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terça-feira, 30 de outubro de 2018

CANGACEIROS DE POÇO REDONDO



A menina-moça que se encantou com o cabeludo e adornado moço das caatingas e a ele se prometeu para trilhar aqueles caminhos de incertezas e sofrimentos. A mocinha escolhida para ser levada ao mundo cangaceiro e pelas veredas seguindo sem imaginar as durezas do amanhã. O jovem indignado com as barbáries das volantes e resolvendo combater o mal à sombra de Lampião. O jovem sertanejo inconformado com as injustiças palmilhadas no seu mundo-sertão e abrindo a porteira da luta para o convívio ao lado daqueles que já não aceitavam o peso da canga. Um que vai pelo instinto da rebeldia. Outro que segue pelas influências recebidas de parentes ou amigos que já faziam parte do bando cangaceiro.

Tais situações, que poderiam ser muito mais acrescidas, dizem bem das motivações para que tantos jovens sertanejos de Poço Redondo, entre mocinhas (quase meninas em alguns casos) e rapazes, um dia tivessem decidido abdicar da vida comum sobre a terra do sol e enveredassem pelos caminhos das vinditas de sangue. Como dito, arroubos apaixonados de uma adolescência empobrecida, enraivecimentos e ódios pelas injustiças impostas de goela adentro, instintos de luta que só poderiam ser abrandados na luta, desejos inexplicáveis de convívio com o perigo e a incerteza da vida no instante seguinte. Contudo, uma motivação maior: o nome de Lampião e o mundo, que mesmo não sendo novo, possuía força de atração como imã apaixonante.

Por tudo isso, tantos e mais tantos filhos de Poço Redondo passaram a fazer parte das hostes cangaceiras. José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião, depois recebendo a alcunha de Cajazeira no bando de Lampião, não tinha necessidade alguma de sair de sua confortável vida e adentrar na luta entre espinhos e feras, e muito mais levar consigo sua jovem esposa Enedina. Ora, era filho de Julião do Nascimento e Dona Constância do Nascimento, um dos casais mais afortunados da povoação sertaneja de Poço Redondo. Dono de muitas fazendas e rebanhos, com dinheiro guardado em baú e debaixo do colchão. Então, por que o seu filho José resolveria deixar a família e seguir a vida cangaceira? Uma só resposta. Ou Zé de Julião se rebaixava na sua honra, aceitando os desmandos das forças volantes e as injustiças alastrando-se desde o seu lar familiar ao sertão inteiro, ou ele se indignava. E ele se rebelou.

O filho de Seu Julião e Dona Constância sentia-se de coração partido toda vez que as volantes chegavam a Poço Redondo e se danavam a praticar barbaridades, desde agressões físicas aos humildes conterrâneos a deslavadas extorsões. Como seu pai era rico, homem de muitas posses, então quase sempre era forçado a dar dinheiro àqueles que ali deveriam estar para protegê-lo contra possíveis ações cangaceiras, e não para receber ameaças em troca de vultosos valores. Mas era assim que acontecia. Não suportando mais tamanha injustiça daqueles que se apresentavam como forças governamentais para roubar, ferir e matar, então Zé de Julião foi buscar vingança ao lado daqueles outros vingadores das caatingas. E foi assim que, mesmo casado recentemente com sua Enedina, juntou-se ao bando de Virgulino Lampião.

O caso de Zé de Julião é apenas um exemplo das muitas motivações para que tantos filhos de Poço Redondo preferissem o cangaço a ter de suportar outros - e mais angustiantes - sofrimentos da porta pra dentro e da cancela pra fora de suas moradias sertanejas. Na maioria das vezes, aqueles meninotes e moços foram como que expulsos de seus berços e forçados à luta. Afora o encantamento das meninas-moças pelos artistas das matas, dos dourados, dos perfumes e das armas, a maioria dos poço-redondenses foi como que forçada a experimentar outro tipo de vida como menos injustiças e opressões, ainda que mais dolorosa. No bando, sob o comando de Lampião, imaginavam poder, enfim, dar o troco àqueles que os havia ferido na sua honra e dignidade de sertanejos.

