Por: José Cícero ( * )
Famosas não
apenas pelos minérios que até hoje se escondem no seu subsolo e protegidas por
um serrote íngreme e belo rodeado de caatinga densa, as minas do Coxá de Aurora
ao que parece, ainda constituem um grande mistério. Um enigma atemporal como um
constante acerto de contas do passado com o presente em nome das utopias do
futuro.
Uma verdadeira
saga sertaneja que por mais de um século de história tem alimentado de causos e
contos fantásticos as vastas narrativas da crônica caririense e nordestina.
Assim como de aventuras e sonhos de riquezas, a imaginação de todos quantos de
algum modo são tocados pelos encantos do seu rico chão. Como se ver, uma página
das mais palpitantes da nossa história regional, cuja escrita ainda não se
concluiu no seu todo.
No passado
pertenceram ao padre Cícero Romão que as adquiriu, segundo dizem, por compra
junto aos sitiantes do lugar, provavelmente antes de 1903. Entretanto, a sua
posse legal constitui-se por anos a fio como um dos mais ferrenhos litígios
daquela época fazendo com que sua demarcação definitiva se desse pela força das
armas e à revelia da lei.
Há quem diga,
inclusive, que só pela imposição do bacamarte de Floro Bartolomeu e seus
jagunços. Durante a polêmica demarcação de 1908 a questão não apenas se
resolveu no papel, mas igualmente, as terras da mina, como do seu entorno
haviam ‘dado cria como reses’ no dizer do povo do sertão. Sua área total era em
torno de 3.410 hectares englobando os sítios: Coxá, Contendas,
Escondidos(Izaíras), Taveira e Bandeira, estando localizada entre os municípios
de Aurora e Milagres.
Ademais, por
um desses caprichos do destino o momento da demarcação ocorreu simultâneo a
outro episódio dramático da história de Aurora e quiçá do próprio Cariri, - o
famoso “Fogo do Taveira” - ambiente contíguo ao Coxá que por força de Marica
Macedo culminou com a deposição do então intendente municipal - Antonio Leite
Teixeira Neto (Totonho de Monte Alegre). Além do que se sucedeu, isto é, a
célebre invasão e saque da cidade por mais de seiscentos jagunços sob o comando
direto de Zé Inácio do Barro, a mando de vários coronéis e outros potentados do
Cariri.
Porém, entre
coincidência, trama e oportunismo, a verdade dos fatos há de ficar, decerto,
com as duas últimas opções; por uma questão muito simples. Quer seja: não
existe coincidência para à história. A menos que esta venha a ser transformada
por capricho dos poderosos numa farsa, quase sempre à serviço dos vencedores.
Isso porque, nenhuma mentira histórica até hoje permaneceu incólume ou se
sustentou indefinidamente ao teste inexorável dos anos.
Cumpre ainda
ressaltar que, (coincidência ou não), com a deposição de Teixeira Neto pelas
armas, incontinenti colocaram em seu lugar o coronel Cândido do Pavão –
compadre, amigo e rendeiro do padre Cícero, o responsável em Aurora pelas
imensas terras do Pavão - farta propriedade do sacerdote, que se estendiam por
cerca de três léguas de cada lado do rio Salgado. Ato contínuo, um dos mais
produtivos celeiros agrícolas destes rincões.
Diga-se de
passagem, ainda, que a demarcação das minas do Coxá, foi por assim dizer, o
grande palco de estréia através do qual o Dr. Floro Bartolomeu da Costa
apareceu pela primeira vez no cenário político do Cariri, pelo menos com o seu
incontestável naipe de liderança.
E pelo jeito
gostou, seguiu e não desceu jamais.
“A mina do
Coxá, podia não conter nenhum cobre, mas fez a fortuna política de Floro
Bartolomeu”, assim escreveu Rui Facó na sua obra seminal ‘Cangaceiros e
Fanáticos’, por sinal, um dos livros mais emblemáticos e importantes da
literatura Nordestina. Diria que leitura obrigatória para quem almeja
compreender os sertões e o Nordeste em suas complexidades políticas e sociais.
Cerca de 13 km
separam a sede de Aurora das velhas jazidas do Coxá que, por sinal encontram-se
ligadas geograficamente, ao Sul com os sítio Antas e o não menos famoso serrote
do Diamante, que passou à história como um dos lugares escolhidos por Lampião e
seu bando para se esconder e descansar quando das vezes que estiveram no
território de Aurora. Todos acoitados e na segurança do coronel Izaías Arruda,
Zé Cardoso e Miguel Saraiva. Trata-se do primeiro acampamento antes dos
cangaceiros chegarem à fazenda Ipueiras onde se deu toda a trama com vistas à
invasão de Mossoró em 1927.
Sem esquecer
que daquele riacho, ou seja, do sítio Antas pelo menos quatro
cangaceiros/jagunços compuseram o temível bando de Massilon e em seguida, o de
Lampião quando da malograda invasão à cidade norte-rio-grandense. A saber: Zé
Cocô, José de Lúcio, Antonio Soares e Zé de Roque.
