Por Brasília
Carlos Ferreira – Organizadora, 1992
Lauro
Reginaldo da Rocha era mossoroense - Insurreição Comunista de 1935 em Natal e
Rio Grande do Norte
“PRIMEIRO DIA”
Chegamos à
Polícia Central. Fui levado à uma sala onde estavam sentados, em poltronas
enfileiradas, os maiorais da polícias. Eu estava de espírito prevenido contra
interrogatórios, sabia que eles iam começar a qualquer momento. Fitei um ponto
qualquer no espaço, procurei nada ver nem ouvir do que se passava naquela sala.
Algumas perguntas foram feitas. Elas, no entanto, chegavam aos meus ouvidos sem
sentido, como se não fossem dirigidas a mim. Um indagou a origem de uma marca
que havia o meu rosto, outro perguntou onde eu morava. Como nenhuma pergunta
teve resposta, um silêncio total começou a reinar na sala.
Muito tempo se passou. Todos me olhavam como se nunca tivesse visto gente, até que um deles ordenou: “Podem levá-lo”.
Os mesmos que me prenderam – Cegadas, Monteiro e Pequenino – conduziram-me através de corredores e salas. Em certa altura, recebi uma pancada na nuca – um murro ou um coice, não sei bem – que me projetou de encontro a umas cadeiras. Depois uma porta se abriu e fui empurrado para uma espécie de corredor quadrado, com piso de ladrilho. Em cada parede desse quadrado havia uma porta, sendo que uma delas dava para uma privada e as outras para salas.
“- Vá tirando a roupa!” – ordenou um dos tiras.
Comecei a me despir, enquanto eles tiravam o paletó e arregaçavam as mangas. Fiquei só de cuecas.
“- Tire tudo!” – rosou o mesmo sujeito.
Fiquei completamente nú.
Eu não tinha ilusões, sabia que estava diante de uma situação decisiva, de vida ou morte. Sabia que o medo e o desespero seriam a minha ruína. Concentrei, pois, todos os meus esforços para manter a calma e não me apavorar.
Fui obedecendo às ordens sem inúteis relutâncias. Fui encostado a um canto de parede. Surgiu uma corda, amarraram meus pulsos, um braço foi esticado para um lado e amarrado na maçaneta de uma das portas e o outro braço atado a outra maçaneta da porta do banheiro. A seguir, os pés também foram amarrados. Fiquei completamente imobilizado, de braços abertos como um crucificado.
Abriram uma caixa de espetos de bambu, lisos, achatados, pontiagudos. Outros apetrechos: um alicate, um sarrafo curto para servir de macete, garrafas com líquidos, uma bacia. Um dos policiais aproximou-se e bradou: “Como é, seu f. da p., vai dar o serviço ou não vai?” ele verificou que eu não estava com nenhum desejo de dar serviço pois continuei calado.
Começou então a operação. Segurou firme um dedo de minha mão, colocou um espeto de bambu debaixo da unha e começou a bater com sarrafo, com quem crava um prego. Contraí todos os músculos, cerrei os dentes. O espeto penetrou nas carnes, ultrapassou toda a unha. É impossível descrever aquela dor, tive que sufocar um urro na garganta, o primeiro impulso foi gritar, berrar mas contive-me. Depois passaram aos outros dedos. Um a um os espetos iam sendo cravados, as unhas iam ficando levantadas e roxas, o sangue gotejando sobre o ladrilho.
Enquanto eu me mantinha em silêncio, os monstros cantavam. E acompanhavam o seu nefando trabalho ao ritmo de um estribilho que servia na época de propaganda pelo rádio dos cigarros Adelfi, como se aquilo ao passasse, para eles de um divertimento. E, na sua gíria, os espetos passaram a ter o nome dos cigarros. Havia uma ligação entre a propaganda dos cigarro Adelfi e o “trabalho” dos carrascos. As carteiras desse cigarro traziam vales que davam direito a prêmios aos fumantes e os torturadores eram também premiados pelos seus chefes, sempre que conseguiam arrancar alguma confissão de suas vítimas. Uma idéia digna de seus autores.
Todos os dedos da mão esquerda estavam cravejados com os espetos, passaram para a mão direita. O martírio não parecia ter fim. O serviço era feito porém, com calma os espetos iam ficando enterrados, não havia pressa em retirá-los, eles davam a impressão de que as unhas cresceram de repente e viraram garras.
Eu contava os dedos espetados e os que faltavam espetar, calculava o tempo em que eu tinha de me manter com os músculos e os nervos tensos e fazendo aquele esforço tremendo para não gritar. Quando os dez dedos das mãos ficaram todos enfeitados, respirei fundo e julguei ter vencido aquele primeiro “round”. Mas enganei-me porque o primeiro “round” não terminara. Com surpresa vi que eles se abaixava e começavam a meter os espetos nas unhas dos pés.
As torturas prosseguiram pela noite a dentro, o sadismo tomando as formas mais variadas: “mordidas” de alicate na barriga, torceduras dos testículos, queimaduras com ponta de charuto.
