Não custa tecer algumas considerações sobre o fenômeno do cangaço no Nordeste
brasileiro.
Os cangaceiros faziam do assassinato um ritual macabro. O longo punhal, de até
80 centímetros de comprimento, era enfiado com um golpe certeiro na base da
clavícula – a popular “saboneteira” – da vítima. A lâmina pontiaguda cortava a
carne, seccionava artérias, perfurava o pulmão, trespassava o coração e, ao ser
retirada, produzia um esguicho espetaculoso de sangue. Era um policial ou um
delator a menos na caatinga – e um morto a mais na contabilidade do cangaço.
Quando não matavam, faziam questão de ferir, de mutilar, de deixar cicatrizes
visíveis, para que as marcas da violência servissem de exemplo. Desenhavam a
faca feridas profundas em forma de cruz na testa de homens, desfiguravam o
rosto de mulheres com ferro quente de marcar o gado.
Exatos 70 anos após a morte do principal líder do cangaço, Virgulino Ferreira
da Silva, o Lampião, a aura de heroísmo que durante algum tempo tentou-se
atribuir aos cangaceiros cede terreno para uma interpretação menos idealizada
do fenômeno.
Cangaceiros e traficantes
Foram os cangaceiros que introduziram o seqüestro em larga escala no Brasil.
Faziam reféns em troca de dinheiro para financiar novos crimes. Caso não
recebessem o resgate, torturavam e matavam as vítimas, a tiro ou punhaladas. A
extorsão era outra fonte de renda. Mandavam cartas, nas quais exigiam quantias
astronômicas para não invadir cidades, atear fogo em casas e derramar sangue
inocente. Ofereciam salvo-condutos, com os quais garantiam proteção a quem lhes
desse abrigo e cobertura, os chamados coiteiros. Sempre foram implacáveis com
quem atravessava seu caminho: estupravam, castravam, aterrorizavam. Corrompiam
oficiais militares e autoridades civis, de quem recebiam armas e munição. Um
arsenal bélico sempre mais moderno e com maior poder de fogo que aquele
utilizado pelas tropas que os combatiam.
Virgulino Ferreira da Silva, o "Lampião", reinou na caatinga entre
1920 e 1938. A origem do cangaço, porém, perde-se no tempo. Muito antes dele,
desde o século 18, já existiam bandos armados agindo no sertão, particularmente
na área onde vingou o ciclo do gado no Nordeste, território onde campeava a
violência, a lei dos coronéis, a miséria e a seca. A palavra cangaço, segundo a
maioria dos autores, derivou de “canga”, peça de madeira colocada sobre o
pescoço dos bois de carga. Assim como o gado, os bandoleiros carregavam os
pertences nos ombros.
Lampião sempre afirmou que entrou na vida de bandido para vingar o assassinato
do pai. José Ferreira, condutor de animais de carga e pequeno fazendeiro em
Serra Talhada (PE), foi morto em 1920 pelo sargento de polícia José Lucena,
após uma série de hostilidades entre a família Ferreira e o vizinho José
Saturnino. No sertão daquele tempo, a vingança e a honra ofendida caminhavam
lado a lado. Fazer justiça com as próprias mãos era considerado legítimo e a
ausência de vingança era entendida como sintoma de frouxidão moral. “Na minha
terra,/ o cangaceiro é leal e valente:/ jura que vai matar e mata”, diz o poema
“Terra Bárbara”, do cearense Jáder de Carvalho (1901-1985).
Mas o maior trunfo de Lampião foi o de cultivar uma grande rede de coiteiros.
Isso garantiu a longevidade de sua carreira e a extensão de seu domínio. A
atuação de seu bando estendeu-se por Alagoas, Ceará, Bahia, Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Lampião chegou a comandar um
exército nômade de mais de 100 homens, quase sempre distribuídos em subgrupos,
o que dava mobilidade e dificultava a ação da polícia. Em 1926, em tom de
desafio e zombaria, chegou a enviar uma carta ao governador de Pernambuco,
Júlio de Melo, propondo a divisão do estado em duas partes. Júlio de Melo que
se contentasse com uma. Lampião, autoproclamado “Governador do Sertão”,
mandaria na outra.
Como é comum à história da maioria dos criminosos, uma morte trágica e violenta
marcou o fim dos dias de Virgulino. Traído por um de seus coiteiros de
confiança, Pedro de Cândida, que foi torturado pela polícia para denunciar o
paradeiro do bando, Lampião acabou surpreendido em seu esconderijo na Grota do
Angico, Sergipe, em 28 de julho de 1938. Depois de uma batalha de apenas 15
minutos contra as tropas do tenente José Bezerra, 11 cangaceiros tombaram no
campo de batalha. Todos eles tiveram os corpos degolados pela polícia,
inclusive Lampião e Maria Bonita. Durante mais de 30 anos, as cabeças dos dois
permaneceram insepultas. Em 1969, elas ainda estavam no museu Nina Rodrigues,
na Bahia, quando foram finalmente enterradas, a pedido de familiares do casal
mais mitológico – e temido – do cangaço.
Source:
https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20120920182246AAiP6do
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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