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terça-feira, 10 de abril de 2018

FEIRAS SERTANEJAS

Por Benedito Vasconcelos Mendes

No passado, existia no Sertão Semiárido dois tipos de feiras: as Feiras Regionais de Gado e as Feiras Semanais. As Feiras Regionais de Gado ocorriam em diversas cidades do Nordeste, como Feira de Santana-BA, Caruaru-PE, Campina Grande-PB, Caicó-RN, Currais Novos-RN, Icó-CE, Sobral-CE, Campo Maior-PI e em outras cidades.

As Feiras Semanais aconteciam em todas as cidades sertanejas. Estas feiras locais (Feiras Semanais), além de serem um espaço comercial eram também local de encontros e congraçamentos dos habitantes do campo com os das cidade. Os fazendeiros aproveitavam a ida à feira para rever familiares e amigos que moravam na cidade, ir ao médico, comprar óculos, encomendar ternos de linho na alfaiataria, fazer compras nas lojas de tecidos e nas de produtos industrializados, enquanto a população urbana ia à feira para se abastecer de gêneros alimentícios, vindos da área rural e para se encontrar com amigos e parentes que residiam nas fazendas e sítios.

Na década de 1950, a Feira Semanal da cidade de Sobral, no Estado do Ceará, ocorria em um terreno próximo ao Mercado Municipal. Em um poste de ferro (trilho de trem), no meio da feira, situava-se um serviço de alto falante, que anunciava recados, avisos, achados e perdidos e que retransmitia a programação da Rádio Iracema de Sobral, à época, a única emissora radiofônica existente na cidade.

A região se auto abastecia de alimentos, pois quase tudo era produzido nas fazendas regionais. Não havia estradas asfaltadas nem frota de caminhões capaz de trazer do Sudeste ou de outra Região Geográfica do País produtos alimentícios a preços competitivos, de modo que tudo que se consumia era fabricado na região. Muitos víveres e animais vivos eram trazidos das fazendas e sítios localizados nas redondezas de Sobral. Os animais eram tangidos das fazendas até a feira, pois, naquela época, não existiam caminhões adaptados para o transporte de animais.

Os animais vivos mais comercializados na feira eram bovinos, ovinos, caprinos, suínos, equinos, muares, asininos e aves. Os principais produtos transportados em lombos de burros e de jumentos pelos comboieiros, para serem comercializados na feira eram aves (galinhas caipiras, capotes, patos, perus e marrecas nativas) e os gêneros alimentícios produzidos nas fazendas, como farinha e goma de mandioca, rapadura, queijo de coalho, manteiga de garrafa, banha de porco, carne-seca, linguiça, ovos, peixes de água doce, tripa e toicinho de porco salgados, avoantes e outras caças salgadas, feijão-de-corda, milho, arroz vermelho, coco-da-praia seco, jerimum, melancia, milho verde e outros produtos.

Do litoral, vinha o sal e o peixe seco, especialmente o peixe Camurupim salgado. Da Serra da Meruoca chegavam farinha e goma de mandioca, rapadura, cachaça, castanha de caju, óleo de coco-babaçu, mel de abelha jandaira, mel de abelha mandaçaia, mel de engenho, colmos de cana-de-açucar para garapeiras e frutas (banana, manga, abacate, ata, mamão, ananá, laranja, lima, limão e outras).

Os artesãos armavam suas tendas para vender seus produtos, sendo as mais comuns: Tenda de Ferreiro, que vendia machados, foices, facões, facas de ponta, peixeiras, dobradiças, armadores de rede, alavancas, pés-de-bode, talhadeiras etc; Tenda de Flandreiro, com suas lamparinas de zinco, panelas, canecas de flandres e de zinco, ralos de lata (flandres), para ralar milho verde e muitos outros recipientes de zinco e de flandres; Tenda de Seleiro, que vendia selas, caronas, alforjes, cabrestos, peias, cabeções, sias para selas e cangalhas, esporas e estribos; Tenda de Louceira, onde se encontrava panelas de barro, fogareiros, potes, quartinhas, alguidares, penicos e muitos outros recipientes de barro; Tenda de Cesteiro, que oferecia cestos de cipó e artigos de palha de carnaúba (urus, surrões, bolsas, esteiras, abanos, urupemas) e outros; Tenda de Tarrafeiro, que vendia tarrafas e landuás de pescar; Tenda de Tamanqueiro, que comercializava tamancos de mulungu, com rosto de couro; Tenda de Gameleiro, onde se comprava gamelas, cochos, cuias, cuités e colheres de pau; Tenda de Sapateiro, onde eram comercializadas chinelas de rabicho e alpercatas; Tenda de Chapeleira, que oferecia chapéus de palha de carnaúba; Tenda do Cordel, que vendia folhetos de cordel; Tenda dos Carpinteiros, Marceneiros, Tanoeiros e Santeiros, que vendiam portas, janelas, bancos, cadeiras, mesas, cantareiras, ancoretas, pipas e tinas de pau-branco, cangalhas, imagens de santos, penteadeiras, guarda-louças e baús de imburana ou cumaru.

