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terça-feira, 5 de novembro de 2024

𝑻𝑶𝑵𝑯𝑶 𝑪𝑨𝑵𝑬𝑳𝑨 𝑬 𝑴𝑨𝑵𝑬́ 𝑴𝑶𝑹𝑬𝑵𝑶

Acervo do Jaozin Jaaosinn

Antônio Canela, ou Tonho Canela, era um caboclo conhecido nas regiões alagoanas e sergipanas pelos seus trabalhos de vaqueiro. Nasceu numa localidade chamada Bonito/AL, porém, veio a se fixar em Curralinho/SE para salvar a sua vida.

Contam que, nos anos de 1937, quando ainda vivia em Alagoas, Tonho teria participado de um grupo paisana para dar combate ao bando de Lampião, ainda dizendo que iria dar cabo do Chefe Maior, assim que este chegasse a Entremontes/AL. Pegaram em armas, preparam estratégias e tocaia pronta... Mas para a sorte de Canela e cia, o temido Rei do Cangaço acabou não passando naquelas redondezas. Certamente, para se safar do ferro quente e frio do bandoleiro, acaba migrando para Curralinho/SE, conseguindo por lá a sua vida de volta, trabalhando como vaqueiro.

Nos meses de junho do mesmo ano, a fazenda Camarões - situada nos Altos do Curralinho, pertencente a Poço Redondo/SE -, de Juvêncio Rodrigues, se encontrava em festa: uma vaquejada para assim dizer. Neste momento se via alguns vaqueiros, sendo eles Chiquinho de Aninha, Flávio, Seu Alves, Libéu, Angelino e João Cirilo. Todos estavam desde a madrugada na pega de boi no mato pertencente a Camarões; iriam juntar a boiada de Juvêncio para levarem até a fazenda Pedrata.

Era de manhã quando uma chuva forte e pesada cobria a região em que a vaqueirama estava. Todos se abrigaram na casa sede de Juvêncio, bebendo cachaça, comendo carne de bode e aboiando. Lá distante, via-se alguém chegando... Era Antônio Canela, procurando um jumento nos arredores. Soube da animação que estava Camarões e seguiu destino pra lá, com objetivo de se alegrar, comer e beber, além de se proteger das chuvas. E curtia que só aquele momento; momento de risos, descontrações, relembrando histórias, improvisando versos... Mal sabia ele que seria sua derradeira farra.

Apontam três versões sobre como iniciou: a primeira diz que Virgolino soube dessa resistência de alguns moradores contra ele em Entremontes, acabando por incumbir Mané Moreno para prestar contas com o mentor (Antônio Canela); a segunda diz que os moradores de Curralinho e arredores saiam falando esse causo de Tonho para Deus e o mundo, caindo nos ouvidos de Mané Moreno, onde este vai tirar satisfação com o vaqueiro; e o terceiro, através do texto de Alcino Alves da Costa (in memorian), Zuza de Invenção, para servir bem os cangaceiros, acaba repassando a história de Tonho e sua valentia contra Lampião para os bandoleiros que alí estavam presentes, que seria Mané Moreno.

De qualquer forma, o temido Engrácia teria seus traços costurados com o de Canela.

Após a chuva se reduzir e "escafede-se", João Cirilo abre uma das janelas da casa, avistando um grupo a cavalo chegando e cercando a fazenda: eram cangaceiros chefiados por Manoel Moreno. Estavam todos encharcados. Vão ao alpendre, saúdam os visitantes, e estes fazem o mesmo. Apertos de mão ali e aqui, até que chega a vez de Tonho Canela. Mané vê-lo, aperta a sua mão forte, puxa-o e diz: “𝑣𝑜𝑐𝑒̂ 𝑡𝑎́ 𝑝𝑟𝑒𝑠𝑜!”.

Todos se assustam. Angelino e João tentam valer a vida do amigo, mas sem sucesso.

“𝑁𝑎̃𝑜 𝑎𝑑𝑖𝑎𝑛𝑡𝑎 𝑝𝑖𝑑𝑖𝑑𝑢 𝑛𝑖𝑛𝒉𝑢𝑚 𝑝𝑟𝑎 𝑒𝑠𝑡𝑒 𝑐𝑎𝑏𝑟𝑎. 𝐸𝑙𝑒 𝑣𝑎𝑖 𝑚𝑜𝑟𝑟𝑒𝑟 𝑝𝑟𝑢𝑞𝑢𝑒̂ 𝑚𝑒𝑟𝑒𝑐𝑒!” diz o chefe.

Tonho, com coragem, pergunta o que ele fez para merecer isso.

