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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

SEU GALDINO E A ONÇA PINTADA DA GRUTA

Por José Mendes Pereira

Nesse dia, seu Galdino acordou meio doente. À noite anterior, havia tomado uma porção de vinho, comemorando os cinquenta anos do seu casamento.

Dona Dionísia, sua velha e estimada esposa, permanecia ao redor da cama, para lhe dar apoio se ele precisasse. Apenas, algumas vezes, havia saído do seu redor, quando seu Galdino solicitava algo que lhe melhorasse a ressaca. Dizia ele que o vinho só lhe trouxera uma infeliz ressaca; rins doídos, o corpo estava como se tivesse levado uma surra de chicote. As pernas pareciam que tinham perdido os movimentos. Um enjoo terrível, e uma vontade de provocar. E vez por outra, passava uma tontura, deixando-o sem condições de permanecer em pé.

Nesse dia, suas vacas foram mungidas pelo vaqueiro do Lili Duarte, que já havia tomado conhecimento, que seu Galdino se encontrava enfermo.

Como de rotina, recebera a visita do seu Leodoro, um grande homem da sua amizade, principalmente, para contar as suas aventuras. E ao vê-lo naquelas condições, seu Leodoro aconselhou-o que fosse até à cidade para consultar o médico, e aferir a sua pressão; e não era bom ficar ali recolhido, já que tinha médicos gratuitos para este fim.

Ali, deitado, reclamava do maldito vinho que o deixara naquelas condições, e até dizia que nunca mais colocaria uma gota daquele embriagador.

- É, compadre, dizia seu Leodoro, nós na idade que estamos, não devemos brincar com a saúde, porque é um passo para a morte. Passou dos sessenta, tudo fica difícil para uma recuperação.

- Eu sei, eu sei, compadre Leodoro, que bom que eu estivesse ainda começando a vida, campeando gado nos tabuleiros...

- E ainda, compadre Galdino, vendo aquelas onças nos serrados..., aliás, hoje quase não se ver mais as bichinhas passeando pelos campos.

- Exatamente! Estão acabando com as bichinhas..., e hoje, ao clarear do dia, quando eu me acordava, lembrei-me de uma ninhada de filhotes de onça que eu vi quando ainda era jovem. Naquele tempo, eu apenas sonhava em ser dono de uma boa fazenda, e os pouquinhos bichinhos que eu já possuía, eu os criava nas terras do meu pai Galdino Borba(GATO Mend(ONÇA). Mas como Deus não desampara ninguém, hoje eu tenho esta, e excelente fazenda, e muito o agradeço.

- Eu não sei compadre Galdino, porque tem pessoas que desfazem de Deus, usando certas brincadeiras com ele. E tudo ele dá para nós.

- É um verdadeiro imbecil, aquele que diz coisas contra Deus...

- Verdade, compadre! – Atalhou seu Leodoro.

- Sim, compadre - continuava seu Galdino apoiando-se na cama, como se quisesse se levantar - voltando à conversa da ninhada de filhotes de onça pintada que eu a encontrei..., eu tinha saído cedo de casa, na intenção de vistoriar os meus pouquinhos bichinhos, porque o inverno tinha sido escasso..., e logo, teria que voltar, porque eu precisava ir até à cidade para apanhar um dinheiro de um fazendeiro que havia me solicitado a pegada de uma novilha amojada. Segui a pé, e já no final da Baixa Grande, local que o senhor conhece muito bem, eu peguei outra vereda. Esta, facilitava mais a minha caminhada. Lá mais adiante, deparei-me com uma gruta que eu nunca tinha visto. Fui olhando para um lado, vi uma boca grande, formada por pedras, e percebi que dava espaço para se entrar nela. Com um pouco de receio, findei entrando na gruta. O senhor quer saber o que tinha lá dentro dela?

- Quero sim senhor! – Exigiu seu Leodoro.

- Três filhotes de onça.

- Três filhotes de onça?! Novinhos, compadre Galdino!?

- Bem novinhos! Lentamente, eu fui me aproximando deles, mas todos ficaram ali me olhando e arrepiados. Quando eu peguei um deles para alisá-lo, o diabo da mãe vinha entrando na gruta, e de pressa, eu o soltei. Eu não tinha como me salvar daquela onça. Mas eu precisava de criar um meio para me livrar dela. Ou eu tentava uma maneira de me defender dela, ou ela iria me devorar ali mesmo. 


A minha sorte, foi que ela veio e se deitou para dar de mamar aos filhotes, e nem percebeu que eu estava ali, num lugar apertado. Ela ficou deitada de costas para mim. E ali, as horas foram se passando, e eu só me lembrava de que ela poderia me ver e me atacar, porque eu não tinha nenhuma chance de sair dali. Ela tomava a passagem para fora. Sabe o que eu fiz, compadre Leodoro?

- Não sei não senhor! Estou aguardando que me diga o que o senhor fez para sair de lar.

- Eu sabendo que onças têm medo de fogo, silenciosamente, peguei os meus papelinhos de cigarros, e os coloquei sobre a calda da onça que estava bem pertinho de mim. Como ela nem se mexeu, toquei fogo nos papelinhos, que de repente, foram queimando uns aos outros, atingindo o rabo da danada. Sentindo a quentura do fogo no rabo, ela deu um esturro tão grande, e saiu de buraco a fora, numa velocidade pra mais de cem quilômetros por hora. Eu vendo que ela havia desaparecido dali, peguei as três oncinhas e caminhei às pressas com elas, em direção a minha casa. E adeus, mamãe onça! Nunca mais ela viu os seus filhotes.

- E o que o senhor fez com os gatinhos da onça, compadre Galdino?

- Havia chegado um circo em Mossoró, e assim que eu soube, selei o meu jumento, coloquei os caçoas, e em seguida, os gatinhos da onça dentro, e fui tentar vendê-los ao dono do circo. Mas eu passei por um sufoco dos piores. A danada da onça que eu nem esperava, quando cheguei já bem próximo de Mossoró, ela me alcançou, e tinha hora que ela partia pra cima de mim com gosto de gás. Para vencê-la, de cima do jumento mesmo, dei-lhe umas boas lapadas de chicote nos seus olhos, aí ela ficou sem tino, resolveu voltar.

- E o que era que ela queria, comadre Galdino?

- Era os seus filhotes, homem!

- E como foi que a onça soube que o senhor estava levando os seus filhotes nos caçoas?

- Compadre, eu acho que foi através do seu faro, que ela descobriu que eu levava os levava. Só sei que os vendi, e bem vendidos. E o dinheiro das oncinhas, está aqui. Empreguei-o nesta propriedade.

- As horas estão se passando, compadre, e eu tenho que ir embora, tenho que cuidar dos meus afazeres..., mas cuida da sua saúde. Não vá ficar aí sem procurar um médico, compadre.

E ao sair, lá fora, seu Leodoro Gusmão caminhava dizendo consigo mesmo:

"- O danado do meu compadre não tem jeito não! É morrendo e mentindo, é morrendo e mentindo! Mas que bicho mentiroso!".

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