Seguidores

sábado, 26 de novembro de 2011

Entrevista com Frei Fernando Rossi: os Franciscanos no Nordeste

Frei Fernando Rossi

A presença da ordem franciscana no Nordeste brasileiro data de 1641, com a vinda dos frades “capuchinhos”, de origem francesa, Frei Claude d Abbeville e Frei Ivo d Evreux, no porão de um navio carregado de escravos procedentes da Guiné Francesa.
Naquela época, Pernambuco estava sob o domínio holandês, sendo Governador da colônia o Conde João Maurício de Nassau-Siegen, que mandou alojar, separadamente, os frades, nos Conventos de São Bento, de São Francisco e do Carmo, em Olinda.
Os “capuchinhos” franceses apoiaram os portugueses contra os holandeses e, como recompensa, o General-governador Francisco Barreto doou à ordem religiosa uma casa de sobrado, no bairro de Santo Antônio, em 1655, para que fossem construídas a Igreja de Nossa Senhora da Penha e um hospício, em Recife.
Os primeiros “capuchinhos”, de origem italiana, a se estabelecerem no Recife foi no ano de 1705. Os frades italianos fizeram longas viagens em “missões” por todo o nordeste. Vieram, entre outros: Frei Serafim de Catânia, que pregou no Piauí entre 1874 e 1886 e construiu a Igreja de São Benedito; e Frei Cassiano de Comacchio, que pregou no Ceará assistindo aos fragelados da  seca, em 1888, tendo construído a matriz de Itapipoca, o açude das nações e reformou o Santuário de São Francisco de Canidé, no ano de 1889.
A chegada de Frei Damião (Pio Giannotti, nascido em Bozzano, Itália) ao Brasil, aos 33 anos, aportando no Recife e estabelecendo-se no Convento da Penha, em 17 de maio de 1931, deu início uma nova “missão” franciscana no nordeste, já que os frades “napolitanos” (vindo de Nápoles, Itália), viviam nos conventos ou nas Igrejas, distantes do povo humilde do interior do sertão.
Frei Damião, depois de três meses em Recife, mesmo sem falar corretamente o idioma português, iniciou o seu incansável trabalho missionário, peregrinando pelos estados. Foram 66 anos de “Santas Missões”, realizadas em quase todas as cidades nordestinas. Na companhia de Frei Fernando Rossi, seu companheiro de jornada por 50 anos, Frei Damião realizou pregações, matrimônios, confissões, batismos e crismas, com autorização de Bispos.
Eis abaixo a entrevista de Frei Fernando Rossi concedida ao jornal “A Tribuna do Sertão”:
Tribuna do Sertão: Como se deu sua ida para o Convento Franciscano?
Frei Fernando: Eu estava com 8 anos de idade. Na minha cidade [Massa-Carrara] tinha um Convento dos “Capuchinhos”, onde morava Frei Damião. Eu era “coroinha” do convento. Todos os dias eu ia ajudar na missa. Frei Damião muito calado, fechado, falava comigo e eu não gostava dele, porque todo menino gosta de padre alegre. Eu me escondia dele, na sacristia, para não ajudar na missa. Quando eu chegava em casa minha mãe me repreendia, dizendo: “Você não ajudou na missa de Frei Damião?”. Ela me castigava e me mandava para a escola, sem tomar café. E dizia: “Amanhã, se você não ajudar Frei Damião na missa, você vai se ver comigo”. [...] Certa vez, eu fui com Frei Damião para o cemitério, aonde ele ia celebrar uma missa. No caminho, ele me perguntou: “Você quer ser frade?” E eu respondi: “Quero não!” E ele indagou: “Por que você não quer ser frade? O que você quer ser, quando crescer? Eu lhe respondi: “Quero ser engenheiro, como meu avô !” Tudo isso ele me contou aqui no Brasil. [...] Em julho de 1929, quando eu tinha 11 anos, fui com minha família para a praia, distante quatro quilômetros. Certo momento, eu estava sozinho numa parte da praia e vi Santo Antônio na minha frente, olhando para mim, bonito, com aquela coroa de frade e um menino no colo. Fiquei extasiado, olhando para ele. E ele desapareceu. Depois, então, desejei ser como ele. Contei para minha mãe, para minha avó. Minha avó, disse: “Eu preferia que você fosse padre, porque tem mais dinheiro, tem uma paróquia, e pode sustentar os pais”. E eu lhe disse: “Quero ser frade, quero ser frade”. Voltei ao convento e contei para Frei Constantino e para Frei Damião: “Quero ser frade !” Frei Damião, rindo, revelou: “Você disse que não queria ser frade”. [...] Minha mãe me levou para o seminário em 14 de outubro de 1929. E eu só voltei para a minha cidade em 1942, quando já era sacerdote para “cantar” a primeira missa, porque no seminário não havia férias. [...] A minha vocação se deve a minha visão de Santo Antônio, na praia. [...] Eu acho que fui um predestinado para ser frade.
