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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Bangu, Memória de um Militante - Lauro Reginaldo da Rocha - Bangu - Parte IV

Por Brasília Carlos Ferreira – Organizadora, 1992

“TERCEIRO DIA”

Comecei a sentir uma dor de cabeça esquisita, insuportável. Era um peso bem na nuca que aumentava gradativamente, como se qualquer coisa estivesse comprimindo e esmagando o meu cérebro. Pensei em traumatismo e na possibilidade de vir a perder o uso da razão. E fiquei desejando que a loucura viesse, na ilusão de que ela me tornaria insensível às dores e ao sofrimento.

Mas o meu raciocínio continuava a funcionar, ora atabalhoadamente, ora com perfeita lucidez, o corpo resistindo de tal forma as torturas, que me surpreendia. Nunca imaginara que o meu físico raquítico pudesse suportar tanta pancada, sem comer, sem beber e sem dormir. Quantas vezes desejei perder os sentidos, um desmaio qualquer que me aliviasse por alguns momentos. Mas, nada de vertigem. Até a velha bronquite que outrora tantas noites de sono me roubara, desapareceu.

A fome começou a me atormentar. O estômago passou a latejar, comecei a sentir umas batidas enjoadas e persistentes nesse órgão, como se para ele tivessem se transferido as batidas do coração. Já devia estar chegando a noite, quando me trouxeram um prato de comida. Era farofa com carne seca. Antes de começar a comer, pedi água. Disseram-me: “Coma. Depois vem água”. Fiquei desconfiado daquele depois. A sede era maior do que a fome, eu sabia que não ia poder engolir aquela farofa sem água, com a boa ressecada, sem saliva.

Tentei comer. Ao por na boca a primeira colherada, compreendi que me haviam armado uma cilada: a comida era puro sal, tentavam aumentar minha sede ao máximo, ao desespero. Botei fora a comida que estava na boca e afastei de mim o prato. Os investigadores trocaram entre si olhares irônicos, como se quisessem dizer: “Que pena! Não caiu”. Eles não compreenderam porém uma coisa. Se em vez de farofa fosse água com sal, talvez eu tivesse bebido, tal era a sede que me atormentava.

Mais tarde fui levado ao “quadrado”. Amarrado, com os braços em cruz, aguardei os acontecimentos.

Vi, no chão, a caixa com os espetos de bambu, o sarrafo, o alicate, a bacia e as garrafas, o material para o suplício das unhas. Como eu já havia passado por aquela espécie de tortura, julguei que aqueles apetrechos não estavam a mim destinados. Entretanto, a sala de torturas é uma caixa de surpresas, nunca se pode prever o que vai acontecer. Logo pude constatar o meu engano, os “adelfis” estavam ali à minha espera.

O rito infernal ia se repetir, preparei-me para enfrentá-lo. Começaram a cravar os espetos sob as unhas, reabrindo as feridas, fazendo espirrar sangue e pus. Em vez de contrair os músculos, relaxei-os por completo e gritei com toda a força que me restava. E verifiquei que esta era uma forma melhor de suportar o martírio.

Quando os espetos foram cravados em todos os dedos das mãos, começaram a praticar uma nova variação de tormento. Com alicate retorciam os espetos nas feridas, de modo a que a parte mais larga das farpas ficassem para cima. As unhas ficaram, assim, suspensas ao máximo, restando presas apenas os dois cantos laterais. Depois as farpas foram retiradas dos dedos das mão e novamente cravadas nos dedos dos pés, repetindo o que haviam feito no primeiro dia. Com a inovação do retorcimento do bambu.

Novas fogueiras de jornais foram acesas – parecia que o desejo dos monstros era me assar em fogo brando – o calor aumentava a sede, aquela sede que se tornara idéia fixa.

Depois passaram a puxar o órgão sexual com o alicate e a torcer os testículos. Essa forma de tortura ocasionava dores horríveis. Os órgãos estavam inflamados, eu temia pelas conseqüências. Lembrei-me do que aconteceu com o companheiro Ceará – uma das vítimas desses brutais espancamentos – que ficou urinando por um buraco, em conseqüência e pancadas nos órgãos genitais.

O curioso é que os carrascos deixaram de fazer perguntas, certamente por julgá-las inúteis, diante do meu silencio, pois todas as que fizeram ficaram sem respostas.

CONTINUA...

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