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terça-feira, 27 de novembro de 2012

A vida após o cangaço. 1


"Lampião tornou-se um herói aos olhos dos pobres e miseráveis" 
Ex Soldado de Volante "Marancó"

Oresto integrou uma das volantes (unidades que caçavam cangaceiros) de José Osório de Farias, conhecido como Zé Rufino,o homem que mais matou cangaceiros no Nordeste e também o mais respeitado por Lampião.

Além da guerra na caatinga, comendo apenas raízes, ele afirma que a sua maior batalha não foi o cangaço, mas sim em São Paulo, em 1944, quando trabalhou na construção da Via Anchieta. Também acompanhou o desenvolvimento político de Cubatão. Viúvo, atualmente mora na Cota 400.

Como foi que o senhor conheceu o rei do sertão?

Eu conheci Lampião com 12 anos. Ele era de estatura média, moreno, cabelos negros e lisos, muito franzino e de pouca conversa. Começou a lutar para vingar a morte do pai, assassinado pelo fazendeiro Zé Saturnino, por questões de brigas por terras. Era tropeiro e o mais velho de seis irmãos. Deixou José Ferreira para tomar conta de duas irmãs e levou os outros para vingar a morte do pai. Luís Pedro, primo de Lampião também se integrou ao grupo para matar os macacos (como eram chamados os soldados). Ele aderiu ao bando de Sinhô Pereira, em 1920, aos 22 anos. Já Maria Bonita morava na fazenda Santa Brigida, povoado pertinho da onde eu morava, em Marancó. Ela tinha 17 anos quando


Lampião passou pelo povoado e foi embora com ele. Ao contrário de Lampião, era muito bonita, simpática e falante. Com 15 anos se casou com o sapateiro Zé de Neném. O rei do sertão, cabra macho, escreveu explicando que Maria Bonita estava abandonando o marido para acompanhá-lo.

Apesar de ter aderido ao cangaço por uma motivação pessoal, Lampião acabou sendo reverenciado como salvador da pátria pelos nordestinos. Como isso ocorreu?

Lampião era o defensor do povo. Tornou-se um herói aos olhos dos pobres e miseráveis porque viam nele um sonho de liberdade e justiça. Nas execuções de espiões e mortes de inimigos, ele nunca matou uma pessoa indefesa, não cometia ato de covardia e de maldade. Lampião defendia o povo dos coronéis. Revoltado com os volantes (caçadores de cangaceiros) que entravam na caatinga e metiam o cacete no povo para descobrir os cangaceiros, matava muitos policiais. Além disso, os policiais também entravam nas fazendas e saíam matando os bois para alimentação e pagavam apenas 70 mi réis, que não valia nem a cabeça do boi. Lampião era contra todo o tipo de repressão.

Como Lampião foi morto?

Ele morreu aos 41 anos, em 1938, encurralado por uma volante, comandada pelo tenente João Bezerra, no interior de Sergipe, depois de ser traído por Joca Bernardes, um coiteiro (protetor) que denunciou o seu esconderijo. Ele morreu com Maria Bonita e mais nove cangaceiros, sem cumprir o seu objetivo que era matar os assassinos de seu pai, a quem perseguiu por mais de 20 anos.

Na força policial baiana, o senhor cumpriu oito anos e três meses sob o comando de Zé Rufino, onde participou de diversas batalhas. A principal delas foi a captura e morte de Corisco (o último dos cangaceiros e mão direita de Lampião), em 1940. Como foi?

Corisco cortou o cabelo e trocou de roupa para não ser reconhecido, fugindo com Dadá e outro casal de cangaceiros. Foram perseguidos e, quando Corisco foi pular uma cerca, levou uma rajada na barriga. Ele morreu quando era transportado no caminhão. Não deu um único grito. Nunca vi um homem como aquele. Zé Rufino ainda disse a Corisco que ele deveria ter se entregado e a resposta veio rápida: estou muito satisfeito desse jeito.

Apesar de ter participado da repressão dos bandoleiros, dá a entender que é admirador de Lampião. Reconhece que seus colegas de farda batiam muito na população civil que, freqüentemente, ficava no meio do fogo cruzado entre cangaceiros e policiais? Qual a sua análise sobre o assunto?
Fui militar, era pago para executar, mas nunca bati nem torturei ninguém. Sou admirador de Lampião, um homem de coragem que saiu guerreando por todo o Nordeste. Seus feitos acabaram se transformando em lendas. Suas vitórias eram contadas e comemoradas com rezas por ele e por seus companheiros de cangaço.

Como o senhor chegou a Cubatão?

Eu tinha 26 anos, foi em janeiro de 1944, praticamente 'desviado' da guerra da Alemanha. A mulher do coronel, que gostava muito de mim e não queria que eu morresse na guerra, me mandou para cá. Demorei 42 dias para chegar aqui. Fiquei oito dias em Juazeiro, fui até Aracaju de jardineira (barcos de madeira com motor na frente), depois peguei o vapor (navio), depois fui para Pirapora (Minas Gerais) e peguei o trem direto para cá. Vim trabalhar na construção da Via Anchieta, pelo Departamento de Estrada de Rodagem (DER).

Como foi construir a Via Anchieta?

Essa serra era tão fria que a gente secava roupa na lenha. Só Deus sabe o que sofremos para construir a rodovia, que foi inaugurada em 1947. Eu morava em uma casa da DER e tinha uma pedreira na Cota 500. Eu fazia ferragens, meio fio, cortava pedras na pedreira. Depois fui trabalhar na Refinaria, como vigia. Aí, o Jânio Quadros me mandou novamente para trabalhar no DER, onde me aposentei em 1980. Lembro com carinho do seu Sebastião Ribeiro, que trabalhava comigo, um grande homem e amigo que ajudou muito.

O senhor acompanhou o desenvolvimento de Cubatão? Quais os pontos positivos e negativos?

Antigamente não tinha nada aqui. Só a Light e o DER, depois vieram a Santista de Papel e o Curtume (fábrica de couro). O melhor prefeito que Cubatão já teve foi o Armando Cunha, que trouxe a Petrobras ao município. Ele ajudou no desenvolvimento da cidade com os impostos das empresas e também construiu o 1º Ginásio (escola). Além disso, a sua esposa, dona Helena, era uma mulher maravilhosa. Ajudava muito o povo. Ela nunca me negou nada. Já Abel Tenório derrubou todas as casas do Centro para a construção das ruas e dos lotes. O 2º melhor prefeito foi Frederico Campos. Depois, todo mundo quis ser prefeito de Cubatão, por ser uma cidade de grande arrecadação.

Como está Cubatão hoje?

Em vista de antigamente, está muito boa, mas poderia estar muito melhor com tanto dinheiro que tem.

Como o senhor vive atualmente?

Hoje, sou funcionário aposentado do DER e recebo R$ 563,85 mensais. O meu tempo de militar não foi contado na aposentadoria. Tenho quatro filhos, mas só duas vivem comigo aqui, nesta casa, aqui na Cota 400, o que me restou do DER. Vou fazer 89 anos e vivo muito feliz com as minhas lembranças. 

Entrevista Publicada em: 10/02/2006 na edição 96 do Jornal Metrópole

Créditos para Ronnyeri, pesquisador e membro das comunidades.

http://lampiaoaceso.blogspot.com


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