Por Rangel Alves
da Costa*
Na aurora de
minha vida - como disse o poeta - já tomei banho completamente nu debaixo da
chuva, corri pelado pelas ruas atrás de chuveiros escorrendo dos telhados,
dancei desnudo a dança da felicidade e da inocência. Hoje nem nos quintais
murados é mais possível tirar toda a roupa para sentir o açoite da chuvarada.
Mas de vez em
quando me jogo debaixo da força das águas vestindo bermuda. Como não posso
correr, me jogar de barriga pelas calçadas lisas e encharcadas ou chamar
aqueles amigos de infância para pular nas poças transbordantes das ruazinhas
sertanejas, apenas fecho os olhos e deixo que as águas caiam abundantes e me
tragam as doces recordações.
Não quero
falar de quem chora debaixo da chuva ou de quem faz com que as lágrimas sejam
percebidas apenas como as águas que se derramam. Já sorri chorando e já chorei
sorrindo, daí que é tudo uma só enxurrada nos olhos que talvez chorem e nas
águas que talvez cantem. Mas de uma coisa tenho certeza: quanto mais chove,
mais cai chove forte, mais viajo recordando outras chuvaradas num sertão onde
qualquer gota d’água é festa.
Como
percebido, sou verdadeiramente apaixonado pelas chuvaradas. Se a chuva que cai
é apenas mansinha, ainda assim recolho seus pingos para molhar a vidraça e
sentir saudades. Eis que é humanamente impossível que o ser sentimental não se
deixe envolver pelas vidraças embaçadas e seus tantos significados, ainda que
angustiantes e dolorosos.
Inicialmente,
sempre vejo com alegria a chuva caindo assim que levanto na madrugada. Digo
inicialmente porque sei que depois tudo muda, mas é assim mesmo. Acordo e logo
vou sentir na pele a chuva caindo. Depois, xícara de café na mão, sento na
espreguiçadeira rente ao portão da frente e fico olhando a madrugada molhada lá
fora. O vento sopra, a chuva avança e acaba chegando onde estou. Mas tanto faz,
eis que o pensamento já muito distante.
O tempo ainda
escurecido, os pingos cortando a luz amarelada no poste adiante, o asfalto
molhado, as águas escorrendo, e aqueles sons constantes, contínuos, tão
conhecidos da chuva. E o que vem à memória, e o que recordo? Talvez nem pense
em pessoas, em situações. O momento sempre chama a refletir sobre a vida, sobre
a existência, e sempre ouvindo a voz daquele silêncio molhado.
Sei de muitos
que odeiam as chuvas, já outros sequer saem de casa se o tempo estiver nublado.
Ainda outros vivem eternamente esperando a chuva cair, vez que não largam de
jeito nenhum o seu guarda-chuva. E é comum que lancem sobre as chuvas a culpa
que é do homem ao não cuidar dos canais e bueiros.
No sertão de
antigamente bastava o tempo começar a trovejar que os panos começavam a
encobrir tudo que fosse espelhado ou brilhoso. Era um medo danado dos raios e
as tolhas e cobertas serviam para evitar atração. Não somente isso, pois velas
eram acesas e as mães se recolhiam com seus filhos nos quartos para as orações.
E rezas duplas, vez que tanto agradeciam pela trovoada como pediam para que não
houvesse nenhuma destruição.
Mas neste
domingo logo cedinho, aproveitando que por aqui já chove há uns três dias,
resolvi fazer uma coisa que estava com vontade desde muito. Como tinha de ir
até as proximidades do mercado, então decidi ir andando debaixo da chuva. E
simplesmente segui me deixando molhar. De início imaginei que sequer molharia
toda a roupa, mas já estava encharcando quando virei a segunda esquina.
Todo molhado,
mas assim mesmo seguindo em frente. Contudo, o mais interessante foi o que
fiquei imaginando com os pingos batendo nos óculos e aquele turvamento que se
formava de vez em quando. E me vi diante de uma janela envidraçada recebendo as
gotas de chuvas. Do lado de fora os pingos descendo pela vidraça; do lado de
dentro o embaçamento e um dedo escrevendo uma palavra: saudade.
Poeta e
cronista
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