Seguidores

sábado, 2 de dezembro de 2017

MAIS MATERIAL DO PESQUISADOR DO CANGAÇO CHARLES GARRIDO


Prezados, saudações.

Deixemos a análise das imagens após à leitura, por gentileza.

Hoje, trago aos queridos leitores, um dos momentos mais marcantes de nossa pesquisa, quando conseguimos colher uma entrevista histórica com aquele que acompanhou todo o combate da Grota do Angico, do início ao final, incluindo as onze decapitações. No caso, o Sr. Durval Rosa, irmão do coiteiro Pedro de Cândido.

Ele não era muito dado à entrevistas, mas tínhamos um trunfo, Jairo Luiz (o guia), cujo qual, muito nos ajudou, era casado com uma sobrinha do nosso personagem, o que supostamente facilitaria nosso tento. Partimos do município alagoano de Piranhas, indo até à cidade sergipana de Poço Redondo, onde ele havia sido prefeito em alguns mandatos e, mesmo com seus oitenta e três anos (à época) ainda era um homem influente em sua região.

Para nossa "infelicidade", a tarde estava chuvosa e, ainda por cima, era o dia de um festejo religioso, o que supunha ser algo imperdível para um sertanejo envolvido com a política. Foi quando um de nossos colegas pesquisadores, falou:

- Está tudo perdido, ele não irá nos receber

Mesmo assim, decidimos seguir em frente. 

Paramos os carros na praça, enquanto Jairo Luiz seguiu até à porta e adentrou à residência.

Alguns minutos depois ele voltou, fazendo mais suspense do que um juiz de direito ao ler a sentença de um réu a ser condenado.

- Ele irá receber vocês, mas sejam breves, pois hoje está havendo festa na igreja.

O primeiro passo estava dado, ficamos tímidos, pois éramos oito, no total.

Entramos.

Ele e sua família receberam-nos da melhor maneira possível. Entretanto, percebíamos que não parava de olhar para a igreja, que era exatamente em frente à sua casa. Tudo estava contra nós, até mesmo os santos.

Começamos nossa conversa. 

Até então, não tratávamos sobre o tema cangaço, porém; surpreendentemente ele falou:

- Como eu já imagino o que vocês querem saber, podem começar.

As perguntas começaram a surgir, mas, nada de gravações, pois deixamos as câmeras dentro dos veículos, receosos que isso pudesse assustar o senhor em questão.

Depois de quinze ou vinte minutos de conversa, eu pensei:

- Meu Deus! O homem vai falar tudo e ninguém vai gravar nada.

Ninguém tinha coragem de pedir permissão a ele, pois diziam que nos últimos tempos, estava meio arredio. Até que em um certo momento, tomei a iniciativa e o solicitei:

- Sr. Durval, será que poderíamos gravar o seu depoimento?

- Pois não, meu filho (disse ele)

Meus amigos, quando ele falou isso, meu coração disparou, eu fiquei parecendo uma criança pequena, quando volta a energia depois de um "blackout".

Fomos correndo pegar os equipamentos para a gravação.

Relatemos agora alguns trechos da entrevista do Sr. Durval Rosa, sem nenhum tipo de interferência ou modificações.

Para uma melhor compreensão por parte de nossos confrades:

DR = Durval Rosa.

EQP = Equipe (pois as perguntas, foram feitas por todos nós, pesquisadores presentes).

Sigamos, senhores:

EQP - O senhor poderia esclarecer uma dúvida, qual o correto, Grota do Angico, ou Gruta de Anjicos ?

DR - o nome correto é Grota do Angico, eu nasci e me criei ali, sei até o local de todas as pedras que existem lá.

EQP - O nome do seu irmão, era Pedro de Cândido, ou Pedro de Cândida?

DR - Pedro de Cândido, pois era uma referência ao nosso pai, que se chamava Cândido.

EQP - O Angico, já era um coito antigo? O senhor era coiteiro?

DR - Eu nunca fui coiteiro, pois ainda era um menino. Já o meu irmão sim, pois era mais velho. E o Angico, já era frequentado pelo capitão, pois tinha muita água, e muita comida por perto, já que naquela época, tínhamos muita criação.

EQP - O senhor teve muitos encontros com Lampião?

DR - Tive. Inclusive, dois dias antes dele morrer, conversamos e perguntei o porquê dele continuar naquela vida de cão, ele respondeu que tinha que permanecer para vingar a morte do pai.

EQP - Seu irmão era um homem de confiança de Lampião?

DR - Sim, o capitão confiava muito nele.

EQP - O senhor poderia nos relatar o que aconteceu naquela noite do dia 27, para a madrugada do dia 28 de julho de 1938?

