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quarta-feira, 3 de maio de 2023

MV.: NO FIO DA HISTÓRIA... À MEMÓRIA DO GRANDE IDEALISTA ZÉ CADETE DE MISSÃO VELHA

Por José Cícero

No auge da ditadura militar nos chamados”anos de chumbo” bem na primeira metade da década de 60, uma pequena chama de liberdade se acendeu na então pequena e provinciana cidade de Missão Velha. Um diminuto grupo de pessoas, não mais que cinco ou seis idealistas resolveram, não obstante o perigo, se colocarem contra o regime da caserna. A frente do qual estavam José Pereira da Silva, ZÉ CADETE que na época exercia na cidade a profissão de sapateiro/vendedor de loteria e o Dr. José Ribeiro, um intelectual filho da terra.

Quando a repressão recrudesceu em todo o país e no Ceará, logo começaram a pipocar as notícias vindo da capital. Dando conta das perseguições, prisões e torturas cometidas pelos denominados aparelhos de Estado contra os supostos ‘comunistas’, bem como, contra todos aqueles que eram tidos, por qualquer motivos, como inimigos do regime. Ou simpatizantes do socialismo mundial. Em Missão Velha,assim como em Aurora as reuniões passaram a ser noturnas e clandestinas em sítios como: Morro, Arraial, Trapiá e Martins.

De modo que, não demorou muito para que o serviço de verdadeira ”caça às bruxas” chegasse ao Cariri. Cidades periféricas como Missão Velha e Aurora foram visitadas por representantes das forças armadas que davam sustentação ao regime, no sentido de ouvir pessoas e efetuar prisões, cujos supostos ‘subversivos’ eram imediatamente recambiados de trem, sob escolta policial para às prisões em Crato ou Fortaleza.

Mesmo sem muita expressão oposicionista e/ou política era já sabido, por parte da repressão, da existência de algumas pequenas células do então PCB, tanto em Missão Velha, quanto em Aurora. O próprio Cadete tinha a função de manter ideologicamente informados o grupo de Aurora encabeçado pelos também saudosos: Biró Ribeiro, Vicente Ricarte e seu Gonzaga Alfaiate(***). Sendo que, este último, chegou a ser interrogado por um cel. do exercito na antiga delegacia de polícia, na época situada no centro daquela cidade*.

Só não foi igualmente preso, porque conseguira convencer seu interrogador de que sua única função na célula comunista era receber, na estação do trem, duas vezes por semana, o jornal do partido – O Democrata, e em seguida distribuí-lo aos demais, por alguns trocados. Razão, porque, segundo ele mesmo, foi liberado*. Todos os demais tiveram rapidamente que fugir e se esconder longe da sede nos dois municípios.

Ainda em Missão Velha, os agentes da repressão invadiram o escritório do Dr. José Lima Ribeiro e logo o prenderam. Sendo levado para o quartel na cidade do Crato. Vasculharam a sua biblioteca, buscando as ditas obras comprometedoras, notadamente as marxistas. Alertado pelos rumores e as notícias veiculadas pelo rádio, Ribeiro cuidou antecipadamente de esconder parte dos seus livros na casa da sua genitora(dona Letícia) no sítio Cachoeira. Zé Cadete teve tempo de fugir.(**) Mas, terminantemente se recusou a se esconder, dizendo ele que não podia, por um dever de consciência, visto que não havia cometido nenhum crime contra as leis, nem contra os homens, nem contra o Estado. De modo que, mesmo avisado e aconselhado por seus companheiros, decidiu ficar. E assim foi preso pela manhã em pleno oficio cotidiano, ou seja, no seu próprio local de trabalho(na oficina). O mesmo fora conduzido por policiais da capital à delegacia. E de lá, até à estação ferroviária local, quando em seguida, no começo da tarde seguiu de trem para Fortaleza.

Todos sentiram, como em si mesmos aquela injustiça. Aquele ato indigno e não puderam fazer absolutamente nada. Porém, em todo regime totalitário, onde quer que aconteça, a justiça sempre foi e será a primeira vítima a ser sacrificada. E a lei, quase uma sentença de morte antecipada.

Zé Cadete, era tido por todos, como um homem de bem. Um bom indivíduo de coragem e de fortes convicções. Portanto, bastante querido e admirado pela comunidade. De maneira que, segundo dizem até hoje, seguira naquela tarde no trem da RVC de cabeça erguida e semblante altivo. Sem esboçar nenhum constrangimento ou gesto de tristeza. De modo que, foi possível constatar com a saída do trem o real sentimento de tristeza e contrariedade de todos os que em profundo silêncio, testemunharam a partida de Cadete, para nunca mais retornar à Missão Velha em vida. Senão, em março 1990, para ali ser sepultado, posto que falecera aos 85 anos na cidade de Iguatu, vitima de um AVC. Quando finalmente foi livre em Fortaleza passou a residir em São Paulo.Tempos depois, já viúvo retornou ao Ceará indo morar na cidade de Iguatu, onde contraiu um segundo casamento e se tornara maçom, através do seu amigo o Sr. Aluisio Filgueiras. Tivera sete filhos, sendo quatro do primeiro casamento e três do último(*).

Zé Cadete nasceu em Barbalha em outubro do ano de 1904, mas muito jovem veio residir com os seus em Missão Velha, o solo sagrado que ele, desde muito, adotou como sua terra-mãe e, inclusive, pedira para que no chão de São José, um dia seu corpo fosse definitivamente sepultado. E assim foi feito...

# Prof. José Cícero

MV – CE.

foto: arquivo pessoal da filha de Zé Cadete - M. Aurélia.

(*) Informes: (*) de Maria Aurélia.

(**)da sobrinha do dr.J. L. Ribeiro - Celda Santiago.

(***) Revista Aurora (07), entre outros informações orais.

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