José Bezerra
Lima Irmão autor de
“Lampião a Raposa das Caatingas”.
Escritores José Bezerra Lima Irmão e João de Sousa Lima
A cada dia,
amadurece a consciência do povo nordestino sobre a importância de valorizar a
sua história e a sua cultura.
Mais um passo
nesse sentido está sendo dado pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), que
acaba de lançar a série de “lives” Grandes Personalidades do Nordeste, compreendendo
um conjunto de sete biografias de figuras do porte de Padre Cícero, Zumbi dos
Palmares e Nísia Floresta. A primeira edição foi sobre Lampião, e o palestrante
foi o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello.
Escritor e pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello
Para julgar
quem foi Lampião, é preciso situá-lo nas circunstâncias do seu tempo e no meio em que
ele viveu. Costumo dizer que não se pode analisar o passado com os olhos do presente.
Lampião não
foi nem herói, nem bandido. Foi um homem do seu tempo – uma época em que o
sertão era dominado por chefes políticos e fazendeiros que se impunham em seus
territórios com o apoio de jagunços. Quanto mais jagunços, mais respeitado era
o ilustre
cidadão que fazia questão de ser chamado de coronel.
Hoje, pessoas
bem situadas na vida, que já nasceram no conforto da “civilização”, costumam
referir-se aos cangaceiros como homens “fora da lei”. Mas, como fora da lei?
Onde estava a
lei? Lei só havia – se é que havia – nas grandes cidades, onde imperava todo tipo de
patifaria. Nos sertões ermos, nas caatingas bravias, sem estradas, sem escolas,
assoladas pelas secas e pela fome, só havia duas profissões: ser cangaceiro ou ser soldado
para ir atrás de cangaceiro. Aliás, não havia soldados – havia “contratados” ou
“cachimbos”, homens rudes, analfabetos, valentões, muitos deles criminosos, que
o governo
arregimentava “para manter a ordem”.
Ocorre que esses homens eram chefiados por
um deles, igualmente rude e geralmente analfabeto. Os contratos eram “de boca”. E não
havia delegados de carreira: os delegados eram “homens de confiança” do chefe
político. Nas questões, tinha razão quem fosse amigo do chefe político, mesmo que estivesse
errado. Quem estava com o “partido de cima” (no poder), não pagava impostos e
podia fazer e acontecer, pois tinha a proteção das autoridades. Mas quem estava “por
baixo” tinha de pagar imposto em dobro, e mesmo quando era vítima de alguma ofensa
não tinha a quem recorrer, só a Deus.
O Cabeleira
Cangaceiros
como Cabeleira e Antônio Silvino e valentões como Adolfo Meia Noite e Cassimiro
Honório foram homens que se revoltaram com aquela situação de descaso e abandono, e já
que não havia lei nem governo, decidiram impor a sua autoridade no sertão. O
código do sertanejo levava a sério as “questões de honra”. Matar por vingança não era crime.
O indivíduo que sofresse uma afronta e se vingasse “não era homem”. A mulher e os
próprios filhos se envergonhavam dele.
O cangaceiro Antonio Silvino conversando com o presidente Getúlio Vargas
O Nordeste na
virada do século XIX para o século XX era o mundo dos coronéis, dos jagunços, dos
cangaceiros, dos beatos milagreiros, das secas e das epidemias. Como não havia lei nem
autoridade, as questões políticas, as questões pela posse da terra e as questões de
honra eram resolvidas pelo ronco do bacamarte. Todo homem no sertão tinha uma
arma. O sertanejo ia para a roça com uma enxada num ombro e a espingarda no outro.
O cangaceiro Quinta-Feira já morto à esquerda.
Houve
cangaceiros que eram homens ruins por índole. Outros entraram no cangaço devido às
circunstâncias. O cangaceiro Quinta-Feira, que morreu em Angico, era um homem honrado,
ex-vaqueiro da família Malta, de Alagoas. Tornou-se cangaceiro por razões que
levariam qualquer homem de vergonha a também fazer o mesmo. É só ler a história dele.
O cangaceiro Luiz Pedro
O mesmo aconteceu com Luís Pedro. Ezequiel, irmão de Lampião, talvez nunca tenha
atirado em ninguém. O apelido dele era “Ponto Fino”, mas não porque tivesse boa
pontaria, mas porque quando se juntou ao irmão tinha morrido um cabra chamado Ponto
Fino (que morreu queimado no povoado Capim, atual cidade de Olivença, em
Alagoas), e Ezequiel herdou o apelido.
Lampião e seu irmão Ezequiel Ferreira
Lampião era
violento, como a polícia também era violenta – ocorre que a polícia matava,
torturava e estuprava, mas agia “em nome da lei”, muitos soldados eram bandidos de
farda. Evidentemente, houve policiais íntegros, como, por exemplo, Higino José
Belarmino, Domingos Dultra, Manoel Campos de Menezes, Liberato de Carvalho, Aníbal Vicente
Ferreira. Agora, houve chefes de volantes como José Lucena em Alagoas e
Douradinho na Bahia, diante dos quais Lampião foi um anjinho.
Capitão Aníbal Vicente Ferreira
Naquele mundo
primitivo, em que o poder público se omitia em face do sofrimento do sertanejo
pobre, desassistido de tudo, entregue à própria sorte, espoliado pelo latifundiário,
que sugava as suas forças, conspurcava sua família, sua mulher, suas filhas, sem
ter o pobre a quem se queixar, Lampião era visto pelos “coiteiros” como um homem que
fazia o que todos gostariam de fazer, mas não tinham coragem.
Zé Lucena responsável pela morte de José Ferreira da Silva (dos Santos) pai dos Ferreiras
Lampião não
maltratava os pobres. Pelo contrário, pagava em dobro e em triplo o que consumia, uma
galinha, uma vaca, ou um bode que abatia. Quem se via em aperreios eram os
grandes proprietários, homens arrogantes, intocáveis, que se consideravam donos do
mundo, que matavam e mandavam matar. O sertanejo pobre, que vivia explorado
pelos grandes fazendeiros, admirava Lampião porque ele, um filho de almocreve, um
zé-ninguém, era capaz de fazer os poderosos coronéis baixar a crista, submetendo-se
aos seus caprichos. Acusam Lampião de se aliar aos coronéis. Lampião não se aliava
aos coronéis. Ele os humilhava. Seus acordos com os coronéis tinham cláusulas
unilaterais, que ele ditava e revogava quando e como queria. Os todo-poderosos do
sertão tinham de atender aos seus bilhetinhos se não quisessem ver suas fazendas virar
cinzas.
Não é possível
mudar a história. O que aconteceu aconteceu. Precisamos assumir os fatos e
fenômenos que fazem parte da nossa história, sem juízos de valor contaminados de hipocrisia.
Enviado por José Bezerra Lima Irmão autor do livro "Lampião a Raposa das Caatingas".
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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