Por Brasília
Carlos Ferreira – Organizadora, 1992
Lauro Reginaldo da Rocha era Mossoroense
No campo
decisivo da Europa, pelo leste, a fina flor do Exército nazista era tangida de
roldão pelo Exército Vermelho. Pelo oeste, com a abertura da segunda frente
pelos aliados, a fuga dos outrora orgulhosos representantes da pretensa raça
superior era em sentido contrário, em direção a Berlim. No sul, no front da
Itália, onde combatia a valorosa Força Expedicionária Brasileira, fechava-se o
grandioso cerco. Só restava às feras nazistas o seu próprio covil, onde seriam
definitivamente dizimadas.
19 de abril de
1945. Foi decretada a anistia ampla para todos os presos políticos no Brasil.
Quando a notícia chegou ao presídio da Ilha Grande, embora já fosse esperada, a
primeira reação que nos causou foi de perplexidade. Depois a realidade foi se
formando aos poucos em cada um, até se transformar numa alegria geral,
transbordante, incontida. Alegria de quem se sente renascer para uma nova vida.
A festa espontânea, cada qual festejou ao seu modo, sem limites de tempo ou de
programação. Um transporte da Marinha foi posto á disposição do diretor do
presídio, para nos levar para o continente.
A situação de
Adauta, esperando o bebê para aqueles próximos dias, nos tirou a chance de viajarmos
todos juntos para a liberdade. Combinamos, então, que eu iria na frente, com
todos os demais anistiados, a fim de providenciar o arranjo de nossa nova
residência no Rio e dar os primeiros passos na procura de trabalho. Ela
continuara por uns dias na Ilha com as crianças aguardando minha volta que
seria breve. Assim combinado embarquei com todos para a grande cidade.
Quando
desembarcamos no Cais do Porto, uma multidão festiva nos aguardava. Os que
tinham família no Rio foram recebidos e conduzidos por seus parentes. Os que
não tinham como era o meu caso encontraram amigos e correligionários prontos
para ajudar.
À minha espera
e também do jovem nordestino Ademar, estava o saudoso Saul, companheiro de
lutas dos velhos tempos. Ele nos recebeu com grande alegria e, depois de
palavras animadoras, nos levou até o seu carro, a sua famosa baratinha. Dentro
em pouco estávamos em sua confortável residência.
A minha maior
dificuldade era para alugar uma casa. Naquele tempo, os proprietários, de
imóveis exigiam altas luvas por um contrato de locação e eu como é fácil de
deduzir, saíra da prisão sem um níquel no bolso.
Mas o Saul
tinha uma agradável surpresa para mim. Nos terrenos de sua mansão havia uma
casa vazia, com dois cômodos, e ele a pôs à minha disposição até que eu pudesse
me arranjar. Nela fiquei por dois anos, quando consegui mudar para uma casa
própria, adquirida com muito trabalho e muito esforço.
Quanto ao
emprego, o meu plano era recorrer a uma de minhas habilidades profissionais
(desenhista, tipógrafo etc.), quando fui informado por um amigo de que havia
uma oficina de maquetes na Av. Venezuela, de propriedade de Zanini. Este
trabalho, dizia o amigo, seria o recomendado para mim, em vista da minha
facilidade em assimilar esse tipo de atividade.
Fui no dia
seguinte e fiquei conhecendo Zanini – essa figura humana excepcional, esse
artista e arquiteto nato, no dizer de Lúcio Costa. No fim de um ligeiro papo eu
já estava empregado. A oficina era bem montada, com uns 30 operários, dividida
em setores especializados: desenho, pintura, corte armação e acabamento.
Comecei como desenhista, realizando tarefas. Três meses depois passei a
desenhar e a dirigir a confecção das primeiras maquetes. Um ano depois, eu era
o encarregado de toda a oficina. Após dois anos, quando Zanini mudou-se para S.
Paulo, montei meu próprio estúdio de maquetes.
Quanto voltei
à Ilha Grande alguns dias depois da Anistia, já encontrei meu novo filho que
nascera no dia 1º de maio. Na primeira lancha embarcamos para o Rio, eu e toda
a família.
Aí começou
tudo de novo. Fomos morar na casa que o Saul nos emprestara. É claro que não
havia nada dentro dela, precisávamos de móveis, utensílios domésticos, roupas e
alimentos.
Eu tinha
diante de mim um desafio. E passei a trabalhar com denodo e entusiasmo, dia,
noite, domingos e feriados: e me sentia feliz, como se as próprias dificuldades
me empurrassem para frente e me encorajassem. O meu esforço visava apenas criar
os meios suficientes para educar os filhos e manter a família dentro de um
padrão de vida razoável e digno. Com o decorrer do tempo eu ia conseguindo o
meu propósito, a custa do meu próprio esforço.
O Partido
estava agora com nova direção, numa fase de franco desenvolvimento, facilitado
pela legalidade e pela euforia criada com derrota do nazi-fascismo e pelo
surgimento de novos Estados Socialistas e novas democracias. Eu tinha a
impressão de que eu não estava fazendo falta ao Partido, pelo menos não me
tinham procurado, até então, para as “grandes tarefas”.
Pelo sim, pelo
não, procurei estabelecer contatos com alguns dos novos dirigentes a fim de
“oferecer os meus préstimos” e saber se eu podia ser útil em alguma coisa. Mas,
encontrava sempre grande dificuldade em falar com esses companheiros, estavam
sempre muito ocupados, num entra-e-sai apressado dos seus gabinetes de trabalho
nas sedes legais do curto período de legalidade do partido. Tinham sempre
reuniões, encontros e tarefas muito importantes, pediam para aparecer noutra
ocasião.
Com receio de
que pudesse estar importunando, não mãos os procurei. Aproveitei a folga que
esses “mui ativos” companheiros bondosa e tacitamente me concediam e continuei
o meu trabalho de organização partindo das bases, nos bairros, que já havia
começado.
Aqui começa um
novo capítulo dessa história que terá desenvolvimento no segundo volume destas
memórias.
http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/livros/bangu/04.htm#primeiro
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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