*Rangel Alves da Costa
Noite. Com a escuridão o despertar maior dos sentimentos. Sob o seu véu um emaranhado de segredos, mistérios e fotografias, tudo querendo se revelar de uma só vez, ou manter-se ainda nos labirintos da alma.
Noite. Talvez noite chuvosa, mais pesada, mais entristecida. Os pingos que caem vão alimentando os íntimos mais escondidos para, de repente, tudo aflorar como flores vivar de lembranças, saudades e nostalgias.
A janela aberta para o negrume lá fora é chamado ao sofrimento. O horizonte escurecido aclara-se somente para vislumbrar as distâncias existentes somente dentro do ser. Os reflexos estarão nos olhos e no coração.
Uma velha fotografia vai surgindo à mão. O olhar encontra a parede e nela as imagens emolduradas. O velho baú é reaberto e as cartas e os bilhetes ressurgem entre o aflitivo e o melancólico. Ali um passado que faz doer pela recordação.
Em noites assim, em negrumes fechados assim, as janelas e portas da memória e da saudade se abrem de vez. E tudo vai chegando, tudo vai tomando conta, tudo vai transformando os instantes em dolorosos percursos.
Um amor distante, um amor desamado, um abandono, um adeus que não desejava ter. Palavras e imagens, sons e pensamentos, diálogos íntimos, reencontros indesejados, eis o percurso até que o descontrole passe a domar aquilo que parecia já resolvido na alma.
Mesmo sem música alguma ao redor, de repente uma velha canção vais surgindo. As folhagens farfalham vozes já ouvidas, a leve ventania para declamar poesia. Um rastro de lua vai deixando suas marcas em meio ao negrume que o olhar desejava transformar em reencontro.
A pessoa parece estar bem, quer estar bem, imagina que daquela vez não irá deixar que a saudade e o entristecimento novamente provoquem enxurradas. O contextual, contudo, entre o instante que chama e o interior que desperta, vai rompendo seus laços e os transbordamentos se tornam inevitáveis.
São em noites assim que as lágrimas procuram vazões no subsolo da alma e vão surgindo como pequenos veios de angústias e aflições. Primeiro, o noturno, depois a moldura do instante, depois as imagens e as recordações que vão surgindo. E depois e depois...
Depois os olhos queimando na febre da saudade. Depois os olhos marejando para se derramar em rios ardentes de aflição. Depois os prantos e os soluços inevitáveis. A pessoa já não está mais em si. A partir daí somente responde ao que a propensão interior desejar.
São em noites assim que os lençóis são encharcados, que os travesseiros são molhados, que os lenços são alagados, que os rios transbordam toda lágrima de dor, de saudade, de relembrança, de nostalgia. São em noites assim que a pessoa navega e naufraga dentro da própria memória.
Os outros passam pelas calçadas, pelas ruas, ao redor, e de ondem passam avistam apenas uma casa fechada, uma janela fechada, uma noturna solidão. Logo imaginam que assim pelo recolhimento da hora, pelo repouso noturno. Nem sempre imaginam que após aquela janela ou porta, dentro da casa, alguém sofre, alguém agoniza.
Na cama ou no sofá, na cadeira de balanço ou num vão qualquer, apenas a pessoa, suas lágrimas, seus soluços e suas dores. Quem está distante ou quem deu causa a tamanho sofrimento, sequer imagina a triste cena noturna do silêncio e do soluço.
E os rios transbordam, inundam, a tudo invade, até que o alvorecer ressurja sem trazer consigo todo o retrato passado. Mas a saudade não passa. A verdadeira saudade nunca passa. Um amor verdadeiro jamais é esquecido.
Escritor
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