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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Bangu, Memória de um Militante - Lauro Reginaldo da Rocha - Bangu -Final



Por Brasília Carlos Ferreira – Organizadora, 1992 
  Lauro Reginaldo da Rocha era Mossoroense

No campo decisivo da Europa, pelo leste, a fina flor do Exército nazista era tangida de roldão pelo Exército Vermelho. Pelo oeste, com a abertura da segunda frente pelos aliados, a fuga dos outrora orgulhosos representantes da pretensa raça superior era em sentido contrário, em direção a Berlim. No sul, no front da Itália, onde combatia a valorosa Força Expedicionária Brasileira, fechava-se o grandioso cerco. Só restava às feras nazistas o seu próprio covil, onde seriam definitivamente dizimadas.

19 de abril de 1945. Foi decretada a anistia ampla para todos os presos políticos no Brasil. Quando a notícia chegou ao presídio da Ilha Grande, embora já fosse esperada, a primeira reação que nos causou foi de perplexidade. Depois a realidade foi se formando aos poucos em cada um, até se transformar numa alegria geral, transbordante, incontida. Alegria de quem se sente renascer para uma nova vida. A festa espontânea, cada qual festejou ao seu modo, sem limites de tempo ou de programação. Um transporte da Marinha foi posto á disposição do diretor do presídio, para nos levar para o continente.

A situação de Adauta, esperando o bebê para aqueles próximos dias, nos tirou a chance de viajarmos todos juntos para a liberdade. Combinamos, então, que eu iria na frente, com todos os demais anistiados, a fim de providenciar o arranjo de nossa nova residência no Rio e dar os primeiros passos na procura de trabalho. Ela continuara por uns dias na Ilha com as crianças aguardando minha volta que seria breve. Assim combinado embarquei com todos para a grande cidade.

Quando desembarcamos no Cais do Porto, uma multidão festiva nos aguardava. Os que tinham família no Rio foram recebidos e conduzidos por seus parentes. Os que não tinham como era o meu caso encontraram amigos e correligionários prontos para ajudar.

À minha espera e também do jovem nordestino Ademar, estava o saudoso Saul, companheiro de lutas dos velhos tempos. Ele nos recebeu com grande alegria e, depois de palavras animadoras, nos levou até o seu carro, a sua famosa baratinha. Dentro em pouco estávamos em sua confortável residência.

A minha maior dificuldade era para alugar uma casa. Naquele tempo, os proprietários, de imóveis exigiam altas luvas por um contrato de locação e eu como é fácil de deduzir, saíra da prisão sem um níquel no bolso.

Mas o Saul tinha uma agradável surpresa para mim. Nos terrenos de sua mansão havia uma casa vazia, com dois cômodos, e ele a pôs à minha disposição até que eu pudesse me arranjar. Nela fiquei por dois anos, quando consegui mudar para uma casa própria, adquirida com muito trabalho e muito esforço.

Quanto ao emprego, o meu plano era recorrer a uma de minhas habilidades profissionais (desenhista, tipógrafo etc.), quando fui informado por um amigo de que havia uma oficina de maquetes na Av. Venezuela, de propriedade de Zanini. Este trabalho, dizia o amigo, seria o recomendado para mim, em vista da minha facilidade em assimilar esse tipo de atividade.

Fui no dia seguinte e fiquei conhecendo Zanini – essa figura humana excepcional, esse artista e arquiteto nato, no dizer de Lúcio Costa. No fim de um ligeiro papo eu já estava empregado. A oficina era bem montada, com uns 30 operários, dividida em setores especializados: desenho, pintura, corte armação e acabamento. Comecei como desenhista, realizando tarefas. Três meses depois passei a desenhar e a dirigir a confecção das primeiras maquetes. Um ano depois, eu era o encarregado de toda a oficina. Após dois anos, quando Zanini mudou-se para S. Paulo, montei meu próprio estúdio de maquetes.

Quanto voltei à Ilha Grande alguns dias depois da Anistia, já encontrei meu novo filho que nascera no dia 1º de maio. Na primeira lancha embarcamos para o Rio, eu e toda a família.

Aí começou tudo de novo. Fomos morar na casa que o Saul nos emprestara. É claro que não havia nada dentro dela, precisávamos de móveis, utensílios domésticos, roupas e alimentos.

Eu tinha diante de mim um desafio. E passei a trabalhar com denodo e entusiasmo, dia, noite, domingos e feriados: e me sentia feliz, como se as próprias dificuldades me empurrassem para frente e me encorajassem. O meu esforço visava apenas criar os meios suficientes para educar os filhos e manter a família dentro de um padrão de vida razoável e digno. Com o decorrer do tempo eu ia conseguindo o meu propósito, a custa do meu próprio esforço.

O Partido estava agora com nova direção, numa fase de franco desenvolvimento, facilitado pela legalidade e pela euforia criada com derrota do nazi-fascismo e pelo surgimento de novos Estados Socialistas e novas democracias. Eu tinha a impressão de que eu não estava fazendo falta ao Partido, pelo menos não me tinham procurado, até então, para as “grandes tarefas”.

Pelo sim, pelo não, procurei estabelecer contatos com alguns dos novos dirigentes a fim de “oferecer os meus préstimos” e saber se eu podia ser útil em alguma coisa. Mas, encontrava sempre grande dificuldade em falar com esses companheiros, estavam sempre muito ocupados, num entra-e-sai apressado dos seus gabinetes de trabalho nas sedes legais do curto período de legalidade do partido. Tinham sempre reuniões, encontros e tarefas muito importantes, pediam para aparecer noutra ocasião.

Com receio de que pudesse estar importunando, não mãos os procurei. Aproveitei a folga que esses “mui ativos” companheiros bondosa e tacitamente me concediam e continuei o meu trabalho de organização partindo das bases, nos bairros, que já havia começado.

Aqui começa um novo capítulo dessa história que terá desenvolvimento no segundo volume destas memórias.

http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/livros/bangu/04.htm#primeiro

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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