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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

92 ANOS DE "LAMPIÃO EM CAPELA", REPORTAGEM DO JORNAL CORREIO DE ARACAJU, EDIÇÃO DE 29/11/1929

Por Antônio Corrêa Sobrinho

Em 1929, o jornalista e telegrafista ZOZIMO LIMA chefiava a repartição dos Correios e Telégrafos da sergipana Capela, sua terra natal, burgo da zona da mata canavieira, e, concomitantemente, trabalhava como correspondente na região, do jornal CORREIO DE ARACAJU, quando resolveu o destino, na noite de 25 de novembro do sobredito ano, colocá-lo diante do mais temível dos bandoleiros que existiram no Brasil, o pernambucano VIRGULINO FERREIRA DA SILVA, o LAMPIÃO, quando de seu primeiro ataque a Capela.

Quis o desígnio das misteriosas forças que nos regem, ao promover, naquela oportunidade de ataque de cangaceiros a uma cidade, o encontro de Lampião justamente com Zozimo Lima, o telegrafista e ao mesmo tempo cronista, proporcionar, desta forma, à historiografia do cangaço um dos seus mais importantes documentos, a conhecida "LAMPIÃO EM CAPELA", reportagem que se fez elemento constitutivo do conjunto das incontestáveis demonstrações da atuação bandoleira de Lampião, no caso, a sua presença no território sergipano.

Sem mencionar que se trata, a referida matéria, de um olhar sóbrio, amplo, desapaixonado, e não ressentido, considerando que andou por horas veladamente ameaçado, e que só não entrevistou o capitão bandoleiro, justamente por isso, por causa da sua condição, naquele instante, de apenas um telegrafista à mercê de um afiado e longo punhal, a transbordar de medo em que estava.

Refiro-me, nesta postagem, ao artigo jornalístico, publicado quatro dias depois dos acontecimentos que marcaram para sempre a história de Capela, a "visita" de Lampião a esta cidade, texto que hoje completa 92 anos.

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LAMPIÃO EM CAPELA

Informações interessantes colhidas pelo correspondente do Correio – a atitude digna do intendente Antão Corrêa – Lampião acha que a vida do cangaço é bem divertida – outras notas**

Segunda-feira, 25, esta cidade teve o seu dia máximo de vibração e emoção popular. Precisamente às 20 horas, quando se encontrava funcionando o cinema municipal, portas adentro da popular casa de diversão capelense surgiu a figura temível de Lampião que, acompanhado do prefeito local, vinha à procura do encarregado da estação telegráfica da cidade com o fim de intimá-lo a não se comunicar com as demais estações correspondentes. Igual procedimento tivera, posteriormente, para com a encarregada do posto telefônico e do telégrafo da estrada de ferro.

Historiemos os pormenores dos seus receios e tentativas de assalto à cidade, o que se verificou.

Às 19 h 40 min, à casa do coronel Antão Corrêa, intendente local, justamente quando este distinto cavalheiro acabava de jantar com sua família, apareceu, de automóvel, o Sr. Otacílio Azevedo, negociante em Dores. Vinha procurar o jovem prefeito para uma conferência. Tinha por fim esta lhe dar conhecimento de que Lampião e o seu grupo, em número de dez ao todo, exigiam a sua presença no lugar denominado Sobradinho, à entrada da cidade, onde todos se encontravam parados por se ter furado uma câmara de ar do carro que conduzia o audacioso bando.

O Sr. Otacílio trazia-os de Dores à força, em seu automóvel. Juntamente com mais três carros daquela cidade, aonde chegara, procedente de Carira, às 16 horas, para rumar em direção à Capela, às 19 horas.

O intendente Corrêa, depois de ouvir o Sr. Otacílio Azevedo, improvisado de chofer, deu ciência à sua esposa do que ocorria, tomou rápidas providências, em sigilo, para que o minguado destacamento local não saísse ostensivamente à rua em virtude da insuficiência de forças para um ataque, e foi ter com o grupo que o esperava.

