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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O deleite de Volta Seca - O Pasquim encosta na parede O "Jésse James" do nordeste - Parte X


Sérgio Cabral - Volta Seca, você tem ideia de quantas pessoas já matou?
- Não, hoje esse negócio de matar não compensa ninguém.

 

Sérgio Cabral - Mas durante as batalhas...
- Isso é um caso que eu mesmo não posso dizer. Porque 90, 100 atira no meio de 200, 300, ninguém sabe quem matou.

 

Millôr - O Antônio Silvino morreu em 1944. Você chegou a conhecer o Antônio Silvino ou tinha notícia dele no bando?
- Sabia que tinha ele. Mas num cheguei a conhecer ele não.

 

Millôr - Quando você começou ele já estava preso, ele foi preso em 1914. Você sabia da importância dele no cangaço?
- Já, já.

 

Jaguar - Você não esteve preso na mesma prisão que ele não, né?
- Não, eu num cheguei a conhecer ele não. Aliás, soube que ele também era um homem que gostava de fazer o bem.

 

Millôr - Lampião, ou outro elemento do bando, tinha admiração por ele?
- Não, nunca ninguém falou dele não. Nem bem nem mal.

 

Jaguar - Quando é que você dormiu a primeira vez numa cama?
- Quando fui preso.

 

Jaguar - Mas você, e todo mundo, dormia era em rede naquela época, né?
- Era em rede ou no chão. Eu dormia no chão, numa tarimbazinha velha.

 

Ziraldo - Qual era o maior amigo seu no bando, sem ser o Lampião? Com quem você se deu melhor?
- Bom, me dei bem com todos eles. Num tinha o que reclamar de nenhum.

 

Ziraldo - Mas você falou muito do Luiz Pedro...
- Não, aliás, tinha o Luiz Pedro que era um bom rapaz, num era mal. Olha, lá num tinha ninguém santo, num adianta esconder não.

Jaguar - Bom, conta cumé que você foi preso?
- Bom, o seguinte foi esse: a minha prisão foi por causa de um colega meu mesmo. Foi mais por causa de eu me doer por causa dos outros e, no fim, me deram um chute. E quem padece sempre sou eu. Mas agora eu já deixei isso prum lado, que não dá certo. O caso foi esse: nesse combate de Massaranduba, onde morreram três e saiu um baleado – o baleado chamava-se Bananeira. Foi baleado na rótula, mas nós não tinha visto ele. Nós tava brigando, e quando terminou a briga, que nós se arretiramos e chegamos na frente, ele ficou dando com a mão de lá. Então, eu olhei e falei: "ô capitão, lá tem um chamando e é um dos nossos". Aí ele suspendeu a cabeça e eu vi que era o Bananeira e ele tava baleado. E eu disse: "Vamos lá". Ele disse: "Eu já saí e num vou voltar mais lá". Eu digo: "Mas como é que é que o senhor falou que é um por todos e todos por um? Vamos salvar o rapaz, ele tá vivo, num tá morto ainda". Aí ele disse: "Eu num vou mais, se você quiser ir, vai. Eu num vou". Eu chamei o Fortaleza e falei que o Bananeira tava baleado e ele perguntou: "Já chamou o capitão?" Eu disse: "Já. Ele disse que já terminou o combate e que ele não vai lá mais". Eu disse: "Você é forte, cê carrega ele e eu agüento o fogo". Então fomos. Aí, chegamos lá e botamos o fogo. O rapaz botou ele no ombro e tiramos ele pra fora. Quando nós tiramos ele fora e trouxemos, eu disse: "Capitão, o rapaz taí e tá baleado na perna. Nós temos que salvar ele, levar ele pra um lugar qualquer aí e dar remédio que o homem vai ficar bom". Lampião disse: “Bom, então você leva ele. Você que foi lá buscar, então, você leva ele".

Ziraldo - Mas por que o Lampião tomou essa atitude? Você não tem uma ideia?
- Num sei. Ele se aborreceu justamente porque eu disse que ia buscar ele. Aí, eu apanhei o rapaz, levamos e chegando na frente ele disse: "Bom, você fica aí que eu vou ver se pego um animal pra montar ele. Porque nós não podemos levar ele na rede".

Aí o Fortaleza disse: "Mas cumé que o capitão faz uma coisa dessas?” Eu disse: "Eu acho que ele tá mal satisfeito!" Aí Lampião disse: "Então, você vai, pega o animal e leva ele". Aí chamei um outro, nós pegamos um cavalo lá, fizemos uns negócios, montamos ele e saímos. Lampião disse: "Bota ele na frente que quando os macacos aparecerem, nós tamos aqui. É tempo de você ir e tirar ele pra lá".

Eu disse: "Tá bem." Aí ele disse: "Como é, bota ele pra frente"! Eu digo: "Mas outra vez? Cê num tá vendo que ele tá machucado e não pode ir assim?” Ele disse: "Mas você num foi tirar ele de lá? Então cê pode". Aí eu vi que ele queria me provocar e digo: "Bom, se é isso, não tem problema não. O senhor manda um outro aí ajudar que eu monto ele e passamos pra frente".

Ele disse: "Não, monta ele sozinho". Aí, o Bananeira disse assim pra mim: "Nada, deixa isso pra lá, ele fica com pilunga contigo. Eu num sei porque. Eu não tive culpa de ser baleado".

Eu digo: "Não, mas você num vai ficar sozinho não. Cê vai comigo". Aí, chamei um rapazinho que tinha lá - Pocorante (Pó Corante).

