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domingo, 18 de novembro de 2018

O CANGAÇO QUE DESCONHECEMOS


Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho

Se os chefes cangaceiros Antônio Silvino e Virgulino Ferreira da Silva (Lampião) tivessem vivido 100 anos antes, ou seja, nos meados do século XIX, durante o Segundo Império, quando a imprensa nacional, a grande divulgadora do banditismo protagonizado por estes dois personagens, ela, a imprensa, que naqueles idos, de uma forma geral, pouco ou quase nada se interessava ou se importava com os acontecimentos que ocorriam no interland do Brasil, a exemplo do sertão nordestino, penso que a contemporaneidade, a respeito da vida e da atuação criminosa de Silvino e Lampião, pouco saberia, e, por certo, estes dois bandoleiros não gozariam da fama que terminaram por conseguir, principalmente este último. 

Fico aqui a imaginar as desgraças e barbaridades ocorridas no rincão brasileiro nestes longínquos tempos, destes mais de 300 anos que nem imprensa tínhamos. 

O fato é que nestes 518 anos de história do Brasil, bandidos outros houveram antes de Silvino e Lampião, tão perversos e matadores quanto estes dois pernambucanos.

Leiam o voto proferido pelo deputado cearense, Sr. Albuquerque, na sessão da Câmara Federal, em 1843, repito, 1843, para discussão da aprovação ou não de uma resolução autorizando o governo a fazer as despesas necessárias para mandar vir da Itália missionários capuchinhos, para o trabalho nas missões indígenas; um voto que trago para amparar o que acima afirmo.

O Sr. ALBUQUERQUE: - Sr. Presidente, eu voto pelo artigo primeiro da resolução, porque não me parece que ele seja desnecessário, e porque muito simpatizo com a ideia, e nem posso descobrir, na matéria de que se trata, o epigrama que o nobre deputado por Santa Catarina considera que por esta resolução se fez ao clero brasileiro.

Reconheço, Sr. Presidente, a necessidade que há de que no interior do Brasil se espalhem esses missionários, esses soldados da milícia da igreja, e exerçam a sua sublime e santa profissão; porquanto não só os indígenas, esses infelizes selvagens, mas o geral da população, me parece que ao menos tanto quanto aqueles necessitam da exortação da igreja, da explicação de suas leis e da moral santa de Jesus Cristo, porque estou convencido de que somente a arma poderosa da palavra de Deus poderá contê-la e fazer arrepiar a carreira dos vícios e dos crimes a um sem número de indivíduos que parecem não conhecer outro Deus, outra religião senão as suas paixões, as suas inclinações e seus hábitos criminosos. Talvez que com esses tenham de ter mais trabalho os missionários do que com os índios selvagens.

Este talvez será o meio por que possamos chegar a ter o prazer de ver o país mais moralizado; será talvez por estes meios que possamos ver restaurado o respeito devido à religião (apoiados) e fazer com que a população adquira outra vez aquelas salutares ideias de escrúpulo que antigamente tinha de infringir as suas leis, e, por conseguinte, também as leis do Estado; pois indubitavelmente o hábito de observar e guardar aquela acostuma os homens a respeitar as leis da sociedade.

Senhor Presidente, é inegável que nos sertões reina um desabuso extraordinário; furta-se, rouba-se, mata-se quase sem receio algum; em muitos pontos o país está quase barbarizado; porque por uma parte a impunidade acoroçoa os perversos, e por outra a falta de princípios religiosos faz com que se não tenha pelo crime o horror que ele deve necessariamente inspirar aos corações bem formados; e não é do nosso clero atual que deveremos esperar a reforma dos costumes por meio da predica.

O clero do Brasil está tão reduzido, que mal há quem preencha os lugares de párocos e coadjutores, e por consequência menos poderemos ter quem se ocupe privativamente de propagar a fé, a doutrina e a moral cristã: os párocos têm obrigações especiais que os privam de aplicar-se exclusivamente a este ramo do seu ministério.