Antão Corrêa foi recebido por Lampião que lhe disse desejar entrar à cidade sem outro intuito que o de angariar uns cobres, prometendo não cometer depredações.

O jovem intendente pediu-lhe manter-se em atitude pacífica e, entrando no automóvel ao lado de Lampião, às 20 horas chegaram todos à cidade.

Lampião mandou Arvoredo tomar o telefone, de passagem, e rumou para o Telégrafo. Corrêa fez-lhe ver àquela hora que o telegrafista estava no cinema e não deveriam ir à cidade-repartição, pois lá só se encontrava a família do respectivo funcionário, Sr. Zózimo Lima. As senhoras eram nervosas e podiam ter uma crise de consequências desagradáveis.

— Tá direito, disse Lampião, mulher é bicho danado pra dar chilique.

E rumaram para o cinema. Ali, o intendente Corrêa entrou logo no cinema e chamou o telegrafista para apresentá-lo a Lampião. Este assomou logo na sala de projeções e foi gritando — “não corram!” Foi um pânico medonho, indescritível! Os demais companheiros foram entrando aos poucos.

O povo, apavorado, não se mexeu mais. O operador em dois minutos quebrou mais de trinta metros de fita. A música perdeu o compasso e os instrumentos começaram a engasgar. Um grupo quis sair, mas Moderno, cunhado e secretário de Lampião, gritou — “se saírem eu dou um tiro pra vocês verem como a coisa é boa”. Logo aí Lampião ordenou ao telegrafista que não fosse mais à repartição sob pena de responsabilidade. Mandou logo quatro companheiros esperar o trem, que chegaria às 21 horas.

Estabelecida confiança do povo que entrou logo de simpatizar com Lampião, que se mostrou sobremodo atencioso, delicado, palestrador incansável, bem como os seus companheiros, começou a população em peso cercar a horda temível. Mandou logo que o intendente organizasse a lista das pessoas que deviam entrar com dinheiro, exigindo, porém, quantia não inferior a vinte contos. O intendente fez lhe ver a impossibilidade de arranjar aquela quantia, visto o comércio estar exausto e estarmos sendo perseguidos por três anos de seca. Diante desta ponderação Lampião respondeu — “É, major, eu também venho atravessando uma seca de 14 anos. Arranje pelo menos uns seis contos”.

Depois de ter comparecido à presença de Lampião, por exigência deste, o delegado de polícia, foi-se tratar de arranjar, entre os negociantes e usineiros, a importância exigida. Não se encontrou má vontade. Pudera! Lampião com aquela espetaculosa indumentária, não é para brincadeira.

Conseguidos os cinco contos e pico, o famanaz Moderno, por ordem do chefe, contou, emaçou e guardou a bolada no mocó, que estava recheado de dinheiro.

E daí em diante, pela noite adentro, as ruas em desusado movimento, Lampião e seu bando percorriam as praças em automóveis, espalhando-se pelas ruas frequentadas pelo meretrício, entrando em casas de bebidas para constantes libações.

Arvoredo, Volta Seca (uma criança quase) e Ponto Fino contavam trágicas façanhas aos grupos numerosos que os cercavam.

Visitaram as casas dos ourives Alfredo Assis e Euclides Silva, onde fizeram compras de jóias, pagando-as. Foram depois ao estabelecimento comercial de Jackson Alves, adquirindo por 500$000 uma gabardine e um revólver. As compras efetuadas eram pagas pelos preços estipulados, sem relutância por parte dos compradores. Todo mundo queria ver, ouvir, dar dois dedos de prosa com o célebre campeador nordestino e era imediatamente atendido com satisfação. Lampião, depois das 23 horas, foi ao telefone intermunicipal para falar diretamente com o chefe de polícia, não se conseguindo, àquela hora, obter a comunicação desejada, apesar da insistência da respectiva funcionária com as estações intermediárias, dormindo àquelas horas. Pelo esforço da telefonista Lampião gratificou-a com 50$000.