Chamei ele e disse: "Vamos embora". Aí, pegamos ele e fomos embora. Nós levamos ele pra frente, quando chegamos lá no lugar que ia tratar dele, na fazenda, eu digo:

"Eu vou viajar. Mas o rapaz tem que ser medicado. Num vai ficar assim não". Lampião disse:"Ah, porque num sei o quê". Eu digo: "O senhor tem razão de falar, porque o senhor é o chefe. Mas o senhor não devia fazer isso não”. Mas esse Pocorante, esse colega meu, tava mesmo procurando um negócio. Aí, Lampião pegou e disse:
 
"Você vai lá pegar o meu burro". Aí, depois, Lampião chegou pra mim: "Ele não encontrou o burro, não. Você vai lá e dá umas voltinhas, vê se encontra o burro". Aí, eu saí e o burro tava em pé ali. Eu cheguei e disse: "Mas você não encontrou o burro? O burro tava aqui, como é que você não viu o burro?” Lampião então falou pra ele: "Eu tava bem era de dar um murro na sua cara".

E o Pocorante ficou calado. depois eu fui procurar o Pocoronte e disse: "Escuta rapaz, cumé que um home diz que dá um tapa na sua cara e você fica calado? Escuta, pra que é que você tem um fuzil na mão? Pra que que você tem tanta bala? É pra você mesmo? Ah, num pode dizer nada, que é com o capitão? Ah, bom, então, amanhã ele se enche de gozo e diz que bate na minha cara e eu dou-lhe um tiro na cara dele também". Aí, Pocorante disse: "É, mas é todo mundo colega da gente mesmo. Na hora ele opina contra, não sei o quê..." Digo: "Não sei o quê, nada". Ele saiu, amarrou a camisinha e foi direto a ele. "Ó capitão, o senhor disse que ia bater na minha cara. Eu disse pro Volta Seca e ele disse que se o senhor dissesse que ia bater na cara dele, ele dava um tiro na sua cara.” Fez uma fofoca direto. Aí, eu venho de lá pra cá e Lampião mandou me chamar: "Você disse que se eu te desse um tapa você me dava um tiro". E eu: "Dava, não, eu dou. Dava é uma coisa, eu dou. Quer ver? Experimente". Aí, ele ficou falando, num sei o quê...

Jaguar - Ele num tava num bom dia, hein, rapaz?
- Sei não.

Millôr - Enquanto isso, onde estava o ferido, o Bananeira?
- O Bananeira tava numa fazenda, sendo medicado.

Ziraldo - Eu acho que Lampião não tava querendo arriscar o bando dele por causa de um que já tava morrendo.
- Eu acho que era isso. Bom, aí ele pegou com aquele negócio comigo, todo dia tendo uma conversinha. E quando foi de noite, mandou me chamar. Eu fui, chegou perto, me fez a mesma pergunta e eu respondi a mesma coisa. Aí, veio a Maria mesmo e disse: "Lampião, você deve deixar isso pro lado. Você fica toda hora procurando uma coisa e deve deixar. Ele é seu amigo, você é amigo dele, é superior a ele, é tudo. Mas ele tá certo. Ninguém vai querer tomar tapa na cara, isso num fica certo. Então, você não deve fazer isso. Deve parar com esse negócio". Aí, bem, parou.

Quando é de noite, ele mandou me chamar e eu mandei dizer que não ia mais lá. Aí, ele ficou falando que no outro dia de manhã ia me almoçar, num sei o quê... Os outros vinham e me diziam:
"Olha, cuidado, o Lampião disse que vai te almoçar amanhã".

Eu disse: "Num faz mal, não. Diz pra ele que eu janto ele agora de noite também".

Aí, quando foi mais ou menos meia-noite, ele botou gente em roda pra eu não sair, que queria falar comigo de manhã.

Eu disse: "Num faz mal". Aí, veio o cunhado dele mesmo, o Virgínio: "Volta Seca, cê sabe que eu gosto de você, o Mariano também. É todo mundo seu amigo, ele pode mandar matar você e nós num pode fazer nada. E vai ser uma coisa. Então, vai embora, vai por teu caminho, vai embora".

Eu digo: "Tá certo". Aí, ele mandou pedir as armas e eu disse que não dava. Mandou que eu entregasse fuzil e munição e eu disse que não entregava. Mas não entregava mesmo. Aí, com o auxílio dos outros, eu fui embora.

Ziraldo - A pé ou a cavalo?
- A pé. Eu fui embora. Aí, ele mandou recado pra tudo quanto é fazenda, que no lugar que eu passasse, ia me matar.

Ziraldo - Aí você ficou numa ruim, né?
– Pois é. Aí, fiquei contra. Mas não tem nada, não. O destino é esse, é esse mesmo. Se morrer hoje, morri; se morrer amanhã, morri. É tudo a mesma coisa. Quatro dias depois encontro com o oficial com a volante. Um cara lá, que era meu amigão, moleque sem-vergonha, me cagoetou.

Jaguar - Qual era o nome dele?
- Chamava-se Adão.

Jaguar - Onde você conheceu ele?
- Lá na fazenda.

CONTINUA...



http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/entrevista-de-volta-seca-jornal-o.html



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Um comentário:

  1. Anônimo12:20:00

    Pois é professor MENDES, jamais pensei que a matéria (entrevista) sobre Volta Seca fosse tão ampla. É SEMPRE CONTINUANDO.
    Grato,
    Antonio Oliveira - Serrinha

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