Eis os nomes dos homens e das mulheres. Do próprio povoado: Sabiá (João Preto), filho de Zé Bié e Dona Antônia; Canário (Rocha), filho de Dona Virgem e Cante; Diferente (Nascimento), filho de Mané Grosso; Zabelê (Manoel Marques da Silva), filho de Antônio Marques da Silva e Maria Madalena de Santana; Delicado (João Mulatinho), irmão da cangaceira Adília; Demudado (Zé Neco), seu pai também se chamava Zé Neco; Coidado (Augusto), filho de Zé Brazinho; Cajazeira (José Francisco do Nascimento - Zé de Julião), filho de Julião do Nascimento e Dona Constância do Nascimento; Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro (Du, Gumercindo e Antônio), filhos de Paulo Braz São Mateus e irmãos de Sila; Elétrico, filho de Pedro Miguel; Lavandeira (filho de Virgem de Pemba); e Penedinho (Teodomiro), filho de Pedro Miguel e Dona Calu.

Da Fazenda Caibreiro, da Lagoa do Boi, do Baixão, da Guia e do Garrote: Bom de Vera (Luís Caibreiro) filho de Antônio Caibreiro. Da Fazenda Lagoa do Boi: Beija Flor (Alfredo Quirino), filho de Quirino da Lagoa do Boi. Do Baixão e da Serra da Guia: Moeda e Alecrim (João e Zé Rosa), dois irmãos que morreram na chacina de Angico, filhos de João Rosa; Sabonete e Borboleta (Manoel e João Rosa), mais dois irmãos, estes filhos de Antônio Rosa da Guia e primos de Moeda e Alecrim; Quina-Quina e Ponto Fino (Jonas e José da Guia), também irmãos, filhos de Pedro da Guia; Zumbi (Angelino), filho de Mané Roberto; Cravo Roxo (Serapião), filho de Mané Gregório; Cajarana (Francisco Inácio dos Santos, alcunhado Chico Inácio), filho de Inácio Vítor; Azulão (Luís Maurício da Silva); e Santa Cruz, da Fazenda Garrote, em Bonsucesso.

As mulheres: Sila (Ilda Ribeiro de Souza), companheira de Zé Sereno e irmã de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro; Adília, companheira de Canário e irmã de Delicado; Enedina, mulher de Cajazeira, a única do bando que era realmente casada; Dinda, companheira de Delicado; Rosinha, companheira de Mariano; Áurea, companheira de Mané Moreno, o da Bahia; e Adelaide, companheira de Criança, irmã de Rosinha e prima de Áurea.

Desse modo, 34 foi o número de filhos de Poço Redondo que se bandearam para as hostes cangaceiras, sendo 27 homens e 7 mulheres, e dizem que apenas um decidiu ser volante (Galdino, apelidado de Garrincha, a serviço do Sargento Deluz). Jovens, mocinhas e rapazinhos, que sequer imaginaram estar selando no cangaço a fatalidade nos seus destinos. Zé de Julião, por exemplo, perdeu sua Enedina na Chacina do Angico. Sabiá morreu num combate em Canhoba. Cravo Roxo pelas forças de Odilon Flor. Demudado morto com Zé Baiano em Alagadiço. Canário morto após Angico nos arredores de Poço Redondo. Mergulhão, Elétrico, Moeda e Alecrim, todos mortos na Chacina do Angico. Bom de Vera morto em combate na região de Pinhão, em Sergipe. Dentre as mulheres, Áurea foi morta pela volante de Odilon Flor. E Rosinha foi assassinada a mando de Lampião, por haver descumprido suas ordens.

Eis a saga. E uma história que ainda aflora, mas agora no amor e na paz, na imensa descendência que restou e ainda gesta, entre filhos, netos, bisnetos e tataranetos, num Poço Redondo de viva memória cangaceira.


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