Às 3 horas da manhã, sempre acompanhado do povo, Lampião tocou reunir, com um apito estridente. Pouco a pouco foram chegando os companheiros dispersos. Feito isso, tomaram os automóveis e dirigiram-se ao povoado Pedras, onde se demoram pouco tempo, seguindo rápido para Aquidabã, a cavalo, pois fizeram dali seguir os autos para Dores.

A força que chegou de Aracaju, de manhã, depois de ligeiras e indispensáveis preparativos para combate, seguiu no encalço dos bandidos. Se não tomaram, da capital, providências imediatas para a vinda, em tempo, da força, é claro, foi porque todas as comunicações estavam interceptadas pelo bando sinistro.

Lampião, se bem que inculto é, não resta dúvida, um sujeito arguto e inteligentíssimo.

Sejamos imparciais e justos — os nossos últimos e indesejáveis visitantes, pelo trato ameno, pela atenção e cordialidade, deixaram boa impressão ao público.

Essas qualidades aqui exibidas pelos bandoleiros foram, não há negar, devido à maneira porque, na situação em que nos encontrávamos, se portou o digno intendente Antão Corrêa, desenvolvendo fina diplomacia para conter os impulsos latentes que moram nos corações de gente de tal jaez. Não há exagero em se afirmar, e disso todos estão gratos e cientes, que a tranquilidade pública repousou na ação eficaz, ordenada e destemerosa do jovem prefeito que, por esse gesto, mais conquistou as simpatias dos capelenses.

Afrontar um bando aguerrido como o de Lampião, com quatro soldados, desmuniciados, porque o complemento do mesmo tinha seguido para o sertão, dois dias antes, com o tenente Elesbão de Brito, seria um sacrifício inútil.

O Sr. Antão Corrêa embora sem a proteção da força, com as responsabilidades especiais do seu cargo político e administrativo, alvo principal das vistas tigrinas do bando trágico, sem saber a sorte que lhe aguardava, não atendeu a rogos de parentes sentimentais, não poupou sacrifícios para salvar a cidade de um saque provável, defender a honra da família capelense e seguiu, aventurosamente, para negociar com o celerado a paz de que tanto ansiávamos.

Porque fosse outro o Sr. Antão Corrêa, seguisse o exemplo de muito valiente que conhecemos, teria Sua Senhoria, após receber o convite de Lampião, sem saber das suas intenções, se metido no seu automóvel com a família e azulado por esse mundo afora, deixando a cidade entregue à sanha do audaz e facinoroso grupo.

Não podemos, também, deixar de elogiar a ação do cônego José Cabral, que muito nos auxiliou, impondo-se, pela sua correção moral e seus conselhos, no meio do bando de Lampião. Dois sequazes ao vê-lo, pediram-lhe a benção.

O cônego desejou-lhes regeneração. Eles sorriram.

Lampião mandou, por dois dos seus companheiros, buscar de automóvel o delegado, major Pedro Rocha, que, no momento de sua chegada, se achava na estação esperando o trem. Felicitou-o por conhecer mais um colega.

Gato foi jantar na Pensão Cabral. Interrogado pela proprietária sobre se era verdade não suportarem as mulheres, teve como resposta: — “Não gostamos das mulheres fuxiqueiras”.

Interrogado Lampião pelo autor destas notas se não pretendia deixar a vida que levava, teve como resposta: — “Qual moço, não há mais jeito. Deixe lá que a vida do cangaço é bem divertida”.

Ao Dr. Ozório Ribeiro disse Arvoredo que só tinha dois amigos: a Providência e o seu fuzil.

Conhecido diretor de importante repartição federal, que se encontrava na estação férrea, ao saber que Lampião tinha entrado na cidade, foi para a casa com as calças “pesadas”, infeccionando as ruas, fazendo os transeuntes, raros, levarem o lenço ao nariz.

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Lampião e Zozimo

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