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domingo, 2 de dezembro de 2018

O BOTADOR DE ÁGUA DA FAZENDA ARACATI.

Benedito Vasconcelos Mendes 

Toda a água utilizada na casa grande (sede da Fazenda Aracati) vinha de uma cacimba cavada na areia do leito seco do Rio Aracatiaçu, que distava uns dois quilômetros da casa. Um lote de cinco jumentos graúdos e gordos da raça Pêga, três machos e duas fêmeas, cada um levando quatro ancoretas de paubranco, com capacidade para 25 litros cada, transportavam toda a água de beber e para o gasto (água para lavar louça, para banho, para dessedentar as aves domésticas (galinhas, perus, patos, capotes e marrecas) e para outras finalidades. 

Na cozinha ficavam duas cantareiras, uma com duas grandes jarras de boca larga e feitas de barro para guardar água para cozinhar e outra com dois pequenos potes de água de beber. No canto do banheiro, sobre um pequeno elevado de cimento, localizava-se uma grande jarra com capacidade para 4 latas (vasilhame de querosene de 18 litros) de água para banho. No fundo do alpendre, na lateral direita da casa, defronte à porta que dava para o quintal, situavam-se duas grandes jarras de água para abastecer os animais (aves, cachorros, gatos e as gaiolas dos passarinhos). Toda água que chegava da cacimba era coada em um pano de tecido de algodão (algodãozinho), com elástico. Cada pote tinha uma tampa de madeira, que era colocada sobre o pano de coar. A água para banho era retirada da jarra com o auxílio de uma cuité, a água para os animais, com uma cuia de cabaça grande e a água do pote de beber com uma caneca de zinco de borda dentada, para evitar que alguém bebesse diretamente na caneca. Sobre o pote, pendurado na parede, havia um porta copos, que mantinha as canecas de alumínio com a boca para baixo. Cada caneca tinha o nome da pessoa gravado, com a ponta de uma faca. No banheiro, o vaso sanitário não tinha descarga, sendo necessário despejar uma ou duas cuias grandes de água, para fazer a limpeza. A assepsia do ambiente era feita com creolina. 

O botador d’água era o Seu Galdêncio, irmão da mulher do vaqueiro Chicó, solteirão, que naquela época já aparentava uns 75 anos de idade e que toda vida morou na casa da irmã. Ele era muito vagaroso e seu único trabalho era abastecer a casa com lenha e água. Ele tangia os animais com as ancoretas vazias até a cacimba e lá, com o auxílio de um grande funil de zinco e uma cuia, enchia as ancoretas com água da cacimba e voltava para a casa do meu avô. Os jumentos eram muito mansos e afeitos a este tipo de trabalho. Cada animal carregava uma sinetinha de bronze no pescoço. Os jumentos eram milhados em mochilas de couro curtido de boi. O Seu Galdêncio usava um relho (chicote) de tanger burro, mas não batia nos animais, pois estes obedeciam o comando de voz e o estalo do chicote no chão. 

Seu trabalho de cortar e transportar a lenha era realizado uma vez por semana. Ele cortava a lenha no mato e depois ia buscar nos animais, com cambitos sobre a cangalha. Ele mantinha a foice e o machado bem amolados, pois ele os afiava em uma grande pedra de amolar, existente na sombra de um Juazeiro, no terreiro da casa. 

As roupas da casa de meus avós, roupa de vestir (calças, camisas, cuecas, lenços, pijamas, vestidos, anáguas, combinações, calcinhas, sutiãs e camisolas) e os panos de cama, mesa e banho (lençóis, redes, colchas de cama, toalhas de banho, toalhas de mesa, panos de prato e outros), eram lavadas com sabão preto (sabão da terra), sobre uma pedra no Rio Aracatiaçu. Depois de lavadas, as peças de roupa eram colocadas para corar no sol, estendidas sobre a areia do rio. Para levar e trazer as trouxas de roupa, da casa para o rio e vice-versa, a lavadeira, que era a irmã do botador d’água, usava os animais com as ancoretas que iam pegar água na cacimba, no leito do rio. As trouxas de roupa eram colocadas sobre as ancoretas. Dona Ritinha, quando ia bater (lavar) roupa no rio, levava para merendar um naco de queijo de coalho, um pedaço de rapadura e uma cabaça de água para beber. 

 Seu Galdêncio cuidava muito bem dos animais, tanto ofertando bons alimentos e boa água como evitando pisaduras (ferimentos) que pudessem ser provocados pela cangalha. A cangalha era colocada sobre uma esteira espessa de surrão de palha de carnaúba, cheia de junco (ciperácea que cresce nas lagoas). Nos cabeçotes da cangalha colocava-se dois ferros, um em cada cabeçote, para receber as aselhas das ancoretas. Cada jumento atendia por um nome e entendia o linguajar do Seu Galdêncio, principalmente o sinal auditivo para parar “aííí” e o estalo do chicote no chão, mandando iniciar a caminhada.


Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço Benedito Vasconcelos Mendes

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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