Por: Rostand Medeiros
Publicado em 15/03/2013
”NOTÍCIA
RUIM CHEGA LIGEIRO!”
Decreto nº.
160, de 7 de janeiro de 1922
No dia 25 de
dezembro de 1921, na pequena vila de Luís Gomes, o cabo Francisco Rodrigues
Martins e o soldado Luis Antonio de Oliveira, foram assassinados por um grupo
de cangaceiros quando realizavam uma diligência policial. Nesta época, o jornal
natalense A Republica era extremamente econômico no seu noticiário quando o
assunto era a ação de cangaceiros em terras potiguares e não publica uma só linha
detalhando este episódio.
Vamos ter
conhecimento deste fato já na edição de 20 de janeiro de 1922, onde está
estampada a publicação do Decreto nº. 160, de 7 de janeiro de 1922, que informa
terem as viúvas dos policiais mortos recebido “uma pensão correspondente à
metade da etapa que os mesmo ganhavam, considerando que os militares foram
assassinados por cangaceiros”.
De qual bando
pertenciam estes bandidos? Quantos eram? Quem era o chefe? Infelizmente não
sabemos, mas sabemos que o ataque aconteceu. Podemos deduzir que a não
vinculação da notícia pelo principal jornal potiguar da época teria mais a ver
com um desejo de evitar o pânico entre a população rural potiguar?
E este medo
tinha fundamento?
Conforme
descreve o então governador potiguar Antônio José de Mello e Souza, na sua
Mensagem ao Poder Legislativo de 1921, parece que sim!
Devido a forte
de seca dos anos de 1918 a 1920, aliado a uma acentuada baixa de produção do
algodão e dos baixos valores alcançados por esta matéria-prima no mercado
internacional, o Rio Grande do Norte se encontrava em uma precária situação
financeira. Esta situação gerava reflexos principalmente nas ações de segurança
e ordem pública, onde o governo mantinha a força pública com um efetivo bem
abaixo de suas necessidades e material obsoleto para o combate ao banditismo.
A ERA DE 22
COMEÇA COM MUITA CHUVA E CANGACEIRO
Neste ínterim,
a vida passou a sorrir de uma forma mais alegre para o sertanejo potiguar, pois
tinha início uma promissora estação chuvosa, sendo noticiadas fortes chuvas em
todo Estado (A Republica ed. 29/02/1922).
Por outro
lado, o meio político estava agitado, pois a dia 1 de março ocorria em todo
país a eleição para Presidência da República, onde Arthur Bernardes disputava
com Nilo Peçanha, em um sufrágio muito pouco democrático, quem governaria o
país pelos próximos quatro anos. É informado que o futuro presidente já
assumiria a partir do dia 15 do mesmo mês de março (Mensagem, RN 1922, pág. 4).
Em meio a todo
positivo noticiário sobre as chuvas e as eleições presidenciais, um dia é
publicado uma pequena nota que mostrava que nem tudo corria as mil maravilhas
no sertão paraibano, próximo a fronteira potiguar e a fonte da pequena nota era
uma importante liderança política e empresarial potiguar.
Informe de
Simplício Cascudo sobre ataque de cangaceiros na Paraíba e publicado em Natal
O coronel
Francisco Cascudo, pai do folclorista Câmara Cascudo, apresentou a redação de A
República um telegrama remetido no dia 3 de março, emitido pelo seu parente
Simplício Cascudo, então residente na cidade paraibana de Sousa, dando conta
que um grande grupo de cangaceiros estava percorrendo as zonas rurais das
cidades de Pombal, Brejo do Cruz, Catolé do Rocha e São Bento, na Paraíba e
propriedades na área próxima a Vila de Alexandria, já no Rio Grande do Norte
(mas sem trazer maiores detalhes). Informava Simplício Cascudo que as
propriedades São Braz, Santa Umbellina e Brejo das Freiras foram “visitadas”
pelos cangaceiros, sendo assaltados as pessoas de “José Olympio, filho de
Antonio Fernandes, Adolpho Maia, Valdevino Lobo, proprietário da estância Dois
Riachos, e Mestre Ignácio”. Informa o missivista que a cidade de São Bento
estava “arrasada” com os acontecimentos, tendo os saques nas propriedades
próximas sidos superiores a 200 contos de réis. Comentava que no dia 2 os
cangaceiros se encontravam no lugar “Catolé”, próximo a Cajazeiras, estando a
cidade receosa de ser atacada. Simplício Cascudo finalizava a nota informando
que até o momento as garantias solicitadas ao governador da Paraíba, Sólon de
Lucena, ainda não estavam presentes (A Republica ed. 07/03/1922).
