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domingo, 15 de janeiro de 2012

Fim do cangaço

Por: José Bezerra Neto

Lampião tomba num raso de sangue e com ele também foi morrendo o cangaço

O jornal A Noite, do Rio de Janeiro, foi o primeiro veículo de imprensa brasileiro a noticiar, em edição extra, o fim de Lampião, Maria Bonita, sua companheira, e mais nove de seu bando de cangaceiros. A manchete de primeira página, escancarava: Morto “Lampião”. E, na matéria principal, a mensagem sucinta, enviada via telégrafo pelo 1º oficial do Tesouro de Alagoas, Durval Jerônimo da Rocha, que se encontrava em Sertãozinho, hoje Major Isidoro – próxima do acontecimento – sua cidade natal. Afirmava a mensagem:

Santana do Ipanema-AL 28/07/1938 - Urgente – “Onze bandidos, inclusive Lampião, foram mortos pela polícia alagoana, na Fazenda Angicos, em Sergipe. Abraços – Durval”. 

Isso foi o bastante para que o irmão do mensageiro, jornalista Melchiades da Rocha, desse jornal, que já trabalhava em cima de farto material sobre a vida do cangaço nordestino, colocasse nas bancas no mesmo dia uma edição especial. Um verdadeiro “furo” jornalístico, sem dúvida! Depois, a Rádio Nacional, emissora que à época fazia parte da mesma organização, encarregou-se de alardear a notícia para o Brasil e para mundo, já que a fama de Virgulino Ferreira da Silva havia atravessado fronteiras como o mais valente dos bandidos.Depois de colocar a edição do seu jornal na rua, viajou incontinente para Santana do Ipanema onde se encontravam o 


tenente João Bezerra, comandante da volante policial que deu cabo do bando assassino, inclusive o soldado Antonio Honorato da Silva – Noratinho – que matou Lampião com um tiro certeiro de fuzil, Sebastião Vieira Sandes e Antonio Bertoldo da Silva – que tiveram a “honra” de degolar Maria Bonita e Lampião – depois da saraivada de balas que aconteceu naquela madrugada frienta dizimando o grupo de cangaceiros que atuava nos sertões nordestinos, apanhando todos de surpresa – uma emboscada bem planejada. 

– “Nosso comandante traçô um plano tão bem feito que ali chegemo sem sê pressentido e abafemo a banca. Depois fumo cortá as cabeças dos bandidos a mando do tenente Bezerra” – no dizer de Noratinho. 
“Abafemos a banca”

Essas palavras, ditas assim, pelo homem que acabara com a vida do famigerado “rei do cangaço”, o soldado raso Antonio Honorato da Silva, o número 145 da volante policial, um não robusto, baixinho, chamaram a atenção do repórter da A Noite, que o entrevistou. Pronunciou-as o destemido soldado, alegre, entre risos, deixando transparecer na fisionomia despreocupada e feliz uma satisfação indizível pelo gostinho que tivera de ter estourado como seu bacamarte os miolos do famoso bandido e vê-lo estrebuchar no chão.
E ele reporta: confesso, fizeram-me as palavras de Noratinho traduzir, no momento, toda a ignorância que envolve a consciência do soldado matuto, irmão do cangaceiro e do qual não tem diferença apreciável, nem mesmo na indumentária, pois ambos, apesar de servia a interesses contrários, rezam, às vezes, pela mesma cartilha: o gostinho de pegar no bacamarte é o mesmo para todos eles.
“As causas do banditismo – o mais importante fenômeno da rude vida do sertão – são complexas e o seu estudo oferece sérias dificuldades. Agrupamentos de muitas causas primárias e secundárias formam, com a ausência de umas, com o conserto de outras ou com a reunião de todas, a razão da existência do tipo social do cangaceiro, alma feita de contrastes, anormalidade quase normal na primitiva e estiolada sociedade sertaneja.”
Gustavo Barroso
A trama

O grupo de cangaceiros, sob o comando do próprio Lampião, esperava pelo carregamento de mantimentos, aguardente e tabaco, que devia ser trazido de Piranhas por Pedro de Cândida, homem de confiança de Virgulino. (Era ele quem cuidava da compra de armamentos, provisões, tabaco e de tudo o resto, como roupas, calçados, chapéus – mandados fazer à moda “napoleônica/sertaneja” – de abas largas e presas sobre a parte alta da cabeça – sabonete, pentes, baton, água-de-cheiro e pó-de-arroz para as vaidosas mulheres – Maria Bonita, Dadá (mulher de Corisco), Sila, Enedina, entre outras.

