"Veríssimo de Melo faz jornalismo, está findando o curso jurídico e espera continuar estudando e amando, naturalmente, terra e gente onde vive. Desde menino amalucou pelos folguedos tradicionais, alegrias, corridas, afoitezas de muitos séculos capitalizados nas pernas, braços e goelas molecas. Empinou corujas com galhardia, amarrando rucega na ponta da cauda, desafiando adversários, como Finnmore viu no Japão antes da bomba atômica. Comeu goiaba quente, teve dor de barriga escondida, fugiu da escola para ir ao Circo de Cavalinhos, acompanhou o Palhaço e apaixonou-se pela menina do trapézio. Todas as “constantes” do menino nortista vivem, agora recalcadas para o potencial, neste futuro bacharel em ciências jurídicas e sociais, com a borla tocada no quengo e o anel no fura-bolo.
Amou, logicamente, o Folk Lore, com suas divisões naturais da Literatura Oral e da Etnografia Tradicional. Frequentou livros e feiras, que são ainda os nossos museus de Arte e Trabalho Popular. Aprendeu a cantar todos os versos do “Fandango” e dar seis passos e meio no bailado da “Burrinha” no Bumba-meu-Boi. Não há uma atividade no plano folclórico que Veríssimo ignore. De velha raça de observadores, meio cético, meio crédulo, sabe ver, ouvir e contar. Os “antigos” deixaram-lhe no sangue a mania da liberdade moral, a impossibilidade do ritmo quaternário, lento e lindo, carregando a ponta da cauda de um manto. Dá-lhe logo vontade de levantar tudo de uma vez para verificar o que vai andando, se é gente mesmo ou bicho ensinado. Mas nada existe nesse companheiro que lembre deseducação desrespeito, desatenção, brutalidade. Ninguém terá mais amor ao passado, galas, modos, frases. Nem mais compreensão ao presente. Como um folclorista legítimo estuda o homem na sua normalidade, no trágico quotidiano, sem querer provar cousa alguma, sem obedecer aos bridões de uma doutrina ou aos freios de uma solidariedade total."
LUÍS DA CÂMARA CASCUDO
Fonte: Adivinhas / Veríssimo de Melo – Natal: Biblioteca da Sociedade Brasileira de Folk-Lore, 1948 - Prefácio de Luís da Câmara Cascudo.
Foto: VERÍSSIMO e CASCUDO.
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