Ora, diante de
notícia fornecida por pessoa tão grada da sociedade potiguar, os grandes
produtores rurais do Rio Grande do Norte, principalmente aqueles que tinham
seus bens mais próximos à fronteira paraibana, ficam extremamente apreensivos
com o que poderia ocorrer.
Logo seus
piores pesadelos pareciam se concretizar…
Nota sobre o
ataque a Jericó, Paraíba
Telegramas
vindos da vila paraibana de Jericó, retransmitidos por postos telegráficos
potiguares, fazem chegar a Natal a informação que em 5 de março de 1922, o
celebre chefe cangaceiro Sinhô Pereira, com a ajuda do cangaceiro Liberato
Alencar, acompanhados de um bando com um número estimado (pelos jornais da
época) de 35 a 60 cangaceiros, ataca com sucesso toda aquela região. Desde a
zona oeste do Rio Grande do Norte, até o Seridó, a notícia correu célere. Uma
das notas de um dos jornais potiguares que noticiaram o fato assim apresentou a
questão informando que “Notícia ruim chega ligeiro!”. Na antiga Jericó
eles cometeram atrocidades e causaram inúmeros prejuízos aos moradores da
localidade. Os cangaceiros foram finalmente rechaçados por um grupo de
corajosos habitantes do lugar, destacando-se o nome de Antônio Felipe, João
Bento, soldado João Ferreira e João Belarmino.
PÂNICO ENTRE A
ELITE RURAL POTIGUAR
Os acontecimentos
são publicados em grandes manchetes na edição de 8 de março de A República. A
partir de então o pânico se generaliza de uma forma contundente entre os
políticos e os fazendeiros que tinham interesses na fronteira do rio Grande do
Norte com a Paraíba.
Um típico
cangaceiro nordestino na década de 1920
Em Natal
começam a chover na mesa do governador Mello e Souza telegramas solicitando
urgentemente o envio de efetivos da força pública potiguar para a defesa das
cidades e vilas localizadas em praticamente toda a fronteira com a Paraíba. Os
aflitos telegramas vinham desde a cidade de Luís Gomes, quase na divisa com o
Ceará, à Nova Cruz, próximo ao litoral, todos informando existirem boatos de
ataques eminentes e simultâneos de cangaceiros.
Nas amareladas
folhas do velho jornal A Republica, existente na hemeroteca do Instituto
Histórico do Estado do Rio Grande do Norte e no Arquivo Público do Estado do
Rio Grande do Norte, é tal a quantidade de telegramas enviados ao governo, que
aqueles que não possuem um maior conhecimento da história do cangaço nesta
época, ao ler as alarmantes missivas reproduzidas, parece que a ação dos
cangaceiros havia crescido numa proporção assustadora e o número de bandos
havia aumentado por dez.
No geral as
mensagens seguem quase um mesmo padrão. Comentam sobre a existência de
“informações”, ou “boatos”, transmitidos por pessoas “vindas da Paraíba” da
“existência de grupos de cangaceiros nas proximidades” e a possível “eminência
de um ataque”.
OS JORNAIS
REPERCUTEM A SITUAÇÃO
A imprensa dos
dois Estados tratava a situação de modo alarmante e exagerado.
Possível
combate próximo a cidade de potiguar de Santa Cruz. Jamais foi confirmado
Na edição de
12 de março do jornal paraibano “A União”, existe a informação que havia
ocorrido um violento combate nas proximidades da cidade potiguar de Santa Cruz,
no qual teriam morrido 6 cangaceiros. Já o natalense A República chega a
comentar na sua edição de 21 de março que, “se abstivera de divulgar as
movimentações da tropa, por um princípio das táticas militares; Não fornecer
indicações ao inimigo”. Como fosse o caso dos cangaceiros terem condição de ler
jornais continuamente no meio da caatinga!
Esta mesma
edição de A República informa que em Caicó houve pânico com a notícia da
aproximação de cangaceiros na fronteira desta cidade com a Paraíba, ficando a
situação mais calma por haver deslocamento de forte contingente policial em
direção à localidade de Jardim de Piranhas. Outro jornal natalense denominado A
Notícia, informa que até mesmo ocorreu “fuzilamento de oficiais de nossa Força
Pública e rapto de crianças”.
Até as
repartições dos Correios e Telégrafos entraram na ideia de pânico generalizado.
Houve o caso de um telegrafista enviar pedidos de ajuda ao Ministério da
Fazenda no Rio de Janeiro.
