Por José Cícero - Aurora-CE.
Quando menino
fui um moleque tímido, mas um tanto perspicaz e curioso. Tinha receio até de
dizer meu nome em público. Em meu silêncio, contudo, quase estratégico, eu via
e ouvia muito mais que os outros. Foi o jeito que inventei para me inserir
naquele mundo cruel e capcioso. E assim esquadrilhava com meus olhos de lince e
meus ouvidos de cachorro matreiro as coisas que aconteciam ao meu redor.
Ninguém sabia disso. Eu fingia que estava desligado dos assuntos... Mas no
fundo, eu era um menino atento, cujo senso de curiosidade e percepção estava
muito além da maioria. Um ser estranho (eu
confesso), mas que sempre aprendia por trás do silêncio e do soturno aparente
que estavam em mim.
Coisas que
lembro até hoje. Eu tinha um medo tremendo de hospital, do posto de saúde e da
farmácia. Sim, de farmácia. Porque naquele tempo toda farmácia tinha seu
ambulatório onde se fazia aplicação das injeções que me causavam tanto medo. Na
época das vacinas era um Deus nos acuda. Eu queria mesmo era desaparecer... Mas
não havia escapatória. Estava condenado aos temíveis instrumentos tênues e
perfurantes de seu Otacílio, como igualmente de Zé Landim (o nosso bom
farmacêutico), Odaízio e Zé Brasil.
Mas recordo
que, malgrado o temor que eu tinha; terminei por encontrar uma maneira surreal
de me distrair e, assim, aliviar minha dor pela furada no músculo. Mirava meus
olhos num quadro modestamente emoldurado que havia na parede da farmácia. Uma
fotografia simplória em preto e branco de um sujeito pequeno de ar cansado ao
lado do seu jumento com duas ancoretas de água. Acho que às margens da rodovia,
bem ao lado da ponte na entrada da cidade que dava para o Juazeiro sob o
riacho. Imagino, lá pras bandas da antiga rua da várzea.
Nunca
perguntei a ninguém de quem se tratava aquele quadro na parede. Imagem típica.
Talvez feita pelas lentes de Seu Basílio, antigo e único retratista do lugar
naquele tempo. Nem sei ao certo, a razão daquela imagem ter mexido tanto com
aquele menino que era eu. Pois nunca me cansei de olhá-la. De observar aquele homem
sertanejo como que pousando com o seu jerico. Aliás, era o que eu primeiro
vislumbrava na farmácia, mesmo quando entusiasmado eu ia pegar de graça, a
revistinha – Almanaque Fontoura, contendo as estórias do Zeca Tatu do Monteiro
Lobato, que eu gostava. Inicialmente, pelas imagens ( minha leitura visual) já
que eu não estava completamente alfabetizado. Mas fui lendo devagarinho, sem
nenhuma pressa... Quem sabe, como o próprio caminhar daquele jerico da
fotografia.
E hoje, quase
quatro décadas depois é que vi a saber, de quem na verdade se tratava aquela
fotografia amarelada pelo passar dos anos. Coisas que o tal destino nos apronta
de vez em quando. Era Mosquito. O nome do tal homezinho da foto com seu jumento
Lopreu.
Mosquito - O
botador de água da cidade. O ser que dera de beber a tantos, mas que até hoje,
parecem não mais se lembrarem dele. Mosquito – o verdadeiro mito de um Prometeu
sertanejo, posto que passara sua vida inteira a exemplo de Chaim a carregar
água paras às residências dos ricaços em sua maioria. Quem sabe, o Hércules
Quasímodo como bem dissera certa vez Euclides da Cunha na sua obra seminal: Os
Sertões.
Mosquito - O
nosso herói esquecido. Perdido deste então nas brumas de um tempo ido a que
tudo mata, devora e apaga em nome do esquecimento total. Alimentando assim à
memória dos que passam a vida toda alheios ao essencial. Ocupados demais com
seus sonhos absurdos de poder e de dinheiro. Talvez agora nem mais sintam sede
estátuas que são de olhares fixos no nada, como mortos insepultos abraçados a
tal madame frigidaire.
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