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segunda-feira, 28 de maio de 2012

JARDINEIRO NO OUTONO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa*

Rangel Alves da Costa

 

JARDINEIRO NO OUTONO

Outono é estação de entristecimento nos jardins, nos arvoredos, nos pomares, nos vasos e xaxins de plantas. As flores somem, as folhas vão murchando, mudando de cor, perecendo até ficar à mercê do sopro do vento.

 

Acostumado com cores vivas e maravilhosas no jardim, com o encantamento matinal dos roseirais, das violetas, dos jasmins, dos crisântemos, dos girassóis, o jardineiro começava a padecer feito condenado quando o outono se aproximava.

 

A paisagem ia se tornando dolorida, cruel demais ao seu olhar. E de repente as pétalas caindo, tudo murchando, tudo mudando de cor, tudo emagrecendo, tudo se esvaindo e se esvaziando, tanta vida transformada. E ficava sem suportar aquelas cores cinzentas, ocres, amareladas, marrons, cores quase sem cor.

 

E mais tarde a palidez, o encurvamento, o sumiço lento, o toque do vento, a queda, o esvoaçar. E no chão, o chão de jardim onde a grama divide espaço com pequenas veredas e canteiros, um manto de pétalas e folhas mortas, restos se movendo como algo que dá o último suspiro antes do desfalecimento.

 

Folhas secas e mortas por cima dos bancos, dentro da fonte, nos canteiros, nos caminhos, por cima dos troncos das plantas, por todo lugar. E na visão do jardineiro tudo era uma mortificante colcha de saudade estendida de lado a lado. De canto a canto porque os restos caíam e se estendiam por todo o espaço do jardim. E nem parecia mais jardim, senão uma pintura de natureza-morta inacabada, de marrom pálido e triste.

 

Com vassoura e gadanho na mão, sem saber por onde começar a varrer e recolher ao menos parte daquilo tudo, começava a olhar mais para o alto e ia descendo o olhar até o chão. E desde lá de cima as árvores nuas se mostravam sem qualquer imponência, seus galhos nus pareciam braços finos, ossudos, curvados, e mais abaixo a poeira da estação em tudo ali depositado.

 

Perto do muro um monte maior ainda de folhagens, vez que o vendo batia e ia levando aqueles espectros que se amontoavam. Mais tarde, feito vítimas de um holocausto da natureza, seriam prensadas em sacos e queimadas em qualquer vala comum. E do fogo crepitante subia uma fumaça de cheiro tão forte que muitos pensavam se tratar de um incêndio de grandes proporções na mata.

 

Mas era sina do jardineiro passar por tudo isso todos os anos, renovando sempre o mesmo sofrimento. Ficava contando os dias para passar aquela medonha estação tão inimiga dos seus sentimentos e chegar logo o inverno com suas temperaturas mais amenas, suas constantes chuvas, seu poder de reflorescimento sobre o jardim.

 

Mas enquanto o inverno não chegava ficava recolhendo aqueles restos mortais dos amigos. E ao fazer isso chorava e sofria. Cada pá cheia de folha que ia recolhendo era como se ouvisse vozes dando o último adeus. E muitas vezes, no ato de desespero e prova de quem tanto amava as plantas, as flores, o seu jardim, colocava bem no meio de tudo um caqueiro enorme com planta e flores de plástico.

 

Ainda assim as borboletas passeavam ao redor, os passarinhos pousavam para cantar, um beija-flor chegava para o seu beijo. Mas não podia colocar ali o néctar inexistente no outono. Aproximava-se de sua planta artificial e chegava a pedir para que ganhasse vida, farfalhasse igual a planta viva, exalasse o aroma florido e de leveza espiritual.

 

Mas um dia, quando o outono chegou e o jardim aos poucos foi retomando suas feições verdejantes e alegres, de tão contagiado pelos novos tempos o jardineiro nem se lembrou de recolher a sua planta de plástico. Então ela foi ficando ali se misturando com as outras, com o mesmo aspecto e a mesma vivacidade.

 

E um dia o jardineiro encontrou uma flor estranha, totalmente diferente daquelas tão conhecidas por ali. Era azul, era rosa, era violeta, num misto aromático de tudo. Era o plástico ganhando vida em meio ao jardim e recebendo o nome de flor de outono.

 

Não haveria como ser diferente, era esse o nome da flor. Flor de outono.

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

blograngel-sertao.blogspot.com

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