Os cangaceiros
atrapalharam a coleta de materiais da cidade Martins para a exposição do
centenário
Até jornais do
Rio de Janeiro noticiaram aqueles acontecimentos aparentemente através de
notícias recebidas de informes telegráficos e um destes informes mostra uma
interessante situação; no primeiro semestre de 1922 estava acontecendo em todo
o Brasil os preparativos para as grandes festas do centenário da nossa
independência e no Rio Grande do Norte estes preparativos estavam a toda. Cabia
a cada estado brasileiro organizar e enviar para a Capital Federal, na época o
Rio de Janeiro, uma coleção de produtos naturais típicos. No Rio Grande do
Norte o responsável por tal trabalho era o Dr. João Vicente, que a época destes
alarmes estava no município serrano de Martins. Na edição do periódico carioca
A Noite, pág. 4, de 6 de março de 1922, foi noticiado que o Dr. João “não podia
trabalhar devido a ação dos cangaceiros e que o pessoal da serra estava pronto
a reagir”.
MAS HOUVE
ATAQUE?
Mesmo com todo
exagero, o governador Antônio José de Mello e Souza, juntamente com o então
chefe de polícia Sebastião Fernandes não perdem tempo na reação e tratam o
assunto como uma verdadeira “situação de guerra”.
O chefe de
polícia potiguar a época da crise
Convocam por
decreto emergencial 100 praças para a força pública, promovem 2 sargentos a
oficiais, despacham um grupo de policiais para seguir de navio até a cidade de
Areia Branca, para depois seguirem a cavalo para fronteira. Com a ajuda do
então IFOCS – Instituto Federal de Obras Contra as Secas (futuro DNOCS) mais de
100 militares serão enviados de caminhão ao interior. São feitas solicitações
aos serviços de correios e telégrafos para a isenção de taxas para que os
oficiais pudessem emitir telegramas da “frente de batalha”.
Na sua
Mensagem ao Poder Legislativo de 1922, o governador Mello e Souza informa que
recebeu que durante esta “crise”, mais de 100 despachos telegráficos vindos do
interior. O próprio governador, tido como homem calmo e comedido, chegou ao
ponto de reclamar que “até a cortesia sertaneja havia sido deixada de lado”
naquelas solicitações de ajuda.
Apesar do
estado limitado desta fotografia, ela mostra oficiais da Polícia Militar do Rio
Grande do Norte, se preparando para seguir para o sertão e combater os
cangaceiros que desejavam invadir o estado em 1922
Foram enviados
policiais em tal quantidade que em Natal o efetivo policial foi classificado
como “mínimo”, apenas para o essencial para a proteção do quartel da força
pública e do presídio (Mensagem, RN, 1922, páginas 31 a 35).
Seja por conta
das ações policiais praticadas pelos governos da Paraíba e da ação preventiva
da polícia potiguar, ou por terem conseguido o que desejavam, o bando de Sinhô
Pereira toma novamente o rumo do Ceará. Com a saída dos cangaceiros, pouco a
pouco a situação volta a se normalizar. No dia 29 de março chega a Natal o
Chefe de Polícia da Paraíba, Demócrito de Almeida, que vinha agradecer a ação
da polícia potiguar e, juntamente com Mello e Souza e Sebastião Fernandes,
acertarem as bases para ações de patrulhamento da fronteira (A Republica, pág.
1, Ed. 01/04/1922).
Nas edições do
jornal “A Republica” e na própria Mensagem ao Legislativo de 1922, podem-se ler
as respostas às críticas feitas a ação do governador Mello e Souza na proteção
das fronteiras. Estas críticas comentavam principalmente sobre os gastos
excessivos realizados pelo executivo estadual no deslocamento de tropas, em
meio a grave crise financeira vivida pelo Tesouro do Estado.
Existem insinuações
que a mobilização serviu para uma grande intimidação da classe política que se
encontrava na oposição, devido a proximidade da eleição federal, além de
mostrar quem estava no poder e quem mandava na Força Pública.
Mas enfim, os
cangaceiros de Sinhô Pereira estiveram, ou não estiveram no Rio Grande do Norte
em 1922?
Consta na sua
Mensagem ao Poder Legislativo de 1922, que o governador Mello e Souza informou
que estes cangaceiros ao seguirem em direção ao vizinho Ceará, teriam então
realizado a única e verdadeiramente comprovada penetração em território
potiguar. Foi quando realizaram um pequeno saque em Luís Gomes e passando nas
imediações da Vila de Alexandria, sem, contudo esta localidade ser efetivamente
atacada (Mensagem, RN, 1922, pág. 34).
