Por Rangel Alves
da Costa*
Nos tempos de
outrora, quando o progresso ainda não havia cortado o chão batido e chegado por
lá, o sertão era praticamente uma comunidade só. Havia um vínculo de amizade
tamanho que a chegada de alguém duma povoação num município vizinho era certeza
de acolhimento e guarida. Verdadeiramente os sorrisos estampavam e braços e
portas se abriam.
Poço Redondo
mantinha consideração especial por alguns municípios vizinhos, mesmo em outros
estados. Exemplo disso acontecia com os alagoanos Pão de Açúcar e Piranhas, bem
como o baiano Pedro Alexandre, então Serra Negra. Canindé do São Francisco, bem
ao lado, possuía um vínculo quase umbilical, verdadeiramente fraternal. Mas o
mesmo nunca ocorreu com Monte Alegre de Sergipe, que antigamente mantinha uma
disputa acirrada com Poço Redondo.
A bem dizer,
boa parte daquela juventude de Monte Alegre chegava a Poço Redondo,
principalmente em dias de festas, com o único e exclusivo objetivo de arranjar
briga, confusão e arruaça. O mesmo acontecia com parte dos jovens poço-redondenses
quando se dirigiam até lá para revidar. Até no futebol as brigas se faziam
constantes, vez que não havia uma só partida que não fosse encerrada no tapa.
Canindé antigo
morava de forma especial no coração do vizinho Poço Redondo. Aqueles moradores,
principalmente os que habitavam naquela cobra grande, subindo e descendo
ladeira, quase a única rua do lugar e na beirada do Velho Chico, eram como
irmãos e famílias para os de Poço Redondo. E pessoas do quilate de Ananias e
Dona Aidê e filhos, Epifânio e esposa e filharada, e todos os outros que por
ali viviam e recebiam os vizinhos de braços abertos. Braços abertos também
quando vinham para o lado de cá.
Reconhecia-se
melhor aqueles municípios mais amigos de Poço Redondo nos períodos de
festanças, principalmente na festa de Agosto. De canoa pelo lado de Curralinho,
Bonsucesso, Jacaré ou Cajueiro, chegavam os alagoanos, mas também pelas
estradas espiçarradas e nos lombos de animais. De carro ou de montaria os que
chegavam das terras baianas. E chegavam ao alvorecer da festança, bem antes de
tudo pegar fogo, e ali permaneciam até o dia seguinte do último dia festa, eis
que o forró continuava comendo solto.
As portas da
cidade se abriam festivamente para os visitantes. Os que não ficavam em casas
de parentes possuíam acolhida do mesmo modo. Uma turma boa chegava de Pão de
Açúcar e era uma gente festeira que não perdia baile ou forró de jeito nenhum.
O sorriso largo e simpático de Maria, os proseados amigueiros dos irmãos Pirré
e Messias, e tantos outros que enchiam Poço Redondo de alegria e satisfação.
Mas dos lados
da Bahia, da vizinha Serra Negra, dois primos mantinham cadeiras cativas nas
festanças de agosto: Heraldo de Carvalho, ou Dr. Heraldo, e Evaldo de Carvalho,
ou simplesmente Evaldo da Serra Negra. Ainda moços, ricos, políticos
(comandaram por dezenas de anos os destinos da Serra Negra), de raízes
coronelistas e de mando, mas que se sentiam em casa quando resolviam se bandear
pelos lados de cá. Em meio à festa, certamente havia outra festa com a chegada
dos primos e comitiva.
Evaldo de
Carvalho era mais comedido, porém chegada a uma bebedeira que não tinha hora de
acabar. Mas o copo sempre cheio não impedia que fosse tido e havido como
verdadeiro Don Juan. Namorador que só ele, de repente estava na companhia de
uma e mais tarde era avistado com outra. Mulheres das redondezas, como Edinha
de Monte Alegre, parecem que vinham no cheiro do namorador da Serra Negra. Como
dito, boa pinta, e gentileza em pessoa, político importante, uma saudoso
vizinho que faz aumentar a recordação dos bons tempos de Poço Redondo.
Se Evaldo era
o verso, o seu primo Heraldo de Carvalho era o reverso. De anelão de médico no
dedo, líder maior de seu lugar, filho do famoso coronel João Maria de Carvalho
da Serra Negra, era a imponência em pessoa. Contudo, exuberante sem deixar de
ser um bondoso amigo. Tudo nele era grandioso, desde o chapéu ao cavalo,
passando pelas sobrancelhas e espalhafatos quando se danava a beber de uísque a
cerveja. Não perdia uma festa de agosto, mas seu cavalo chegava primeiro. E
nele, um agigantado raçudo branco, saia de porta em porta, principalmente de
bar em bar.
E foi com o
Dr. Heraldo que aconteceu um fato marcante, folclórico, até hoje fincado na
memória festeira poço-redondense. No Bar de Delino, em pleno dia de festa, com
Zé Aleixo puxando a sanfona e Zelito botando o gogó pra gemer, com salão
apinhado de gente dançando e bebendo, eis que desponta Dr. Heraldo montado no
seu cavalo. E foi entrando de porta adentro até chegar ao pé do balcão.
Você reclamou?
Nem eu...
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Postado por Adryanna Karlla Paiva Pereira Freitas
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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