Os feirantes vindos da zona rural e de outras cidades compravam nas grandes lojas do Mercado Municipal, principalmente, tecidos, ferramentas, rádios, apetrechos de trabalho, implementos agrícolas, máquinas e metais, que serviam de matérias-primas para os artesãos e outros produtos. As lojas externas, que circundavam o mercado, eram quase todas de artigos populares, pois eram especializadas em produtos rústicos, destinados aos habitantes da zona rural, principalmente feirantes e tropeiros que vinham para a feira semanal, que ocorria das cinco horas da manhã às duas horas da tarde.

Eram lojas surtidas que vendiam de um tudo do ramo de sua especialidade. Por exemplo, as lojas de tecidos e aviamentos vendiam tecidos (algodãozinho, morim, chita, brim, mescla, cáqui e outros tecidos) e aviamentos (botões, linhas, cianinhas, bicos, elásticos, agulhas para costurar e bordar à mão, agulhas de máquina de costurar, bastidores de bordar, linhas de crochês, cordões de punho de rede e muitos outros produtos). As lojas de ferragens vendiam enxadas, pás, martelos, alicates, machados, picaretas, tesouras, serrotes, limas, grosas, enxós, cepilhos, puas, goivas, formões, chaves de fenda, foices, facas, facões e metais de uso geral, como pregos, parafusos, folhas de zinco, solda branca, dobradiças, fechaduras etc. As sapatarias comercializavam sapatos fechados, botas, sandálias e fanabôs, além de solas, vaquetas e camurças.

No decorrer do dia, os feirantes iam merendar na merendeira do Batoré. Invariavelmente, pediam caldo de cana com pão doce ou pastel de carne com refresco de murici, peroba ou de tamarindo. No Café São José, de propriedade do Tião Serrano, localizado vizinho à merendeira do Batoré, além de café era servido também cuscuz com ovos, sopa e caldo de carne e pão com bife. O almoço, geralmente, era no restaurante da Dona Raimunda, onde se comia panelada, buchada, sarapatel ou carne de bode com feijão-de-corda com toicinho, arroz e farinha de mandioca.

Os comerciantes que vinham de fora, de vez em quando, dirigiam-se à bodega do Chico Orelhudo, para tomar uma dose de cachaça no pé do balcão, com tira-gosto de cajá, caju ou de tripa de porco assada, com farinha de mandioca. A cachaça era acondicionada em quenga de coco-da-praia, com uma rolha de madeira, que ficava pendurada em um prego na prateleira. A medida que a cachaça do coco ia diminuindo, o bodegueiro ia completando o volume com cachaça retirada de um tonel de imburana, com o auxílio de um funil de zinco. Os copinhos de vidro de servir cachaça tinham o fundo grosso e ficavam com a boca para baixo, em um suporte de madeira fixado na parede.

Os comboieiros, que traziam seus produtos de sítios da Serra da Meruoca, usavam caçuás de couro cru sobre cangalhas. Geralmente, traziam farinha e goma de mandioca, rapadura, mel de engenho, óleo de coco-babaçu, doce de caju, castanha de caju e frutas (banana, manga, mamão, laranja, limão, caju, ata, abacaxi, graviola, goiaba e outras frutas tropicais). As frutas, as verduras e as meizinhas eram vendidas em bancas. As principais meizinhas comercializadas eram as raízes, cascas de tronco de plantas, folhas, frutos e sementes de vegetais, banhas de tejo, de cobra cascavel, de raposa, de traíra, de cágado, de jia, de galinha e sebo de carneiro capado.

A verdureira mais popular e a que tinha o maior número de fregueses era a Dona Matilde dos Coentros. A Tenda do Cordel era a mais animada da feira e seu proprietário era o João do Cordel, que vendia os folhetos dos poetas populares. Para chamar a atenção dos fregueses, ele recitava, em voz alta, versos de autoria do Cego Aderaldo e de outros cordelistas famosos.

Os sertanejos que traziam para vender na feira, aves, queijos de coalho, manteiga de garrafa, mel de abelha jandaira, peixes de água doce (curimatã, traíra, cangati, piau, piaba e cascudo) e muitos outros produtos. Eles voltavam com seus comboios de animais carregados com latas de querosene, tecidos, sal, ferramentas, moinho de ferro, arame farpado e outros materiais, comprados nas lojas do Mercado Municipal. Às duas horas da tarde, a feira já estava deserta, com as barracas desarmadas. A feira era usada também para abastecer as bodegas e ajudar a renovação de seus estoques. Era o local que os proprietários das fazendas e dos sítios da região tinham para vender seus produtos e para comprar os utensílios do lar, as máquinas, os implementos agrícolas, remédios e artigos de higiene.

Benedito Vasconcelos é professor, escritor, pesquisador do cangaço e membro de várias associações.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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