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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

COM 104 ANOS, ANDRELINO É O ÚNICO VOLANTE VIVO DA FORÇA PERNAMBUCANA


Material do acervo do pesquisador do cangaço José João Souza

Andrelino Pereira Filho, com 104 anos, é o único ex-volante vivo entre os policiais que integraram as tropas pernambucana no combate ao cangaço. 

Nascido em Cabrobó, Sertão pernambucano, em 18 de março de 1914. Tonou-se volante porque, sem emprego, o jeito foi entrar para a polícia. Mas quando entrou, não sabia que faria parte de uma tropa volante que entraria no Sertão em busca de cangaceiros. "Acabei lá. Quando convocaram, não pensei em nada, só que ia para o Sertão e fui calado".

Andrelino tem suas próprias memórias sobre uma época em que o combate ao cangaço transformou, para sempre, a polícia de Pernambuco.

Os soldados andavam em grupo de sete, mais um comandante, e a tropa de Andrelino ficou pelas bandas de Alagoas (era época de ditadura, a de Getúlio Vargas, então a polícia comandava onde fosse necessário). Foram dois anos "andando no mato, dormindo no mato, vivendo no mato" - "dentro da caatinga de 1936 a 1938". 

Diz a história que cangaceiro tinha um cheiro peculiar, uma mistura de perfume ou água de colônia com suor, que acabava ajudando no rastreamento, como conta André Carneiro em "Capitães do Fim do Mundo". "Mas não era uma certeza, era uma pista casual, acontecia. Só eles usavam, mas a gente, não. Se os encontrassem, bem; se não, seguíamos. Mas rezava para não encontrar", continua o ex-volante. Sem descanso, sem comida, sem água, as volantes seguiam nessa missão ingrata; "ingrata" porque o pagamento era também escasso. "Comida era quando encontrava. Farinha, rapadura, queijo de coalho, se tivesse. 

Água, só quando encontravam um poço. Sobre banho, nunca se falou.

As armas eram fuzil, e o volante carregava em média 50 balas que" pesavam como diabo". Nessa rotina dura, Andrelino diz que teve uma aliada: a calma. " Foi a primeira coisa que aprendi. A segunda foi a conviver; a terceira foi a não atender muita gente, não dar atenção. Se o camarada respondesse a muitas perguntas, passava o tempo todo. Eu preferia ficar em silêncio."

As tropas não tinham treinamento, mas orientações de como se defender, se encontrassem um bando. "Mas essa orientação era no momento. No tiroteio, se os tiros apertasse, eu seguia a ordem: me jogava no chão." Andrelino nunca ficou ferido (mas quase foi), nunca matou ninguém, nunca viu um de seus companheiros de tropa matando. " O pagamento, eu não sei nem dizer como era. Eu lembro que a gente recebia, que tinha um sargento que era o pagador, Almeida, trazia tudo separado.

Ele trazia o pacotinho de dinheiro. A gente chegava em uma bodega, fazia compras e o dinheiro desaparecia." Não tinha heroísmo, mas uma obrigação; não havia um intuito de fazer justiça, mas uma vontade de trabalhar para que o dia em que aquelas volantes terminassem chegasse logo.

Medo Andrelino sentia, mas não podia falar porque estavam todos do mesmo jeito. Alivio sentiu quando soube que a volante tinha terminado e ele seria deslocado para o Recife. 

"As roupas da volante eram de tecido grosso; no Recife, fizeram roupas sob medida. Mas as duas eram cáqui e eu não uso mais cáqui desde que saí da polícia em 1966".

Andrelino conheceu Lampião quando era menino. "Ele ia lá em casa, tomar café lá muitas vezes. Chamava minha mãe: " cumade, tem um cafezinho? Tomava e ia embora." Com seus 104 anos e sua memória reta, Andrelino defende uma tese diferente para morte de Lampião. Ele ri da oficial - que Virgulino foi morto em uma emboscada em 1938,em Angico, Sergipe.

Andrelino passeia os olhos pelas cabeças do bando de cangaceiros decapitados naquela manhã de 28 de julho de 1938, em busca de Lampião, que a história oficial conta ter sido morto naquele dia. Uma a uma, ele repassa as cabeças, calado, e não encontra a de Virgulino Ferreira da Silva. "Ele não está aí" , cochicha para um soldado responsável pela escolta, que devolve o olhar desconfiado.

"Lampião morreu em Minas Gerais, na fazenda São Francisco, em 1963, neste mês que estamos, de julho, mas eu não sei a data exata."

"Um amigo dele era amigo meu. Tinha trabalhado com ele. Eu estava em Pesqueira, quando ele passou e falou: 'sabe de onde eu venho? De Minas Gerais, do enterro de Lampião'. O que, homem? Lampião morreu? Era mês de setembro. Eu já sabia que ele estava na fazenda São Francisco. As coisas passam no meio do mundo e a gente sabe."

Fonte: Jornal Folha de Pernambuco
Data da publicação: 28 de julho de 2018

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