Finalmente, exaustos e suados, os algozes suspenderam as operações. Com o alicate arrancaram, uma a uma, as farpas das mãos e dos pés. Puseram numa bacia um líquido que disseram ser água vegeto-mineral, e mergulharam meus dedos nessa água, à guisa de assepsia. A seguir, fui levado para uma sala ao lado, a alguns passos apenas do local das torturas.
CONTINUA...
Muito tempo se passou. Todos me olhavam como se nunca tivesse visto gente, até que um deles ordenou: “Podem levá-lo”.
Os mesmos que me prenderam – Cegadas, Monteiro e Pequenino – conduziram-me através de corredores e salas. Em certa altura, recebi uma pancada na nuca – um murro ou um coice, não sei bem – que me projetou de encontro a umas cadeiras. Depois uma porta se abriu e fui empurrado para uma espécie de corredor quadrado, com piso de ladrilho. Em cada parede desse quadrado havia uma porta, sendo que uma delas dava para uma privada e as outras para salas.
“- Vá tirando a roupa!” – ordenou um dos tiras.
Comecei a me despir, enquanto eles tiravam o paletó e arregaçavam as mangas. Fiquei só de cuecas.
“- Tire tudo!” – rosou o mesmo sujeito.
Fiquei completamente nú.
Eu não tinha ilusões, sabia que estava diante de uma situação decisiva, de vida ou morte. Sabia que o medo e o desespero seriam a minha ruína. Concentrei, pois, todos os meus esforços para manter a calma e não me apavorar.
Fui obedecendo às ordens sem inúteis relutâncias. Fui encostado a um canto de parede. Surgiu uma corda, amarraram meus pulsos, um braço foi esticado para um lado e amarrado na maçaneta de uma das portas e o outro braço atado a outra maçaneta da porta do banheiro. A seguir, os pés também foram amarrados. Fiquei completamente imobilizado, de braços abertos como um crucificado.
Abriram uma caixa de espetos de bambu, lisos, achatados, pontiagudos. Outros apetrechos: um alicate, um sarrafo curto para servir de macete, garrafas com líquidos, uma bacia. Um dos policiais aproximou-se e bradou: “Como é, seu f. da p., vai dar o serviço ou não vai?” ele verificou que eu não estava com nenhum desejo de dar serviço pois continuei calado.
Começou então a operação. Segurou firme um dedo de minha mão, colocou um espeto de bambu debaixo da unha e começou a bater com sarrafo, com quem crava um prego. Contraí todos os músculos, cerrei os dentes. O espeto penetrou nas carnes, ultrapassou toda a unha. É impossível descrever aquela dor, tive que sufocar um urro na garganta, o primeiro impulso foi gritar, berrar mas contive-me. Depois passaram aos outros dedos. Um a um os espetos iam sendo cravados, as unhas iam ficando levantadas e roxas, o sangue gotejando sobre o ladrilho.
Enquanto eu me mantinha em silêncio, os monstros cantavam. E acompanhavam o seu nefando trabalho ao ritmo de um estribilho que servia na época de propaganda pelo rádio dos cigarros Adelfi, como se aquilo ao passasse, para eles de um divertimento. E, na sua gíria, os espetos passaram a ter o nome dos cigarros. Havia uma ligação entre a propaganda dos cigarro Adelfi e o “trabalho” dos carrascos. As carteiras desse cigarro traziam vales que davam direito a prêmios aos fumantes e os torturadores eram também premiados pelos seus chefes, sempre que conseguiam arrancar alguma confissão de suas vítimas. Uma idéia digna de seus autores.
Todos os dedos da mão esquerda estavam cravejados com os espetos, passaram para a mão direita. O martírio não parecia ter fim. O serviço era feito porém, com calma os espetos iam ficando enterrados, não havia pressa em retirá-los, eles davam a impressão de que as unhas cresceram de repente e viraram garras.
Eu contava os dedos espetados e os que faltavam espetar, calculava o tempo em que eu tinha de me manter com os músculos e os nervos tensos e fazendo aquele esforço tremendo para não gritar. Quando os dez dedos das mãos ficaram todos enfeitados, respirei fundo e julguei ter vencido aquele primeiro “round”. Mas enganei-me porque o primeiro “round” não terminara. Com surpresa vi que eles se abaixava e começavam a meter os espetos nas unhas dos pés.
As torturas prosseguiram pela noite a dentro, o sadismo tomando as formas mais variadas: “mordidas” de alicate na barriga, torceduras dos testículos, queimaduras com ponta de charuto.
Finalmente, exaustos e suados, os algozes suspenderam as operações. Com o alicate arrancaram, uma a uma, as farpas das mãos e dos pés. Puseram numa bacia um líquido que disseram ser água vegeto-mineral, e mergulharam meus dedos nessa água, à guisa de assepsia. A seguir, fui levado para uma sala ao lado, a alguns passos apenas do local das torturas.
CONTINUA...
http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/livros/bangu/04.htm#primeiro
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário