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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Bangu, Memória de um Militante - Lauro Reginaldo da Rocha - Bangu - Parte I

Por Brasília Carlos Ferreira – Organizadora, 1992
 Lauro Reginaldo da Rocha era mossoroense - Insurreição Comunista de 1935 em Natal e Rio Grande do Norte

A casa onde eu morava no morro da piedade, era uma meia-água modesta, localizada numa rua discreta com quintal na frente e nos fundos. O local era de meu agrado. Sossego completo, as crianças – três nessa época – dispondo de espaço e de sol. Havia uma saleta com a estante de livros, um convite ao descanso e a meditação.

Naquele dia passei a manhã em casa reunido e completando a matéria para o jornal. Ao meio-dia já estava tudo pronto. Fui chamado para o almoço, à mesa encontrei os meninos sentados, era um prazer ver aqueles tiquinhos de gente compenetrados, procurando manejar os talheres como pessoas grandes. Terminando o almoço, me despedi da mulher e das crianças e saí rumo à tipografia, seguindo o costumeiro trajeto. 

Na casa da rua Engenho do Mato encontrei o portão aberto. Estranhei este detalhe porque nós havíamos combinado que o portão seria mantido trancado – uma chave estava em meu poder – isto como medida de segurança, indicando “caminho livre”, e também para evitar que pessoas estranhas entrassem sem avisar e ouvissem o barulho da máquina. Pensei em não entrar, seguir em frente, o sexto sentido me alertava contra qualquer coisa de anormal, mas lembrei-me que este fato já tinha ocorrido por duas vezes, e tratara-se apenas de esquecimento. Resolvi então entrar. Subi cautelosamente os degraus. A porta de entrada estava encostada. Antes de bater olhei pela janela aberta que dava para a sala de estar. Policiais armados até os dentes estavam de tocaia, vinham acompanhando meus passos desde o portão. Esperavam apenas a minha entrada na sala e como se viram descobertos, avançaram feito loucos para a porta, de arma em punho. Num gesto instintivo tentei a fuga. Atiraram. Mas foi no justo momento em que eu pulava os degraus da descida, não me acertaram, continuei correndo, ate que fiquei encurralado, com uma cerca de arame farpado pela frente. Não era mais possível escapar, estava preso.

Fui conduzido até a tipografia. Num quarto estavam detidos Júlio, D. Alice e as crianças. Eu fui levado para o outro quarto, puseram-me numa cadeira, nela fui amarrado com as mãos para trás. A polícia resolvera manter-nos ali durante toda a tarde na esperança de que alguém mais caísse na armadilha – coisa que não aconteceu – e aguardando a escuridão da noite para conduzir-nos para a Polícia Central.

A turma que ali estava – logo vim a saber – era constituída justamente dos espancadores e torturadores da seção de explosivos: Cegadas, Pequenino, Monteiro e outros. Também aquelas caras não podiam negar. A ferocidade estava estampada nelas de maneira inconfundível. Um deles, o Cegadas, sentou-se à minha frente e iniciou uma brincadeira para ele, certamente, muito divertida: com a mão espalmada começou a bater em cima do meu coração. As cuteladas obedeciam a um ritmo determinado. No princípio não me incomodou mas com a continuação, comecei a sentir os seus efeitos. Os minutos foram passando, até que as pancadas começaram a abalar todo o meu corpo, produzindo um horrível mal-estar. Aquilo parecia não ter fim e só terminou quando o carrasco sentiu-se cansado.

Entendi que aquelas pancadas “inocentes” no órgão vital não passava de uma preparação visando quebrar a resistência física para os golpes decisivos que viriam depois. Para eles era apenas um aperitivo. À noite chegou um carro de Polícia. Eu e o Júlio fomos colocados nele, espremidos entre os “tiras”, e o veículo tomou o rumo do centro da cidade.

CONTINUA...

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