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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

FILEMON ESTEVÃO DE SOUSA: NOVENTA E OITO ANOS DE FALECIMENTO DO MEU BISAVÔ

Por José Romero Araújo Cardoso(*)

Nascido no ano de 1872, pouco depois da promulgação da Lei do Ventre Livre, Filemon Estevão de Sousa descendia de antigos troncos negros trazidos para Pombal, escravizados nos algodoais que proliferaram na região, principalmente quando da impossibilidade do sul do atual território norte-americano fornecer matéria-prima indispensável às fábricas têxteis inglesas.
         
A avó materna, cujo nome as reminiscências familiares perderam, era sofrida escrava que serviu à desumana plantation sertaneja. Não se sabe a descendência direta, se Malê, Banto, Iorubá ou outra etnia africana.
         
Filho de Izabel Estevão e José Sátyro de Sousa, Filemon foi criado pelo Tenente Álvaro Queiroga. Sacristão do Monsenhor Valeriano Pereira, Filemon possuía pendores políticos, tendo assumido cargos de destaque neste setor. Filho do mesmo, de nome José Benigno de Sousa, conhecido na intimidade por Lelé, seguiu os passos do genitor, destacando-se de forma expressiva na política pombalense.

Filemon casou-se no final do século XIX com Ana Benigno, filha do ourives Benigno Ignácio Cardoso D´Arão. O casal teve treze filhos, destacando-se entre estes: Benigna Lourdes, Acrísio, Álvaro, José Benigno, Júlio, Cândido, Maria das Dores, Francisco, entre outros falecidos ainda em tenra idade.
         
Filemon se destacou como importante baluarte em Pombal no ensejo da campanha épica na disputa pela vaga de senador, capitaneada por Epitácio Pessoa em 1915, quando o político paraibano nascido em Umbuzeiro derrotou Monsenhor Walfredo Leal.  


Homem culto, bastante preparado e dotado de inteligência ímpar, Filemon Estevão de Sousa fora cotado para assumir importante cargo na política pombalense. O ódio começou a ser destilado quando os adversários derrotados se lembraram da cor de sua pele, do cabelo que ostentava, dos traços negroides, infringindo lhe violenta campanha de difamação, a qual, inevitavelmente, atingia-lhe de forma inexorável. Benigna Lourdes, quando de infindáveis conversas, relatava com suspiros e piedade como o pai era recebido em Pombal quando retornava de viagens a negócio, principalmente a Mossoró, tangendo tropas de burros carregadas com algodão, peles, couros e oiticica. Tratamento desumano, motivado por inveja, era lhe destinado por parte dos adversários.       

Racismo inaudito começou a ser perpetrado, visando minar as forças do valente descendente de escravos que conseguiu atingir degraus impressionantes, para a época, na inflexível hierarquia da sociedade sertaneja agropastoril.
         
Calmo e sereno, Filemon aguentou provações inenarráveis, mas como não era de ferro sucumbiu perante avassaladora doença que o levou ao óbito, o qual, conforme sua filha mais velha de nome Benigna Lourdes de Sousa, ocorreu por volta de outubro de 1918, tendo em vista que minha saudosa avó me relatava que o cortejo fúnebre de Filemon Estevão de Sousa coincidiu com as comemorações do povo de Pombal com o término da primeira guerra mundial.
         
Acredito e defendo que muita coisa mudou, mas o racismo e a intolerância ainda são marcas indeléveis de um povo miscigenado que ainda não encontrou a essência que permeia o intenso caldeamento racial que assinala a formação étnica na hinterlândia.
         
Impossível esquecer que há noventa anos um mulato que está em minhas raízes genéticas finalizava verdadeira epopeia na qual mensagem de dignidade e honradez estava presente em ações e gestos de louvável ser humano que precisa ser lembrado como sinônimo de justiça e harmonia entre os homens.

Escrito em 27/09/2008, via Jerdivan Nóbrega de Araújo. 


Felemon Estevão de Sousa

Ana Benigno de Sousa


Benigna Lourdes de Sousa, primeira filha do casal Ana Benigno de Sousa - Felemon Estevão de Sousa


Benigna Lourdes de Sousa e o neto Allon Tavares de Araújo


Onofre Benigno Cardoso, irmão de Ana Benigno de Sousa, cunhado de Felemon Estevão de Sousa


José Benigno de Sousa, filho do casal Ana Benigno de Sousa - Felemon Estevão de Sousa


Candida Alencar Correia, filha de Filadelphia Alencar, casada com Sebastião Correia. Candinha Correia era bisneta de João Ignacio. Como a família não queria o casamento de Ana Benigno de Sousa com Felemon Estevão Estevão de Sousa, por ele ser negro, quem convenceu-a do contrário foi Candida Alencar Correia.


Júlio de Ana (filho do casal Ana Benigno de Sousa - Felemon Estevão de Sousa) - Cantor seresteiro amante da noite. Déca contava uma história que ocorreu num dia de são joão. Quatro rapazes resolveram brincar o são João num sitio próximo a cidade. Eram Júlio, Déca, Otacilio Formiga e Nô Formiga, Pegaram um caminhão que ia pras bandas de Catolé do Rocha, pois o sitio ficava um pouco mais adiante. No mesmo caminhão ia um sujeito que só falava em valentia. Contava nos dedos das suas mãos as pisas que já tinha dado em cabras safados. Quando chegou no triangulo Julio bateu no ombro dele e falou: você vai descer aqui, viu? O caba atônito falou: que foi que disse que eu ia descer aqui? Julio disse: eu. Pegou o cara pelo colarinho da camisa e jogou lá em baixo com uma recomendação: olhe aqui meu amigo neste caminhão só tem gente mole, portanto ninguém aceita um valentão como você aqui no nosso meio, viu? O caminhão continuou a viagem em paz.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Bisneto de Filemon Estevão de Sousa e Ana Benigno de Sousa.

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