A experiência demais a mais nos convence da utilidade do estabelecimento das missões: os resultados obtidos pelas santas doutrinas e esforços destes missionários apostólicos são patentes na Bahia, Pernambuco, Maranhão e outras províncias, e me persuadem de que, empregando-se iguais meios nos outros pontos do império, colheremos iguais resultados.

Mas disse o meu nobre amigo e colega pelo Ceará que o artigo em discussão é desnecessário, por isso que o governo tem mandado vir e despendido a soma necessária com o transporte de missionários, sem que tenha necessitado autorização do corpo legislativo; e que tanto mais desnecessário é por se ter votado já nesta sessão a quantia de 6 contos de réis para catequese e civilização dos índios. Sr. Presidente, a quantia que se votou, além de insuficiente para todas as despesas do estabelecimento das missões no império, quanto a mim, não deve ter essa aplicação. Essa quantia, entendo eu, deve ser aplicada, e ainda assim me parece muito diminuta para civilização e colonização dos índios, pois estão convencido de que a catequese será sempre infrutífera se os missionários não forem habilitados a estabelecerem colônias dos mesmos índios, a reuni-los em pequenas povoações, e lhes proporcionarem meios de se darem à agricultura e outros ramos de indústria, de os aplicar enfim a qualquer gênero de trabalho. É necessário mesmo fazer certas despesas com os presentes que se costumam oferecer aos principais ou chefes das tribos indígenas, e não se cuide que se pode prescindir disso, porque a experiência tem mostrado que eles facilitam o comércio, digo a comunicação com os índios. Se o governo pois distrair essa quantia aplicando-a para as despesas do transporte dos missionários e sai manutenção e subsistência, enquanto pelo recurso à piedade dos fieis não adquirem os meios de sua parca subsistência, nada restará que se possa aplicar às despesas da colonização dos índios, e por consequência será sem dúvida infrutífera a missão por esse lado.

Parece-me pois ter demonstrado que o artigo em discussão não é desnecessário, por isso que já foram votados 6 contos de réis para catequese e civilização dos índios; resta-me dizer que se o governo tem feito despesas com o transporte de alguns missionários apostólicos sem expressa autorização do corpo legislativo, naturalmente terá empregado para isso alguma quota da quantia que se lhe tem consignado para despesas eventuais. E deveremos nós, senhores, entregar a uma tal contingencia o estabelecimento das missões, uma medida de utilidade tão vital para o país? Parece-me que não: creio que para uma medida desta ordem ou se devem aplicar fundos especiais, ou autorizar o governo a fazer a despesa necessária, pois que o governo nos dará conta; e que será quase indispensável deixar ao prudente arbítrio do governo calcular o número de missionários que for preciso para as diferentes províncias do império (apoiados). Não tenho receio de que o governo inunde o país de missionários; e quando mesmo isso fosso possível imaginar-se, seriam estes os colonos da maior utilidade; destes nenhum mal pode vir ao Brasil; pelo contrário, todo bem podemos esperar de se propagarem as doutrinas apostólicas pelo interior dos nossos sertões; colonos destes eu receberei sempre de braços abertos.

Na minha província mesmo, onde não há índios selvagens, onde o idioma indígena é até já absolutamente desconhecido por esses mesmos de pua raça indígena que existem: aí mesmo estou certo de que importantíssimos serviços farão os missionários; e é por igual convicção que à assembleia provincial na sessão do ano passado decretou certa soma para despesas de transporte de alguns missionários capuchinhos; tenho fé de que eles poderão obter por suas palavras o que se não tem conseguido por meio das autoridades armadas de todo rigor das leis; tenho uma lisonjeira esperança de que muita gente que hoje vive como errante, carregada do competente “cangaço” (permita-me a expressão, por ser própria e muito usada no sertão) dispa sua armadura, conheça seus erros, se arrependa, e, fazendo uma verdadeiro contrição, se tornem cidadãos úteis. Enfim, Sr. Presidente, eu tenho um tal entusiasmo por esta medida, que voto pelo artigo tal qual, e até votaria ainda por mais amplitude, se se lhe pudesse dar.

“Jornal do Comércio” (RJ) - 04.05.1843 

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