CONTINUA…
Tribuna do Sertão: Por que o Senhor se considera um predestinado?
Frei Fernando: Aos dois anos de idade, eu tive a difteria [doença contagiosa, toxi-infecciosa, transmissível, causada por bactéria que se aloja nas amídalas, na faringe, na laringe, no nariz, em outras mucosas e na pele]. Fiquei entre a vida e morte, por vinte e um dias. No hospital, o médico disse para a minha mãe: “a criança não chega às 11 horas. Não me procure, porque eu vou para o teatro”. Fiquei todo roxo, o coração havia parado. A freira disse para minha mãe: “Dona Ana, seu filho está morto”. Minha mãe abriu a porta, e no corredor viu a imagem de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. Ela se ajoelhou e disse: “Virgem Santíssima, salve meu filho!”. E chorou. [...] Quando ela voltou ao quarto, meus olhos estavam abertos. Passei bem à noite. [...] Naquele tempo toda criança morria. De mil crianças, escapava uma! Tem um grande poeta da Itália, chamado Giosue Carducci [1835-1907], que escreveu uma poesia – A MORTE – retratando a difteria. Uma doença terrível. [...] Pela manhã, chegou o médico e deu logo um grito: “Morreu!” Mas, após me examinar, disse: “Está fora de perigo”. Minha mãe lhe contou que havia “falado” com Nossa Senhora. Ele jogou o chapéu no chão e exclamou: “Não fale em Deus, não fale em Nossa Senhora, porque eu não creio em nada”. Ele era ateu. Isso aconteceu em 1920. [...] Em 1947, já aqui no Brasil, depois que eu contei tudo isso a Frei Damião, ele comentou: “Você estava predestinado a me acompanhar nas Santas Missões, porque para Deus tudo é presente, nada é futuro”.
Tribuna do Sertão: Como ocorreu seu reencontro com Frei Damião?
Frei Fernando: Quando cheguei ao Brasil, em 1946, éramos cinco frades italianos. Três foram escolhidos para “confessores” em Maceió: Frei Bernardino, Frei Crispim e Frei Gerônimo. E dois ficaram no Convento da Penha, no Recife, como missionários pregadores: eu, Frei Fernando, e Frei Jorge. Isso porque, na Itália, eu já pregava nos púlpitos altos da Igreja. [...] No dia 20 de janeiro de 1947, no Convento da Penha, aparece Frei Damião, com uma maleta na mão. Olhou para mim e disse: “Você é aquele menino que me ajudava na missa?” Eu respondi: “Sou!”. Ele perguntou: “Está satisfeito?” Eu respondi: “Estou!” Ele continuou: “Como vai sua mãe?” [...] Eu perguntei: “Frei Damião, o Senhor anda sozinho?” Ele respondeu: “Ninguém quer me ajudar!” [...] Depois, ele olhou para mim e disse: “O Senhor quer me ajudar?” Eu respondi que não sabia falar em português. Não sabia dizer “bom dia”. Então, ele me aconselhou: “Estude português, quanto antes, porque você vai me ajudar!”. Ele profetizou, né?
Tribuna do Sertão: E as Santas Missões quando aconteceram?
