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sábado, 3 de outubro de 2015

NO JUAZEIRO DO PADRE CÍCERO

Por Nertan Macêdo

"...porque Lampião viera ao Juazeiro na boa fé dos tratados". 
Gustavo Barroso ("Almas de Lama e de Aço")

Lampião e seus cabras chegaram ao Juazeiro do Padre Cícero no dia 4 de março de 1926, numa quinta-feira.

Chegando Lampião e seus cabras em Juazeiro do Norte, no Estado do Ceará, no dia 04 de Março de 1926, hospedou-se no sobrado do poeta popular João Mendes.

O portador da carta que lhe mandara o deputado federal Floro Bartolomeu da Costa, convidando-o a apresentar-se no quartel-general dos beatos e cangaceiros, então convertido em sede dos "patriotas" defensores da legalidade do governo Arthur Bernardes, foi um rábula, de nome José Ferreira de Menezes Longe.

Há uma outra versão: de que o padre Cícero, do próprio punho, fizera idêntico convite ao bandoleiro, o que pusera Lampião desconfiado por não conhecer a caligrafia do padrinho. A intervenção do fazendeiro Né da Carnaúba, garantindo a autenticidade da carta, apagou a dúvida no espírito de Virgulino.

Padre Cícero e o deputado federal Floro Bartolomeu

Outros afirmam que o padre não aprovou a iniciativa do doutor Floro Bartolomeu, mas opôs obstáculos, dominado que sempre foi pelo médico baiano.

Sonhava o padre recuperar Lampião, como fizera, antes, com Sinhô Pereira e Luiz Padre. Dizem que chegaram mesmo, de uma feita, a escrever cartas aos coronéis Ângelo da Gia, de Floresta, e João Novais, do Navio, pedindo-lhes que cedessem em suas fazendas um trato de terra para Lampião cultivar.

Há quem afirme, também, que ao deixar o Juazeiro, nessa viagem de 1926, Virgulino Levava no bolso uma carta do reverendo a um amigo do Maranhão ou Goiás, fazendeiro poderoso, na qual pedia que o acolhesse e o encaminhasse ao trabalho do campo.

O sanguinário Lampião

Mais ainda: que Lampião só atacara Mossoró, após sua permanência no Juazeiro, porque soubera que o governo do Ceará não mais estava disposto a permitir sua entrada no vale do Cariri, sob qualquer pretexto, atitude que teria sido aprovado pelo próprio Taumaturgo. Tal proibição calara fundo na alma de Virgulino, a quem se atribui esta reação:

- Então não querem nem que eu veja mais o meu padrinho? Pois bem: eu nunca fui bandido, mas de agora em diante é que eu vou ser! - e arrasou o Rio Grande do Norte, para começo de conversa.

Quando chegou ao Juazeiro, em 26, já havia desaparecido a maioria dos grandes nomes do cangaço e do fanatismo dos primeiros tempos da cidade: os beatos da Cruz. Romualdo, Vicente, Ricardo, Elias e os valentes. Mané Coco, Zé Pedro, Mané Chiquinho, Antônio Calangro, Pedro pilé, Antônio Vaqueiro, Zé Pinheiro, Quintino e Canuto Reis...

Jagunços do deputado federal  Floro Bartolomeu

O Batalhão Patriótico do doutor Floro Bartolomeu teve sede em Campos Salles, uma cidade próxima. Sua missão, em primeiro, era defensiva. Trincheiras foram cavadas pelos soldados legalistas do caudilho baiano, na expectativa de um ataque da Coluna Prestes.

Chegando a Campos Salles, o rábula José Ferreira, portador da carta de Floro, encontrou o irmão de Virgulino João Ferreira, a quem fez entrega da missiva, receoso, talvez, de aventurar-se pelas brenhas do alto sertão pernambucano.

João Ferreira da Silva irmão do cangaceiro Lampião

João estava morando em Campos Salles. Passou, pois, a incumbência a outro portador que, sem perda de tempo, partiu em busca de Lampião. Esse portador era Francisco das Chagas, "tenente comandante da Terceira Companhia do Batalhão Patriótico", aquele mesmo Chagas que retornou dessa tarefa ao Cariri, na frente do bando, tangido como "isca" por Virgulino.

Não se sabe, até hoje, em que ponto do sertão o "tenente" Chagas encontrou Virgulino. Tudo indica que ele rondava nas proximidades do Cariri,, do lado pernambucano. Porque pouco depois do chamado do doutor Floro, às três horas da tarde do dia 3 de março, o bando irrompia em Macapá, hoje Jati, porta de entrada do sertão pernambucano para o Sul cearense. Ali se achava aquartelada uma volante da polícia do Ceará, sob o comando do tenente Veríssimo, recém-chegada de Jardim.

Lampião dormiu e permaneceu algumas horas nessa povoação. Em perfeita harmonia com o destacamento policial e o povo da terra. Comprou grande quantidade de cigarros, fósforos, perfume, bolachas e vinho na bodega de Moisés Bento, cujos estoques foram esgotados e pagos. Tomou algumas garrafas de cerveja e vinho com o tenente Veríssimo, o sargento Antônio Gouveia e outros homens da volante policial, na casa de uma velha, dona Generosa. Requisitou todas as galinhas dos quintais da rua para alimento do bando. Mandou o sanfoneiro do grupo tocar a Mulher Rendeira para divertir a população. De manhã, partiu para Barbalha, entregando antes ao tenente Veríssimo um revólver "Smith and Wess" lembrança que deixava ao capitão de polícia do Ceará, José Honorato dos Santos Carneiro, que se achava ausente. 

Na Barbalha, Virgulino conheceu, num encontro de rua, o médico Leão Sampaio, a quem fez presente de um rifle, homenagem sua ao dedicado oculista dos sertanejos. Hospedou-se no Hotel do Heliodoro,bonde recebeu a visita de gente destacada da terra, entre outros do advogado Duarte Júnior e do fiscal de rendas federais José Soares Gouveia, conhecido por Tio Juca, com os quais palestrou longamente.

Duarte Júnior perguntou-lhe, nessa oportunidade, qual o cangaceiro mais valente que conhecera:

Sebastião Pereira da Silva - Sinhô Pereira

- Sinhô Pereira - respondeu Virgulino, narrando-lhe, então, o combate das Pitombeiras. 

O cangaceiro Antonio Ferreira da Silva irmão de Lampião

No mesmo dia, ladeado por Antônio Ferreira e Sabino Gomes, o Capitão dava entrada na rua do Juazeiro, onde permaneceu três dias, de quinta a domingo.

O cangaceiro Sabino Gomes
Ele gostava de dizer:

- Depois do meu padrinho Cícero, neste mundo, só mesmo Lampião!

Fonte: Capitão Virgulino Ferreira: LAMPIÃO
Autor: Nertan Macêdo
Editora: Edições o Cruzeiro - Rio de Janeiro - 1970

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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