Naquele tempo,
tais minas foram denominadas de “Jazida cuprífera Zaíra” numa referência à
filha do engenheiro de minas francês, o conde Adolfo Van de Brule(amigo de
Floro conhecido na Bahia por volta de 1905) que pela primeira vez ventilou com
a possibilidade de haver ouro, cobre e outros minérios naquelas terras
distantes de tudo, quase inóspitas do Coxá da Aurora.
E que aliás,
fez o velho taumaturgo do Juazeiro acreditar piamente nesta possibilidade. Para
tanto, sob a ótica analista do conde Adolfo gastou uma soma significativa na
ânsia de ver tal projeto de exploração em pleno curso. Uma investida inglória,
como se percebeu ao longo dos anos.Contudo não desistira.
Até que em
1910 quando tudo parecia caminhar para este propósito, um poderoso sindicato
francês do ramo de mineração sob os apelos de De Brule enviara por fim um
comissão de especialistas. Estava decidido a assumir os negócios das minas do
Coxá. O velho padre ficara exultante pelo acontecimento. Parte do pessoal
francês já se encontrava na cidade de Milagres nos rumos do serrote quando o
pior aconteceu. O chefe do projeto Dr. Frochot acometido de febre amarela
terminou falecendo subitamente no Recife onde estava hospedado antes de vir à
Aurora.
Uma desgraça.
A empreitada se desfez, mesmo antes de começar. Desiludido o padre empreendeu
esforços desde então, no sentido de vender o quanto antes o Coxá. Mas foram em
vão. Não encontrou nenhum comprador mesmo escrevendo longas missivas de
apresentação, até mesmo à exploradores do exterior.
Estava deveras
predestinado a morrer com as suas minas.
Como uma
maldição, desde o desenlace do decano sacerdote muitas outras disputadas ainda
haveriam de se suceder sobre aquelas terras. A paz do Coxá ainda estaria
distante, assim como sua completa exploração mineral. As disputas seguiram a
partir dos próprios inventariantes, até se chegar a grande peleja(anos depois)
entre os Fernandes e os Macambiras que disputavam a posse das furnas na mesma
ribeira.
De sorte que
ainda hoje, a situação relacionada às minas do Coxá não se encontra
completamente bem resolvida. Fragmentada em várias porções de terras e sítios,
as antigas minas do Coxá ainda se mantêm tanto nebulosas quanto indefinidas em
seus desdobramentos futuros e também atuais.
Rocha
encontrada na jazida do Coxá
De maneira tal
que, ainda conseguem mexer com os ânimos e a imaginação, não somente dos que se
debruçam a estudar sua história, mas inclusive dos que ainda alimentam o antigo
sonho de extrair para si todas as riquezas que aquele serrote encerra.
Muito se fala.
Pouco se sabe. Nada se faz de concreto.
Volta e meia,
no entanto, homens e máquinas da tal CPRM* são vistos rasgando o serrote, em
explosões, perfurações e outras ações inusitadas que no mais das vezes não se
combinam com a antiga tranquilidade sonora da bela serra. Deixando, ao
contrário do passado, um longo rastro de destruição na mata virgem.
Infelizmente num dos últimos pedaços do bioma sertanejo, onde a caatinga com
sua flora e fauna ainda se encontra relativamente preservada. Algo difícil de
se presenciar nos dias atuais em toda a região.
E ninguém sabe
nada. Nada se ver, nada se diz, nada se pergunta. Tudo é segredo. Um clássico
top secret que se instalou nos sertões destes grotões caririenses.
Tudo é
silêncio. Tudo é mistério. Como de mistério é a própria história... E de
silêncio e solidão tudo o mais que se relaciona e diz respeito à serra do Coxá
em seu itinerário bucólico do mais puro realismo fantástico.
Quem sabe por
isso, devotos de “padim Ciço” residentes nos sítios circunvizinhos ao serrote,
num esforço conjunto acabam de colocar uma estátua do padre no cume mais alto
da serra. Num local de difícil acesso em face dos enormes blocos de pedras e o
emaranhado da mata fechada e espinhenta.
Do cume do
serrote é possível enxergar toda a região, numa visão privilegiada, em um raio
de 360 graus. Uma visão das mais belas e estonteantes do Cariri. Como se
estivéssemos todos a estender as mãos e o olhar sobre Aurora e o próprio vale
lá embaixo ao lado do velho padre.
Um pouco mais
abaixo da estátua já edificada os moradores estão a construir uma capelinha
também em sua homenagem. Quem sabe, uma esperança baseada no 'eterno retorno'.
Como se todos, num sentimento uníssono e coletivo compartilhassem da ideia de
devolvê-lo o quanto antes as suas terras de antigamente.
Portanto, como se percebe, o esquecimento não caberá jamais na rica história das minas do Coxá. Uma história que de tão rica, arrebatadora e instigante, desde muito se confunde com a própria história do Cariri.
Prof. José
Cícero
Pesquisador do
Cangaço.
Aurora - CE.
FONTE: [http://blogdaaurorajc.blogspot.com.br/.../aurora-padre...](http://blogdaaurorajc.blogspot.com.br/.../aurora-padre...
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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