Jornal carioca
A Noite, pág. 4, de 6 de março de 1922
Conforme
podemos ver na reprodução da nota publicada na edição do periódico carioca A
Noite, pág. 4, de 6 de março de 1922, parece que estes cangaceiros estiveram no
Rio Grande do Norte, mas não existem registros de saques em Patu, Alexandria e
que a nossa polícia perseguiu a horda de meliantes até o Ceará.
UMA QUASE
CONCLUSÃO…
Ao observamos
estes episódios, é de se perguntar de onde vinha tamanho receio, ou medo, que
as classes produtoras rurais potiguares tinham em relação aos cangaceiros? Até
mesmo porque a marcante invasão do bando de Lampião ao Rio Grande do Norte só
iria ocorrer cinco anos depois de todo a aquele pânico de 1922.
Sinhô Pereira
(sentado) e seu primo Luiz Padre, dois grandes cangaceiros
É certo que os
produtores rurais estavam saindo de uma seca pesada e uma ação de cangaceiros
em nada ajudaria a nossa já combalida economia rural. Mas não havia registro de
grandes ações destes bandidos no Rio Grande do Norte desde a prisão do celebre
Antônio Silvino em 1914.
No meu
entendimento toda aquela movimentação foi na verdade uma combinação de receio
das elites rurais com a chegada dos cangaceiros, acompanhado de exagerados
equívocos de informações, tudo isso transmitido para a capital potiguar através
de uma bem organizada linha de comunicação telegráfica, que encheu a mesa do
governador de pedidos de ajuda contra bandidos que simplesmente não apareceram.
Tudo isso
associado a uma tradicional posição destas mesmas elites rurais potiguares; a
de não terem uma associação muito estreita com cangaceiros, fossem eles
potiguares, ou principalmente de outros estados.
Os donos do
poder do sertão potiguar, como até hoje acontece, jamais deixaram de ter uma
parceria estreita com hordas de sanguinários pistoleiros, de
gente execrável que mata exclusivamente por dinheiro. Que a soldo dos
poderosos resolviam (e ainda resolvem) certos tipos de problemas. Mas a figura
do cangaceiro, talvez pelo seu aspecto único de possuir determinado nível de
autonomia em meio a estas elites, jamais teve dos coronéis do sertão potiguar
muita guarida.
E ONDE ENTRA
LAMPIÃO NESTA HISTÓRIA?
Ao realizar
esta simples pesquisa, me veio o seguinte questionamento; e então o grande
cangaceiro Lampião esteve no Rio Grande do Norte antes do ataque de Mossoró?
Teria o Rei do Cangaço pisado solo potiguar antes de 1927? Teria ele atacado
uma fazenda nos limites do nosso estado com a Paraíba e passado perto da Vila
de Alexandria?
Sei que
Lampião entrou no bando de Sinhô Pereira em 1921, mas daí a afirmar que ele e
seus irmãos Antônio e Levino participaram destas ações, é complicado. Tem gente
por aí que conhece muito mais desta história do que eu e pode responder.
Notícia do
Diário de Pernambuco, edição de 17 de março de 1922, mostrando a presença de
Sinhô Pereira e seus cangaceiros na Fazenda Feijão, Belmonte, Pernambuco. Logo
ele deixaria o cangaço
Mas sei que
nos primeiros dias de junho de 1922, no sítio Feijão, zona rural do município
pernambucano de Belmonte, próximo a fronteira do Ceará, Sinhô Pereira informou
aos membros do seu bando, que em breve iria entregar o comando a Lampião, então
o seu melhor cangaceiro. Apesar de ter menos de 27 anos de idade, Sinhô alegou
problemas de saúde para a sua decisão e que seguia um apelo do mítico Padre Cícero
Romão Batista, da cidade de Juazeiro, Ceará, que havia lhe pedido para deixar
esta vida bandida e ir embora para fora do Nordeste. A incursão de Sinhô
Pereira e outros cangaceiros pelo interior da Paraíba teria tão somente o
ensejo de arrecadar numerário para este chefe bandoleiro sair do
sertão e só voltar em 1971, já idoso.
Lampião e seu
irmão Antônio em Juazeiro, Ceará
Vinte e dois
dias depois de receber a notícia que a passagem de comando está próxima,
Lampião efetivamente já é chefe de grupo. Neste momento começa a imprimir sua
horrenda marca pelo Nordeste e vai se tornar o maior cangaceiro do Brasil.
Mas esta é
outra história….
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Ferreira, Sousa-PB, Ulisses
Liberato de Alencar, Virgulino
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Extraído blog do historiógrafo Rostand Medeiros
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Valeu amigo Mendes, Obrigado pela postagem deste nosso simples trabalho. Forte abraço.
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