*Rangel Alves da Costa
Ainda hoje muito se conta sobre Jureminha, o cangaceiro que nunca existiu. Nunca existiu por acasos da vida, pois vivente naqueles sertões cangaceiros dos idos de 1920 em diante, quando os homens das caatingas já tomavam espaços pelos carrascais nordestinos. Ademais, vivendo numa região onde outra coisa não se falava senão da presença tanto do bando de Virgulino Ferreira, o Capitão Lampião, como das volantes, que eram as forças policiais nas suas investidas contra os cangaceiros.
A povoação onde Jureminha havia nascido era, por assim dizer, caminho de cangaceiros e volantes por excelência. Mata fechada por todos os lados, veredas quase impenetráveis, tufos de mato que davam para um bando inteiro se amoitar em repouso ou de tocaia para esperar inimigos. Além de ser um lugar onde qualquer cangaceiro era mais respeitado e querido que qualquer comandante de volante. Ante as atrocidades cometidas pela soldadesca, criava-se até ódio pela sua presença. Bastava a simples passagem da volante para algum mal ser cometido contra inocentes.
Já com a aproximação do bando cangaceiro era diferente. Ainda que muitos temessem perder a vida pela chegada daqueles homens surgidos do nada, assim num segundo, e por isso mesmo arribassem até de ceroulas pelas portas do mundo, a maioria até acolhia com agrados a Lampião e seus rebeldes matutos. Tanto assim que nenhum outro lugar deu tanto coiteiro ao bando como aquele em que vivia Jureminha. Mas coiteiro o cabra nunca quis ser, pois seu negócio mesmo era ser o mais valente do bando. Mas como, se Jureminha era o mais medroso de todos?
Mas pelo que dizia e espalhava aos quatro cantos, Jureminha tudo tinha para enveredar no cangaço, pois sempre se alardeando injustiçado, perseguido pelos poderosos, carregando nas costas a sina das desvalias. E também nascido numa povoação onde muitos de seus conhecidos já haviam partido rumo às lutas debaixo da lua e do sol. Mas como já dito, e a verdade seja repetida, um cabra medroso igual a Jureminha não levantava na mão sequer um estilingue ou uma baleadeira de acertar rabo de calango, muito menos um rifle ou qualquer arma potente.
O homem era tão medroso que bastava ouvir falar que o bando se aproximava que se metia debaixo da cama ou saía correndo pela mata adentro de bater o pé na bunda. Ainda assim se dizia valentão, o mais destemido dos sertanejos, e por isso mesmo nascido para não só ser cangaceiro como para tomar o lugar de Lampião quando este se cansasse da luta. E fazia planos e mais planos, de vez em quando até dizendo que ao se tornar líder do bando a primeira coisa a fazer era contratar uma cozinheira que soubesse fazer guisado de palma e de cabeça-de-frade.
O tempo foi passando e o futuro cangaceiro Jureminha nada de enveredar no cangaço. Quando o bando riscava por ali e sumia de vez, alguns imaginavam que daquela vez o amigo já havia se decidido. Mas não. Jureminha estava mesmo era escondido, tremendo feito vara verde, todo mijado na loca onde estivesse entocado. Depois aparecia dizendo que já havia acertado tudo, conversado com o próprio Lampião e que da próxima vez daria seu adeus ao lugar. Depois disso somente sua fama chegaria naqueles recantos.
Mas um dia, enquanto lorotava debaixo de pé de pau sobre suas estratégias logo que se tornasse cangaceiro, eis que Jureminha ouviu uma inesperada notícia: Lampião e parte de seu bando haviam morrido. Alentado por dentro, mas esbravejante por fora, o homem levantou a voz raivoso, parecendo que queria acabar com o mundo. E dizia: Mai num pode ser verdade. Noutro dia eu mermo dixe a Lampião que num fosse se acoitar no Angico. Avisei a ele que ali era perigoso demais pra cangaceirada se esconder. E agora, se for mermo verdade a nutiça, entonce só me resta me ajuntá aos que num morrero e vingá o capitão. E é o que eu vou fazê agorinha mermo”.
Depois disso sumiu durante três dias, mas não estava noutro lugar senão num terreno de seu sogro. Ao retornar, logo começou a espalhar que Corisco já havia aceitado ele, o próprio Jureminha, ser o líder dos vingadores, e por isso mesmo não tinha dia nem hora pra que o restante do bando aparecesse por ali para seguirem no encalço dos matadores. E dar o troco bem dado.
Desacreditado, mas não menos mentiroso, até muitos anos depois ainda lhe caçoavam perguntando: Cangaceiro Jureminha, cadê Corisco que nunca chega? E ele ainda respondia, com a maior seriedade do mundo: “Mataro tomem. Agora só resta eu pra vingar os dois. Só tô esperano uns armamento que encomendei”.
Um dia, quando bateu as botas, fizeram-lhe uma homenagem. Um chapéu cangaceiro foi colocado sobre o caixão. E no epitáfio que dizia: Aqui jaz Jureminha, o cangaceiro sem nunca ter sido.
Escritor
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