Por Rangel Alves da Costa
“Cajarana é nome de fruto que é cajá e que é manga ao mesmo tempo, de casca lisa e fina”, denominação mais que apropriada ao sertanejo que recebeu tal apelido, pois esteve dos dois lados da mesma moeda no tempo do cangaço. Quer dizer, foi cangaceiro e depois caçador de bandoleiros nas caatingas, que tanto conhecia no passo a passo de que lado estivesse.
Seu nome de
batismo era Francisco Inácio da Silva, mas comumente conhecido como Chico
Inácio. Nasceu enraizado numa afamada e portentosa família do então distrito de
Poço Redondo: a Família Vito, trazendo no sangue também laços dos Clemente,
família esta de presença constante na história do cangaço em Poço Redondo. Era
irmão de João Inácio e outros.
Seu pai era
Inácio Vito (irmão de Pedro Vito das Pedras Grandes, de Zefa de Clemente, de
Badu e de Canuta de Zé Vicente, dentre outros. A família de Chico Inácio vivia
estabelecida na região da atual povoação poço-redondense de Santa Rosa do
Ermírio (nas proximidades do Couro e Lagoa Escondida), mas espalhada também
além da divisa, principalmente na Ponta da Serra, já adentrando nas terras da
baiana Serra Negra (a mesma Serra Negra do Coronel João Maria de Carvalho e do
posto de comando da tropa de Zé Rufino).
Pela
configuração geográfica, o moço Chico Inácio muito convivia com a presença dos
cangaceiros na região da divisa de Sergipe e Bahia, local de passagem
costumeira de Lampião e seu bando. E também de soldados das forças volantes.
Uma região, pois, insegura e ameaçadora. De qual lado ficar? Muito indagava
Chico Inácio. Mas o cangaço era uma demonstração de força e até de proteção,
também dizia a si mesmo. Um dia resolveu enveredar no cangaço, e assim fez. Foi
aceito e logo recebeu a alcunha de Cajarana.
Mas a vida no
Cangaço era mais difícil do que ele imaginava. Segundo relato de Antônio Neto
Aboiador (importante membro da família Clemente), um antigo problema numa perna
começou a importunar o já cangaceiro Cajarana, principalmente pelo peso dos
apetrechos que tinha de carregar. Ficava cada vez mais insuportável conviver
nas durezas da caatinga naquela situação. Pensou e pensou no que fazer para
sair daquele meio aterrorizante e doloroso.
Como conhecia
a fama e o poder do Coronel João Maria de Carvalho e sua influência perante
Lampião, não teve dúvidas de que o Coronel da Serra Negra seria sua tábua de
salvação. E assim aconteceu, mas não antes que resolvesse fugir. Sua
desesperada e agonizante fuga foi de cena cinematográfica. Segundo o referido
Antônio Neto, Cajarana se afastou um pouco dizendo que precisava urinar. Uma
vez no mato, ficou observando se a cangaceirama se afastava. Ao perceber que já
iam muito adiante, então resolveu correr, mesmo com o dolorido na perna.
Quanto mais
corria mais olhava pra trás, quando de repente percebeu um cachorro vindo em
correria em seu encalço. Lembrou que trazia um pedaço de carne no embornal,
então foi cortando o alimento e jogando em direção ao cachorro, que parava para
comer, e assim foi se afastando cada vez mais até não se sentir mais
perseguido. Em seguida, na mesma correria, foi bater à porta do casebre de um
parente que morava na região.
Imaginou que
logo os cangaceiros estariam vasculhando por ali à sua procura, mas assim não
ocorreu. Já se sentindo em segurança, logo tratou de mandar um recado a seu
pai, pedindo que fosse urgentemente procurar o Coronel João Maria para dizer
que precisava se entregar. O Coronel da Serra Negra assegurou que nada lhe
aconteceria se fosse se entregar, mas que dali em diante passaria a servir a Zé
Rufino. Quer dizer, um ex-cangaceiro indo pro outro lado. Sendo Zé Rufino
também comandado por João Maria, nenhuma objeção foi imposta ao ex-cangaceiro,
tão somente que ao invés de volante, de caçador de cangaceiro, ele seria
informante, em virtude do problema na perna.
E assim Chico
Inácio, o ex-cangaceiro Cajarana, foi vivendo os seus dias. Não sabia, contudo,
que o episódio de sua fuga jamais seria esquecido por Lampião. E assim porque,
ao fugir, o então cangaceiro levou consigo as armas e tudo do cangaço que
carregava, fato jamais perdoado pelo rei cangaceiro. E Lampião esbravejava:
“Ainda quero ver Cajarana como ‘taba’ de pirulito, todo furadinho”.
Assim, pode-se
dizer que Chico Inácio teve vida dupla no contexto do Cangaço, vez que primeiro
foi cangaceiro e depois se tornou informante da volante. Na vida pessoal,
arrumou casamento, mas enviuvou anos após. Casou novamente, e desta feita com
Elzira, com quem teve outros filhos, dentre os quais Zé Acrísio, Nélson e
Zelino. Com a nova família, Cajarana fixou residência nas proximidades da sede
de Serra Negra, na localidade conhecida como Malhada da Onça.
Na Malhada da
Onça, o ex-cangaceiro viveu durante cerca de quarenta anos, e onde faleceu. A
casa ainda existe e é cuidada por seu sobrinho Augusto Inácio. Nas fotos
abaixo, o próprio ex-cangaceiro e o local onde está sepultado no cemitério da
Ponta da Serra, na antiga Serra Negra da Bahia. Ao lado da sepultura avista-se
o seu filho Nélson e Antônio Neto Aboiador (de camisa escura).
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste
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