Por Inalda Cabral Rocha
Chegamos no
colégio, na verdade, Ginásio Sagrado Coração de Maria, mas até hoje conhecido
por Colégio das Freiras.
A diretora era uma jovem freira portuguesa, cujo nome não me lembro mais. Diziam que ela era muito educada e as alunas nunca seriam apresentadas a ela.
Estudei com Guió em regime de externato até 1941, quando no ano seguinte padrinho Chico resolveu nos internar. Acho que ele tomou a decisão porque no final do ano resolvi levar, escondido na farda, um dos romances que encontrei nos livros dele, chamava-se História de João e Mariquinha.
Uma coisa proibitiva para minha idade, mas consegui ler. Era a estória de um rapaz rico, João, com uma menina pobre, a Mariquinha. João morria e o so-gro ficava feliz porque agora seria um homem rico. Não havia nada demais, além disso.
A prefeita do colégio, irmã Iracema, me pe-gou em flagrante com as amigas lendo o livro e cha-mou padrinho Chico que não gostou. Ele voltou para casa com o livro embaixo do braço e só disse isso:
- Olhe, Inalda, no dia primeiro de dezembro, você irá para Fortaleza passar as férias.
Adelzira precisava se operar de apendicite em Fortaleza e ele garantiu a mamãe que confiava em mim. Eu iria tomar conta de Adelzira. Éramos hóspedes de Raimundo ‘Mundico’ Fernandes e dona Leonor Hoyos Fernandes, uma peruana, que moravam numa mansão na avenida Barão de Aracati, na Aldeota. Na porta ha-via uma placa Éramos Seis, pois eram pais de seis mo-ças. Mundico era irmão de seu Ezequiel Fernandes.
Quando iniciou o ano letivo de 1942, padrinho Chico disse-me:
- Inalda, você só fala em ser freira. Precisa conhecer o reverso da medalha. Vou lhe internar com Guiomar, para você não namorar e ter educação do-méstica.
Foi a maior satisfação da minha vida, quando recebi essa notícia. Achei ótimo e me abracei a ele. Não havia cumprimentos de beijos naquele tempo.
Para ser internada naquele tempo padrinho Chico teve que comprar o enxoval que era:
- duas camas
- quatro lençóis
- dois travesseiros
- material de higiene
- duas fardas para cada: uma de gala branca, com chapéu branco, para as festas de gala, como desfi-les escolares nos dias 7 e 30 de setembro;
- quatro pares de meias compridas, acima do joelho;
Fui
matriculada no último ano ginasial, o que corresponde hoje a 8ª. série. Uma
professora portugue-sa, Carmelinda, ao final da primeira aula disse:
- Inalda, você não pode estudar nessa série porque não dá para acompanhar.
Não me conformei e disse que dava para acompanhar muito bem aquela série, que queria estudar com minha irmã Guiomar. Sem querer eu já estava começando a mandar no colégio. Irmã Carmelinda mandou retornar à tarde para fazer trabalhos manuais.
Na época o colégio aceitava alunos do sexo masculino, pequenos.
Achei o ambiente maravilhoso, mas um meni-no fez um barulho na sala de aula. Irmã Carmelinda tirou o sapato e bateu no bumbum dele. Eu que tinha pânico de pêia, fiquei horrorizada e achei o colégio pior, pois deduzi que sapato doía mais do que palmatória.
Os trabalhos manuais consistiam em fazer al-mofadas de veludo e pano de mesa, com linhas que vinham da Ilha da Madeira. Era o que as freiras diziam. Aprendi e ainda sei o ponto Paris.
Tinha aula de música, lecionada por irmã Io-landa, uma freira baiana. Um dia ela me perguntou se não queria ser freira, pois tinha notado que eu vivia re-zando na capela. Falou que tinha uma coisa para ocu-par o meu tempo. Estava selecionando um grupo de meninas para formar o coro. Eu participaria das festas de gala do colégio. Para isso teria que ter duas fardas: a farda normal, de saia azul, mangas compridas, cheia de botões. A farda de gala, era saia e blusa, tudo branco.
Eu muito curiosa e sonhando com a vida de freira, perguntei se era fácil ser freira. Ela disse que meu pai teria pagar seis contos de réis e teria que ir para Por-tugal. Gostei da idéia porque era um meio de conhecer de perto Nossa Senhora de Fátima, que apareceu a Francisco, Lucia e Jacinta.
Cheguei em casa e contei a Chico Cabral que estava muito contente com o colégio. Ele me prometeu se eu aprendesse piano, comprava um para mim. Que-ria também que aprendesse pintura. Mas me advertiu:
- Tenha cuidado com essa freira da Bahia, pois você anda conversando muito com ela e na Bahia só tem feitiço.
Respondi:
- Ah! Sabe, padrinho Chico? Eu perguntei: tem feitiço na Bahia? Ela disse: Tem, Inalda! Eu mesma vi. Já vi moça dar bolo para rapaz comer e ele se apaixonar por ela.
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