Pancada - que ele e grupo tinham se juntado com o de Moreno - responde: “𝑠𝑒 𝑒𝑠𝑞𝑢𝑒𝑐𝑒𝑢 𝑞𝑢𝑖 𝑎𝑛𝑑𝑎𝑣𝑎 𝑎𝑟𝑚𝑎𝑑𝑜 𝑝𝑟𝑎 𝑎𝑡𝑖𝑟𝑎́ 𝑖𝑚 𝐿𝑎𝑚𝑝𝑖𝑎̃𝑜”?.

Com a valentia que ainda sobrara, responde ao cangaceiro: “𝐹𝑜𝑖 𝑚𝑒𝑠𝑚𝑜. 𝑆𝑜́ 𝑡𝑖𝑣𝑖 𝑝𝑒𝑛𝑎 𝑝𝑜𝑟𝑞𝑢𝑒 𝑒𝑙𝑒 𝑛𝑢𝑚 𝑎𝑝𝑎𝑟𝑒𝑐𝑒𝑢.”

Alecrim, possesso pela resposta do vaqueiro, saca seu canivete e perfura inúmeras vezes o corpo do prisioneiro; Cravo Roxo acaba bufeteando, a coronhada de fuzil, o rosto de Antônio barbaramente. O grupo, enraivado com o rapaz, amarram-no na garupa de Alecrim e levam-no embora do local.

A fazenda é consumida pela tristeza, não se escutava mais as risadas e gritos de alegrias, o gado berrava dolorosamente, aboios se cessam, trovoadas de soluços são escutados de longe, e agora quem fazia o papel da chuva era as lágrimas dos vaqueiros ali presentes. No caminho, Antônio olha em direção para Áurea, amansia de Mané Moreno, e pergunta se iriam o matar. Ela responde acenando a cabeça, confirmando que sim. Em desespero, o destemido vaqueiro consegue pular do cavalo e corre loucamente para outra direção. Mané Moreno, que já estava bravo com a atitude do valente, fica mais ainda na tentativa de fuga do rapaz. É perseguido pelo bando onde conseguem o alcançar. Moreno pede para o rapaz abrir a boca. Iria atirar ali dentro. Antônio só teve tempo de virar a cabeça, fazendo com que a bala atingisse o seu ouvido. Acaba não caindo, e então recebe o segundo, no rosto, fazendo com que caísse em cima das macambira's. Depois, vem Pancada e sangra-o. Como se não fosse bárbaro suficiente, segundo Alcino, Cravo Roxo se aproxima do corpo estirado, todo tingido da cor vermelha; se agacha, e como se fosse um morcego, bebe o sangue que borbulha da veia do pescoço do infeliz.

O mais triste é que tudo isso foi visto pelos olhares de seus amigos que estavam a pouca distância. Todos deslumbram a triste sina de Antônio Canela, por uma atitude louca de tentar enfrentar o Rei do Cangaço, e vítima de uma das maiores armas de morte que se encontram até nos dias de hoje: o fuxico, a fofoca, a língua solta.

𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝐶𝑎𝑟𝑖𝑟𝑖 𝐶𝑎𝑛𝑔𝑎𝑐̧𝑜 𝑃𝑜𝑐̧𝑜 𝑅𝑒𝑑𝑜𝑛𝑑𝑜, 𝑅𝑜𝑡𝑒𝑖𝑟𝑜 𝐻𝑖𝑠𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑐𝑜 𝑒 𝐴𝑛𝑜𝑡𝑎𝑐̧𝑜̃𝑒𝑠 - 𝑀𝑎𝑛𝑜𝑒𝑙 𝐵𝑒𝑙𝑎𝑟𝑚𝑖𝑛𝑜 𝑒 𝑅𝑎𝑛𝑔𝑒𝑙 𝐴𝑙𝑣𝑒𝑠 𝑑𝑎 𝐶𝑜𝑠𝑡𝑎; 𝐿𝑎𝑚𝑝𝑖𝑎̃𝑜 𝐴𝑙𝑒́𝑚 𝑑𝑎 𝑉𝑒𝑟𝑠𝑎̃𝑜: 𝑀𝑒𝑛𝑡𝑖𝑟𝑎𝑠 𝑒 𝑀𝑖𝑠𝑡𝑒́𝑟𝑖𝑜𝑠 𝑑𝑒 𝐴𝑛𝑔𝑖𝑐𝑜 - 𝐴𝑙𝑐𝑖𝑛𝑜 𝐴𝑙𝑣𝑒𝑠 𝑑𝑎 𝐶𝑜𝑠𝑡𝑎; 𝐵𝑙𝑜𝑔 𝑑𝑜 𝑀𝑒𝑛𝑑𝑒𝑠.

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