Entretanto, a polícia, de sobreaviso desde que prendeu um irmão de Pedro de Cândida que, submetido a severo interrogatório confessou o que sabia a respeito da ligação deste com o grupo de bandoleiros e do local de entrega do próximo carregamento, que seria nesta noite no lugar chamado Gruta de Angicos. Preso e ameaçado de morte, caso não colaborasse com a polícia o coiteiro não relutou muito para informar o esconderijo de Lampião, no que deu a imediata reação da volante policial, partindo esta imediatamente para o local revelado na intenção de exterminar, de uma vez por todas, a “cabroeira”. A noite não poderia ser mais propícia à essa intentona, pois era de chuva.
A água caía

Chovia e fazia frio. Chuva fina, mas renitente, que caia na Grota de Angicos, às margens do rio São Francisco, lado de Sergipe, onde se arranchou Lampião e parte de seu bando. Para amenizar a situação o “Capitão” havia mandado que seus “cabras” fizessem uma fogueira e, em volta desta, todos foram se acomodando, em redes, ou mesmo enrolando-se com cobertores no chão duro, nas locas de pedras, onde arriaram as cabeças para dormir. A frieza deu-se à noite toda, varando madrugada adentro, naquele lugar ermo, de pedregulhos, carrapicho e chique-chique.
Silêncio profundo, só quebrado pelo cri-cri dos grilos e o canto rouco da Socó. Virgulino não gostava desse pássaro agourento, mas estava cansado demais para ouvi-lo às quantas vezes cantou. Protegeu-se debaixo de sua barraca e ali mesmo dormiu como uma pedra tendo ao seu lado Maria Bonita, que ficou um tanto “arisca” por causa da referência feita pelo companheiro a respeito da Socó. Mas, era certo que o traquejado homem das caatingas conhecia bem aquele lugar; conhecia-o como as palmas das mãos, onde costumeiramente pernoitava com sua gente quando estava na redondeza e precisava reabastecer o grupo de provisões. Além do mais, confiava na eficácia de Pedro de Cândida em despistar a polícia. Portanto, não havia com o que se preocupar.

A percepção e capacidade de raciocínio aguçados do “Capitão”, faziam-no seguro de si. E mais: a devoção religiosa e a fé que mantinha no poder do padre Cícero do Juazeiro, seu protetor, lhe asseguravam um repouso tranqüilo, apesar de tudo. Se tivesse que acontecer algum mal, com certeza ele pressentiria o que de ruim estava por vir. Por tudo isso, era que o bando todo confiava em seu comando. E se não mandou botar guarda naquela noite, era porque nada haveria o que se temer – pensou a mulher.
Mas, o esperto rei-do-cangaço não se dera conta do perigo que rondava sobre sua cabeça e das de seus comandados, naquela madrugada. Não, não se dera... porque, de repente, viu-se ele acuado; cercado de todos os lados por “macacos”. A volante policial comandada por seu mais ferrenho perseguidor, o tenente João Bezerra, atacou sem dar tempo de alguém sair debaixo dos cobertores e se coçar... A soldadesca saltou em cima dos cabras com todo ímpeto, sem dó e sem pena, crivando-os de balas. - Da barriga dos fuzis “papo amarelo” da polícia, espirraram incontáveis tiros, disparados quase a queira-roupa, que acabaram por trucidar parte do bando de Lampião que estava em Angicos em pouco menos de um quarto de hora.

“A chuva que caía naquele lugar facilitou em muito o trabalho da volante – disse o coronel Waldemar da Silva Góes, também um dos ferrenhos perseguidores do capitão Virgulino e seus cabras, ao ser entrevistado pelo jornalista Batista Pinheiro, do antigo e agora extinto Jornal de Alagoas, em 10/05/1982). Eram aproximadamente 5 horas da manhã quando foi dado por Bezerra a ordem de “fogo”!... A primeira a ser atingida foi a companheira do capitão Virgulino que, mesmo ferida, vendo que o cangaceiro Luiz Pedro tentava fugir, gritou-lhe: “compadre, vosmecê esqueceu a promessa feita a Virgulino? Luiz Pedro voltou para morrer junto a Lampião e Maria Bonita.”
Derrubou-se, ali, a lei do Cangaço, que ao longo de quase vinte anos imperou nos sertões da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará, espalhando pânico por onde passava na sua desenfreada fúria de matar, saquear, estuprar; esfolava qualquer um que se metesse a besta e esboçasse a menor reação. O que Lampião dissesse era lei. E se lhe negassem entregar o que tinham – dinheiro, comida, mulheres e, principalmente a hospitalidade – a coisa ficava preta: havia reação enérgica de sua parte, que dava ordem ao bando para agir sem piedade!
Mesmo assim, o acontecimento daquela madrugada, não se constitui em aterro onde se possa levantar qualquer mural ou pedestal – nem para os facínoras nem para ao que os trucidaram – sendo mais árido do que já era o chão em que se armou a trama da violência contra violência. Não pode nascer frutos do ventre daquelas terras, pois ali não se encerrou o pânico; deu-se uma desumanidade. Há controvérsia quanto o número exato de cangaceiros que estavam com Lampião naquele lugar onde se deu a embosca, já que o bando todo se constituía de 48 militantes (conforme dados confiáveis) e só 11 desses, incluindo-se Lampião e Maria Bonita, saíram dali sem vida – Enedina, “Quinta-feira”, “Caixa de Fósforo”, “Elétrico”, “Mergulhão”, “Diferente”, “Desconhecido”, “Cajarana” e Luiz Pedro.

Fonte: Blog: Cangaceiros

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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