Seguidores

domingo, 26 de agosto de 2012

A LENDA DO VENTO AMANTE (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

A LENDA DO VENTO AMANTE

Dizem que numa cidade distante, lugar pacato, de povo humilde e trabalhador, de mulheres sérias e recatadas, de repente a mesmice do cotidiano foi transformada por alguns estranhíssimos acontecimentos.

Ali o namoro era para casamento, viúva fechava o balaio eternamente, moça velha tinha que se contentar com o fogo lhe subindo pelas coxas, não havia traição nem adultério, fornicagens às escondidas nem se falava ou aceitava essa coisa de amante.

Tudo ali era de reconhecida seriedade entre as pessoas. Os pais cuidavam dos filhos de modo a tornar inaceitável qualquer deslize. Namoro só na presença do pai ou da mãe. Com um mês já tinha de firmar compromisso, com mais outro mês o noivado era esperado. Em menos de meio ano de namoro já havia casamento, e numa união para eternidade.


Certa feita uma mocinha solteira apareceu buchuda, grávida sem dizer a ninguém quem era o pai, e teve de sair de casa às escondidas levando somente mala e cuia. A família não aceitou de jeito nenhum uma desonra daquela. Procurou-se de todo jeito saber quem teria sido o malfeitor na honra alheia, porém não houve jeito de encontrar o desvirginador.

Ao ser expulsa de casa, na caminhada sem destino que ia, a mocinha passou na casa de uma velha, já nos arredores da cidade, para contar sua aflição, falar sobre sua inocência e dizer que estava sendo acusada de fazer safadeza sem jamais ter levantado a saia pra homem algum. E disse que somente o sopro do vento era capaz de levantar a roupa pra ver suas coxas.

Ao ouvir a conversa sobre a estranha gravidez e aquelas palavras sobre somente o vento poder levantar a roupa pra ver as coxas e o restante, então a velha fechou o semblante, alargou sobre a face enrugada um aspecto de preocupação, e depois disse apenas que então o tão esperado já estava começando a acontecer.

Sem falar mais sobre esse assunto à mocinha, apenas pediu que sentasse para ouvir que sabia de sua inocência, que ela realmente não tinha nenhuma culpa sobre o acontecido, sobre a tão falada e recriminada gravidez, e além disso também sabia que, embora gestante, ela continuava virgem.

Pediu ainda pra que ela não fosse embora naquele momento porque dali mais uns dias tudo poderia mudar e todo mundo reconhecer o erro cometido ao tratá-la como mulher fácil e pecadora. Esperava que isto não acontecesse tão cedo, mas infelizmente o povo do lugar, principalmente as mulheres metidas a sérias demais, a tomar conta da vida dos outros, a se meterem numa eterna beatice, sentiriam na pele a dor e o vexame do desconhecido. Concluiu a velha senhora.

A mocinha ficou por ali escondida, enquanto de vez em quando a velha ia fazer caminhadas pela cidade e observar a feição do tempo, principalmente sentir como o vento chegava e passava. Conhecia a força misteriosa da brisa, do vento e da ventania, mas sabia que era através do vento que os estranhos acontecimentos se confirmariam.

Numa dessas tardes, logo percebeu o sopro diferente do vento, sua feição matreira e astuciosa, seu jeito sonso de namorador e de inigualável causador de problemas familiares. Estava escrito e assim aconteceria. Um vento safado chegaria por ali de mansinho e durante vários dias e noites sopraria de um jeito diferente debaixo dos vestidos e saias das mulheres, da casada à solteira, e estas engravidariam sem saber de que.

Depois de avistar a mulherada animada, proseando animadamente sentadas nas cadeiras defronte suas casas, retornou ao seu barraco e disse à mocinha que não demoraria para que retornasse com segurança ao seu lar. Diante do aconteceria com as outras, logo seria perdoada e até tratada como a virgem da ventania.

E o vento veio chegando faceiro, perfumado, silenciosamente galante, e onde avistava um par de coxas ia soprar por baixo todo macio, de mansinho, sem causar qualquer alvoroço. E após sua passagem, as mulheres se afogueavam, tomavam uma cor diferente, se danavam a balançar a ponta das saias e a mexer na roda dos vestidos. Era uma sensação prazerosa jamais vista, quase como se um amante estivesse acariciando suas partes baixas.

E a partir do primeiro dia e nos seguintes, o que mais se via eram as calçadas, as praças, as ruas repletas de mulheres sorridentes e contagiadas toda vez que suas roupas eram levemente açoitadas. Algumas chegavam a estremecer, outras a dar gritinhos, e teve até senhora dando chilique cheia de afogueamento.


Mas não demorou muito e algumas começaram a ter os sintomas próprios da gravidez. Mocinhas que jamais namoraram de repente apareceram buchudas para espanto e rebuliço do lugar. E eram tantas que as famílias logo perceberam que a culpa não era delas, mas de algum fenômeno estranho que as faziam engravidar sem jamais terem deitado com homem. Foi quando a mocinha expulsa de casa despontou numa ponta de rua e disse que sabia quem havia engravidado todas aquelas mulheres.

Correram pra cima dela implorando perdão e pedindo por tudo na vida que dissesse quem era o causador daquele pecado todo, daquela desonra maior, daquele terrível constrangimento familiar. E quando ela levantou o olhar, apontou em direção à montanha e disse que era o vento, só se viu mulher juntando as pernas, apertando as saias, segurando o vestido e correndo pra dentro de suas casas.

Depois disso o lugarejo ficou conhecido como a cidade sem mulheres. Com as portas e janelas sempre fechadas, nenhuma se arriscava a deixar nem um soprinho de vento passar. A não ser a velha, que enfim pôde ter aquilo que a mocidade lhe havia negado. E todo dia sentava de saia larga defronte ao seu casebre e ali permanecia até desmaiar de tanto sopro de vento.

(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com


 Faça uma visitinha ao blog: "Fatos e Fotos"
http://sednemmendes.blogspot.com 

Nenhum comentário:

Postar um comentário