DR - A volante do tenente João Bezerra saiu de Piranhas, à noite, vindo em direção às nossas terras. Ele mandou dois soldados irem até a casa do meu irmão, que na ocasião disse que não iria, pois sua esposa estava grávida e poderia entrar em trabalho de parto a qualquer momento. Os soldados voltaram sem ele, e o oficial ficou bravo, mandando que eles voltassem de imediato, e o trouxessem a qualquer custo. Não teve jeito, ele teve que vir
Quando meu irmão chegou até à volante, João Bezerra perguntou:

- Pedro, cadê o homem? (Tenente João Bezerra).

- Sei não seu tenente (Pedro).

- Sabe sim. Só tem uma coisa a fazer contigo, ou você fala, ou morre. (Tenente João Bezerra).

- Sei não, senhor (Pedro).

- “Peraí...me dá um punhal pra eu sangrar essa peste aqui sem ter que atirar pra não espantar os bandidos. (Tenente João Bezerra).

- Calma, tenente, eu vou falar... o homem taí... ele e a cabroeira toda do bando. Estão lá na subida da serra. Mas quem pode dar mais informações ao senhor, é o meu irmão Durval, pois antes de ontem, ele foi lá e levou uma máquina de costura da minha mãe, para eles fazerem um “bornal” pra um sobrinho de Lampião, que havia entrado no bando há pouco tempo. (Pedro).

- Pois vamos agora até o seu irmão. (Tenente João Bezerra).

DR - Aí, já era madrugada, eu sem sono, mesmo porque, naquela época ninguém dormia, ainda mais sabendo que Lampião, estava no meu quintal. 

Quando dei por mim, ouvi Pedro bater na porta:

- Durval...Durval...Durval (Pedro).

Quando fui atender, pensei:

Vixe, Nossa Senhora!

Tinha uns quarenta soldados na calçada. 

Aí meu irmão disse:

- Durval, o que você souber diga, pois eu já estou aqui todo furado, e se a gente não falar, eles me matam. (Pedro).

DR – O meu irmão vinha andando e sendo espetado pelos soldados a pontas de punhais.
´
Aí eu desci a calçada, quando pisei no chão, o aspirante Chico Ferreira, totalmente embriagado me empurrou, eu caí, ele colocou a metralhadora na minha cabeça e disse:

- Coiteiro, cabra safado! (Chico Ferreira).

A minha sorte foi que o tenente estava sóbrio, tomou a frente e falou:

Compadre, tenha calma, eu preciso conversar com esse rapaz, ele irá trabalhar por nós.

- Durval, não minta, cadê Lampião? (Tenente João Bezerra).

- Sei não, tenente!

- Sabe sim, e diga logo senão eu mato você e seu irmão. (Tenente João Bezerra).

Aí, eu não tinha mais como negar:

- Tenente, os cangaceiros estão aqui perto. Mas eu não posso garantir ao senhor que eles ainda estejam no local. Pois o capitão pediu pra eu ir lá hoje por volta das cinco horas da manhã, pra devolver a máquina da minha mãe, e me pagar umas cabras que eles mataram pra comer.

- Pois ainda dá tempo. Vamos lá agora, e quando chegar no local, se abaixe, pois irá morrer muita gente. (Tenente João Bezerra).

DR - Seguimos subindo a serra, ninguém dava um pio, sempre com cuidado, pra não espantar os cangaceiros. Quando a gente estava se aproximando, ouvimos um barulho, aí eu pensei:

Valha-me nossa senhora, já estão acordados.

O tenente ouviu também, e me perguntou:

- O que foi isso? (Tenente João Bezerra).

- Tenente, cangaceiro não dorme.

Quando a gente foi chegando perto, eu parei e falei:

- Pronto, tenente, aqui ta bom ... (ora mais, eu queria era correr).

- Negativo, vamos continuar. (Tenente João Bezerra).

Aí, eu disse a mim mesmo: o pau quebra já, e vão nos matar. Mas não tinha o que fazer, a não ser, seguir as ordens da volante.

Eu já sabia que estávamos a poucos metros do local, foi quando João Bezerra parou a tropa e perguntou de novo:

- Durval, Lampião está aí mesmo? (Tenente João Bezerra).

- Está, tenente. Não só ele, mas também toda a tropa. E fique certo que o negócio aí vai ser duro.

O tenente dividiu os soldados, e deu as últimas instruções. Já eram umas quatro e meia da manhã... chuvinha fina... quando pensei que não... ouvi foi o estrondo:

“taaaaaaaaaaaaaa” (o primeiro tiro de fuzil).