Frei Fernando: Quando chegou o mês de março, eu já tinha decorado três páginas do Evangelho de Cristo. Lembro-me que o primeiro evangelho que eu expliquei foi aquele que fala do “Bom Pastor”… Eu sou bom pastor… [...] Quando foi no mês de julho, em Recife, o Ministro Provincial me procurou: “Deixe a companhia de Frei Jorge. Você agora vai ajudar Frei Damião. Você já pode confessar, pois o bispo já lhe deu licença” [...]. No dia 7 de julho de 1947 eu entrei na Igreja de Açu, perto de Mossoró, no Rio Grande Norte. Interessante é que, na Diocese de Mossoró, Frei Damião nunca tinha pisado, mesmo já estando no Brasil há 16 anos, porque o Bispo de Mossoró, Dom Jaime de Barros Câmara (aquele que foi Cardeal no Rio de Janeiro), não permitiu que Frei Damião fosse até lá. Frei Damião entrou na Diocese de Mossoró, após a chegada do novo bispo, Dom João Batista Portocarrero Costa, que conhecera antes em Roma e o havia reencontrado em Recife. Eu e Frei Damião ficamos em Mossoró, durante os meses de julho a novembro, em meio às Paróquias e às Capelas, pregando, confessando e crismando. Atendemos mais de 80 mil pessoas. [...] Em Novembro voltei para casa, para o Recife, passei uns dias. O Guardião do Convento perguntou-me: “Quer voltar?”. Eu disse: “Quero”. E assim, eu continuei seguindo Frei Damião, até o ano de 1997 [data da morte do missionário capuchinho].
Tribuna do Sertão: Por que a Província de Lucca, na Itália, resolveu enviar Frei Damião e Frei Fernando para o Brasil?
Frei Fernando: No Brasil existiam os “capuchinhos” napolitanos, vindos de Nápoles (Itália). Então, os superiores de Roma mandaram ao Brasil um Visitador Apostólico para saber o que esses frades estavam fazendo no país. Aí foi descoberto que esses padres viviam no convento, só rezando e comendo, sem nenhum trabalho lá fora. Por isso os superiores resolveram enviar ao Brasil os “capuchinhos” da Província de Luccas para substituir os “napolitanos”. Foi assim que vieram para o Brasil, Frei Felix, Frei Damião, Frei Otávio, eu, entre outros missionários.
Tribuna do Sertão: Como foi a chegada dos frades italianos na Vila São Francisco, em Quebrangulo?
Frei Fernando: Até 1972 os frades brasileiros não gostavam de ficar na Vila. Nessa época, Frei Otávio, da Província de Luccas, chegou à Vila e ficou até 1992. Em 1993 ele adoeceu, fraturou o fêmur e voltou para o Recife, onde faleceu em 19 de janeiro de 1996, tendo causa morte o infarto. Eu e Frei Damião trouxemos seu corpo para Vila São Francisco, onde está sepultado no cemitério do povoado, ao lado do beato Franciscano.
Tribuna do Sertão: Um ano depois da morte de Frei Damião, o Senhor declarou que sentia muita saudade dele. O Senhor confessou: “É a saudade de um filho que perde o Pai”. Como era sua convivência com o missionário?
Frei Fernando: Eu trabalhei com Frei Damião durante 50 anos. Não foram cinqüenta dias. Tudo eu fazia para ele. Com sua morte, eu fiquei triste, arrasado. Senti o mesmo que senti com meu pai. Abri a tampa do caixão e beijei a cabeça dele. Com a morte dele, no dia 31 de maio de 1997, terminei a minha vida missionária. [...] 15 dias depois, o Frade Deferidor-Geral da Itália, que tinha vindo para o sepultamento de Frei Damião, chamou-me na mesa, juntamente com Frei Tito, Frei Bernardino e Frei Egídio, e falou: “Os senhores sabem que não podem mais ficar aqui no Convento. Terão que ir embora, porque tudo aqui pertence aos frades [capuchinhos] brasileiros”. Cada um escolheu um lugar para viver. Eu vim para a Vila São Francisco, porque aqui não tinha ninguém e aqui eu guardo muitas recordações de Frei Damião. Para vir para a Vila, eu pedi autorização ao meu Provincial, porque eu não gostaria de voltar mais para a Itália. E telefonei para o bispo Dom Fernando Iório,de  Palmeira dos Índios, pedindo-lhe permissão para ficar aqui, em sua Diocese. E ele me acolhei, fraternalmente.
Everaldo Damião
FREI  FERNANDO
Giuseppe Rossi, o Frei Fernando fez 90 anos de idade no dia 18 de junho. Ele nasceu na província de Massa-Carrara, na Itália. Ordenou-se padre em 1942 e, quatro anos depois, aportou no Recife (Brasil) para ser frade auxiliar de Frei Damião de Bozzano. Houve uma celebração litúrgica pelo Bispo Diocesano, Dom Dulcênio de Mattos, além de uma grande comemoração.
Os romeiros do Agreste e do Sertão foram à Vila São Francisco, em Quebrangulo, para homenagear o companheiro de Frei Damião, por mais de 50 anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário