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quarta-feira, 4 de junho de 2014

DOIS PRIMOS DA SERRA NEGRA

Por Rangel Alves da Costa*

Nos tempos de outrora, quando o progresso ainda não havia cortado o chão batido e chegado por lá, o sertão era praticamente uma comunidade só. Havia um vínculo de amizade tamanho que a chegada de alguém duma povoação num município vizinho era certeza de acolhimento e guarida. Verdadeiramente os sorrisos estampavam e braços e portas se abriam.

Poço Redondo mantinha consideração especial por alguns municípios vizinhos, mesmo em outros estados. Exemplo disso acontecia com os alagoanos Pão de Açúcar e Piranhas, bem como o baiano Pedro Alexandre, então Serra Negra. Canindé do São Francisco, bem ao lado, possuía um vínculo quase umbilical, verdadeiramente fraternal. Mas o mesmo nunca ocorreu com Monte Alegre de Sergipe, que antigamente mantinha uma disputa acirrada com Poço Redondo.

A bem dizer, boa parte daquela juventude de Monte Alegre chegava a Poço Redondo, principalmente em dias de festas, com o único e exclusivo objetivo de arranjar briga, confusão e arruaça. O mesmo acontecia com parte dos jovens poço-redondenses quando se dirigiam até lá para revidar. Até no futebol as brigas se faziam constantes, vez que não havia uma só partida que não fosse encerrada no tapa.

Canindé antigo morava de forma especial no coração do vizinho Poço Redondo. Aqueles moradores, principalmente os que habitavam naquela cobra grande, subindo e descendo ladeira, quase a única rua do lugar e na beirada do Velho Chico, eram como irmãos e famílias para os de Poço Redondo. E pessoas do quilate de Ananias e Dona Aidê e filhos, Epifânio e esposa e filharada, e todos os outros que por ali viviam e recebiam os vizinhos de braços abertos. Braços abertos também quando vinham para o lado de cá.


Reconhecia-se melhor aqueles municípios mais amigos de Poço Redondo nos períodos de festanças, principalmente na festa de Agosto. De canoa pelo lado de Curralinho, Bonsucesso, Jacaré ou Cajueiro, chegavam os alagoanos, mas também pelas estradas espiçarradas e nos lombos de animais. De carro ou de montaria os que chegavam das terras baianas. E chegavam ao alvorecer da festança, bem antes de tudo pegar fogo, e ali permaneciam até o dia seguinte do último dia festa, eis que o forró continuava comendo solto.

As portas da cidade se abriam festivamente para os visitantes. Os que não ficavam em casas de parentes possuíam acolhida do mesmo modo. Uma turma boa chegava de Pão de Açúcar e era uma gente festeira que não perdia baile ou forró de jeito nenhum. O sorriso largo e simpático de Maria, os proseados amigueiros dos irmãos Pirré e Messias, e tantos outros que enchiam Poço Redondo de alegria e satisfação.

Mas dos lados da Bahia, da vizinha Serra Negra, dois primos mantinham cadeiras cativas nas festanças de agosto: Heraldo de Carvalho, ou Dr. Heraldo, e Evaldo de Carvalho, ou simplesmente Evaldo da Serra Negra. Ainda moços, ricos, políticos (comandaram por dezenas de anos os destinos da Serra Negra), de raízes coronelistas e de mando, mas que se sentiam em casa quando resolviam se bandear pelos lados de cá. Em meio à festa, certamente havia outra festa com a chegada dos primos e comitiva.

Evaldo de Carvalho era mais comedido, porém chegada a uma bebedeira que não tinha hora de acabar. Mas o copo sempre cheio não impedia que fosse tido e havido como verdadeiro Don Juan. Namorador que só ele, de repente estava na companhia de uma e mais tarde era avistado com outra. Mulheres das redondezas, como Edinha de Monte Alegre, parecem que vinham no cheiro do namorador da Serra Negra. Como dito, boa pinta, e gentileza em pessoa, político importante, uma saudoso vizinho que faz aumentar a recordação dos bons tempos de Poço Redondo.

Se Evaldo era o verso, o seu primo Heraldo de Carvalho era o reverso. De anelão de médico no dedo, líder maior de seu lugar, filho do famoso coronel João Maria de Carvalho da Serra Negra, era a imponência em pessoa. Contudo, exuberante sem deixar de ser um bondoso amigo. Tudo nele era grandioso, desde o chapéu ao cavalo, passando pelas sobrancelhas e espalhafatos quando se danava a beber de uísque a cerveja. Não perdia uma festa de agosto, mas seu cavalo chegava primeiro. E nele, um agigantado raçudo branco, saia de porta em porta, principalmente de bar em bar.

E foi com o Dr. Heraldo que aconteceu um fato marcante, folclórico, até hoje fincado na memória festeira poço-redondense. No Bar de Delino, em pleno dia de festa, com Zé Aleixo puxando a sanfona e Zelito botando o gogó pra gemer, com salão apinhado de gente dançando e bebendo, eis que desponta Dr. Heraldo montado no seu cavalo. E foi entrando de porta adentro até chegar ao pé do balcão.
Você reclamou? Nem eu...

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Postado por Adryanna Karlla Paiva Pereira Freitas

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

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