria do Chevrolet perfurada
de balas.
Nesta mesma
noite de 12 de junho, “Gatinho” ainda ajudou na defesa de Mossoró,
transportando fardos de algodão de depósitos existentes na cidade, para pontos
que seriam utilizados como baluarte de defesa.
“Gatinho” não
estava em Mossoró no dia do assalto, fora contratado para seguir para
Fortaleza, às nove da manhã de 13 de junho, com a esposa e dois filhos do
médico Eliseu Holanda. Segundo o motorista, depois deste episódio, não mais
teve notícias se este médico e sua família retornaram a Mossoró, “nem a
passeio”.
Em Fortaleza,
o “estafeta de Lampião” passou alguns dias esperando a situação se acalmar.
Muitos anos
depois, em sua residência na Praça Redenção, 183, na tranquilidade de sua
velhice, “Gatinho” narrou ao repórter Nilo Santos, de “O Poti”, as suas
inesquecíveis lembranças da meia hora que passou entre o bando de Lampião. Para
ele, muitos dos cangaceiros eram demasiado jovens para aquela vida, “umas
crianças” ele afirmava. Na sua memória Massilon marcou como um sujeito feio,
carrancudo, grosseiro, ignorante, “que dava até medo em olhar para ele”.
Lampião lhe deixou uma impressão positiva, apesar da fama, “parecia um sujeito
educado, pelo menos neste dia não estava furioso”. Sobre “Coqueiro”, o condutor
o considerava um moreno forte, bem disposto e “bastante alto para justificar o
apelido”. Quando o cangaceiro “Mormaço”, foi detido, informou as autoridades
que “Coqueiro” havia deixado o bando no Cariri e seguira para o Piauí,
entretanto, segundo o pesquisador Raimundo Soares de Brito, este cangaceiro foi
morto pela polícia cearense, no lugar “Cruz”, aparentemente no município de
Maranguape.
Francisco
Agripino de Castro se tornou um profissional do volante respeitado, era
conhecido como uma pessoa calma, amigo de todos e faleceu em 16 de março de
1991.
Fonte: Tok de
História
Autor do texto: Rostand Medeiros
Autor do texto: Rostand Medeiros
Página da Cris Silva
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