Nunca vi tanta bala na minha vida. E eram uns xingado os outros:

- Macaco, traga sua mãe, seu filho da puta (vozes dos cangaceiros).

Nessa hora, eu vi Lampião sair da barraca, e levar um tiro à altura do pescoço, já caindo morto. Ele não deu um tiro sequer, e se duvidar, nem percebeu que morreu. Logo depois, notei que já havia uns sete ou oito corpos ao chão. Nesse momento, vi o tenente que estava do meu lado, colocar a mão na perna. Aí pensei: ele está baleado.

- O que foi tenente?

- Nada, apenas escorreguei aqui numa pedra. (Tenente).

Porém, vi o sangue jorrando e percebi que realmente ele havia sido atingido. Mas, como era o comandante, não poderia fraquejar, e assim esmorecer os soldados. Foi quando levantou-se e falou:

- Avança tropa... quero Lampião pegado à mão... quero Lampião pegado à mão. Não se dá um tiro perdido... não se dá um tiro perdido. (Tenente).

Aí eu vi o mundo se acabar. Mas, também não demorou muito, foi coisa rápida, mais ou menos de quinze a vinte minutos.

E já no finalzinho, eu ouvi o grito de Maria Bonita:

- Chega Luiz Pedro, acuda que mataram Lampião. (Maria Bonita).

Logo em seguida ela foi morta também. E só se ouviam os últimos tiros.
Começaram a cortar as cabeças a golpes de facão.

Até o momento havia dez mortos, já decapitados. As cabeças todas em fila, uma ao lado das outras. Jamais esquecerei aquela cena horrível.

Mas, um dos soldados percebeu que ainda havia um cangaceiro baleado, agonizando. Eu já sabia que o apelido dele era Elétrico, mas como não me perguntaram seu nome, fiquei calado.

O tenente foi até onde ele estava caído, e perguntou:

- Bandido, qual o seu nome? (Tenente).

- Pergunte à sua mãe, pois eu dormi com ela essa noite. (Elétrico).

- É rapaz, pena que você não presta mais, senão eu ia lhe levar, pois um homem valente assim, não se mata. (Tenente).

- Não mata o quê? Me deixe vivo... Me deixe vivo, que vou lhe buscar debaixo da sua cama, seu filho da puta. (Elétrico).

- Atirem nesse homem aí (Tenente).

O soldado atirou nele, e acabou de matar.

Quando o tenente deu as costas, os outros meteram a faca no homem já morto.

Aquilo me doeu, pois ele não era bicho.

O tenente viu, e ficou enfurecido com aquela cena, porém, não tinha mais jeito. 

Como os outros dez, já estavam decapitados, João Bezerra falou:

- Corta a cabeça dele também (Tenente).

Aí eu virei o rosto... não quis ver.

Quando acabou tudo, eu pensei numa maneira de fugir, pois sabia que eles podiam querer me matar, e já não estava mais vendo meu irmão, achava até que ele já estivesse morto também.

Foi quando o soldado Bida, que era meu primo, me chamou e disse:

- Durval, está na hora de você correr. Veja se consegue escapar de algum bandido que fugiu, pois todos aqui têm raiva de ti, e de seu irmão. Daqui a pouco, vai haver briga de soldado contra soldado, pra saber quem fica com o ouro e o dinheiro dos cangaceiros.

Quando eu percebi que ia começar a discussão pela disputa dos pertences... fui saindo... saindo... saindo... aí corri mesmo... como nunca havia corrido em toda na minha vida.

E escapei, graças a Deus!

Fim do depoimento.

Vamos analisar as fotografias:

1 - Durval e eu, na ocasião da entrevista, no dia 05 de fevereiro de 1999.


2 - Dia 02 de agosto de 1938, os irmãos Durval e Pedro (marcados por setas) levam curiosos ao local. Notem um corpo decapitado, já em estado putrefato ao chão.
Meus amigos, são muitos relatos.
Quanta alegria eu sinto em dividir com vocês, esses momentos marcantes.
Muito obrigado pelo carinho e respeito que tanto demonstram para com minhas modestas publicações.
Continuem valorizando o trabalho dos colegas pesquisadores, pois eles merecem todo o nosso reconhecimento.

Charles Garrido.
Pesquisador.
Fortaleza-CE.

Informação: Devido alguns problemas na Net não foi possível colocar a fonte publicada, por eu ter perdido antes da publicação, mas assim que eu consegui-la colocarei o grupo que foi postado este trabalho do Charles Garrido. Desculpa-me pesquisador Charles Garrido, não é a minha intenção deixar trabalhos sem fontes.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Nenhum comentário:

Postar um comentário