José Mendes, você nos apresenta um texto de Maristela Mafuz, no qual é abordado o tema do amor no cangaço. Belo texto. Aproveito o ensejo para fazer alguns comentários a respeito da participação de mulheres na vida cangaceira.
Maristela Mafuz
Os cangaceiros eram homens rudes, mas não diferiam muito dos vaqueiros e pobres lavradores do seu tempo, na luta contra a miséria nas caatingas. Escrevi sobre esse tema, num capítulo intitulado "Mulheres no cangaço". Antes de Maria Bonita se juntar a Virgulino, não havia mulheres no bando. Como uma mulher não podia ficar sozinha no meio de muitos homens, Maria levou consigo uma cunhada, que se juntou ao cangaceiro Ângelo Roque. A terceira mulher a integrar o bando foi Dadá. Depois, um cangaceiro do grupo de Corisco chamado Azulão pediu autorização para trazer também a namorada, sua prima Maria, do Poço das Pedras, fazenda situada nas imediações de Várzea da Ema. Lavandeira trouxe Lili, nascida no Juá, que tinha parentes no arraial de Nambebé. Virgínio, cunhado de Lampião, viúvo (tinha casado com Angélica Ferreira), passou a viver com Durvalina (Durvinha), filha de Pedro Gomes, dono da fazenda Arrastapé, nas imediações de Paulo Afonso. Luís Pedro levou consigo uma moça chamada Neném, do Salgadinho, também perto de Paulo Afonso. A partir daí, perdeu-se a conta das mulheres cangaceiras. No curso do tempo, mais de 70 mulheres se tornaram cangaceiras. Relaciono no mencionado capítulo uma a uma, com nomes e apelidos, bem como os respectivos maridos.
Os cangaceiros viviam amasiados, mas houve um casal constituído formalmente e outro, quase: Cajazeira e Enedina casaram-se no civil e
na igreja, e Corisco e Dadá foram casados por um padre, mas sem as formalidades eclesiásticas (proclamas e assentamentos no livro próprio). Com a presença de mulheres no bando, um novo item passou a fazer parte do regimento disciplinar: o respeito. Os casais gozavam de privacidade nos acampamentos, com direito a barracas isoladas das demais. As mulheres deviam fidelidade absoluta aos seus homens.
Lampião não permitia promiscuidade, pois sabia que disputas no bando pelas fêmeas teriam consequências incontroláveis, perturbando a harmonia entre os seus cabras.
Os fatos mais notórios relativos às mulheres do cangaço foram as tragédias passionais envolvendo Lídia, Lili e Cristina.
Naquela quadra, a vida da mulher nordestina, como, aliás, a vida da mulher brasileira em geral, era restrita ao âmbito familiar e aos afazeres domésticos. Ainda não tinham soprado por estas bandas os ventos das transformações sociais decorrentes da revolução industrial. Os cargos e os empregos eram destinados quase que exclusivamente aos homens. Praticamente as únicas profissões
femininas eram as de professora e costureira. As filhas dos
fazendeiros eram preparadas para ser esposas prendadas: aprendiam a cozinhar, costurar, bordar, fazer rendas. Os coronéis do sertão mandavam as filhas para estudar nos colégios de freiras e nas “escolas normais”. As pobres, quando muito, só aprendiam a ler.
Nas zonas rurais, as mulheres eram em geral analfabetas. Muitos pais proibiam as filhas de estudar, para que não aprendessem a fazer carta para os namorados. As filhas dos moradores das fazendas trabalhavam
nas roças desde meninas, ajudando os pais, e quando casavam
continuavam a mesma lida com os maridos e os filhos.
Trabalhos com
gado e serviços de machado, foice e picareta eram para os homens. Mulheres e crianças encarregavam-se de serviços “mais leves”,
como coivarar, plantar, limpar mato de enxada, quebrar milho, arrancar feijão, colher algodão, fava e feijão-de-corda, raspar mandioca.
Nas horas de “descanso” e nas épocas de falta de trabalho nas roças, sentavam-se diante de almofadas com seus bilros e alfinetes, para fazer rendas e bicos, fonte de receita complementar dos incertos
e minguados ganhos da lavoura.
Ao contrário dos homens, que entravam para o bando porque queriam mesmo ser cangaceiros, as mulheres tornavam-se cangaceiras por força das circunstâncias, para estar com seus maridos ou namorados. Para elas, portanto, o cangaço não era uma “profissão”, mas uma contingência da vida. As garotas das roças e das pequenas
povoações sertanejas, ao mesmo tempo em que tremiam de medo dos cangaceiros, paradoxalmente viam os cangaceiros como heróis românticos, príncipes encantados de um reino onde havia perigo e morte, mas que, por pior que fosse, não podia ser pior do que a
triste situação em que viviam. No íntimo, sentiam-se fascinadas por aqueles homens valentes de que tanto se falava, como se fossem
induzidas pelo instinto natural de fêmeas a querer parir um filho daqueles cabras machos como o diabo!
Corisco era contra esse negócio de mulher no bando. Quando entrava
um novato, ele avisava:
– Venha só. Nun traga muié. De muié pra dá trabaio já basta a minha.
Esses comentários, postos aqui em síntese, estão em "Lampião - a Raposa das Caatingas", páginas 373 a 380, num capítulo em que conto como Lampião conheceu Maria, a bonita primeira-dama do cangaço.
Peço que se alguém reproduzir o texto que acabo de expor, por favor cite a fonte.
Visite o blog do autor:
https://blogdomendesemendes.blogspot.com/2014/10/existia-amor-no-cangaco.html
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