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sábado, 2 de novembro de 2013

LAMPIÃO Cangaceiro: 1898 – 1938 - CANGAÇO, ONTEM E HOJE - Parte IV

Por: Hélio Pólvora

Cangaço é mais do que o bagaço da uva pisada, como está em Moraes, 1831. É o aumentativo de canga, que significa jugo, domínio, opressão. Também é um dispositivo de madeira a que são jungidos bois para transporte. De acordo com Beaurepaire Rohan, 1889, quer dizer o conjunto de armas portadas por um valentão, ou, ainda, trastes de gente humilde, segundo Domingos Vieira, do Porto, que remonta a 1872. Algo a ver, portanto, com pobreza e escravidão. 

Nas suas pesquisas semânticas, o folclorista Luís da Câmara Cascudo afirma que, para os sertanejos do Nordeste brasileiro, cangaço é a matalotagem do cangaceiro, “inseparável e característica”, ou seja: roupas, suprimentos de boca (em geral, alimentos secos), bornais, munições, armas, mezinhas consagradas pelo vulgo. Algo a ver com bandido, assaltante a mão armada, pistoleiro.

No Brasil da República Velha, anota Cascudo no livro Flor de Romances Trágicos, a atividade do cangaço valia a pena. Ele próprio registra estes versos:

Há quatro coisas no mundo
Que alegram um cabra macho:
Dinheiro e moça bonita,
Cavalo estradeiro baixo,
Clavinote e cartucheira
Pra quem anda no cangaço

Ninguém nasce para ser cangaceiro, é claro. Mas quem tem a desventura de vir à luz nos sertões há de sofrer fatalmente os efeitos do meio. Além da terra adusta e semiárida, da vegetação raquítica e espinhenta, das pedras, dos rios e córregos temporários, das secas prolongadas que matam rebanhos, da água escassa, às vezes quase lama, o sertanejo pobre perde o feijão, o porco, a vaca e os legumes, passa fome. Uns migram; outros ficam à espera da chuva redentora. 

É natural que, em ambiência geográfica hostil, alguém perca a paciência. E, para aperrear ainda mais, há os donos da terra, a polícia a seu serviço, a justiça pronta a despachar em seu favor. Projetos de irrigação tardam; açudes com dinheiro público só para os poderosos, verbas desaparecem no ralo da corrupção. É uma verdade histórica. A civilização começou pelo litoral, gostou do mar e ali plantou-se com os seus luxos. De vez em quando o sertão ameaçava virar mar, como aconteceu via Antônio Conselheiro e seu bando esfarrapado de penitentes. O mar é que jamais quis ser sertão. 

Historiadores, romancistas e sociólogos se têm debruçado sobre o aspecto psicossocial do banditismo. Decerto a influência do meio ainda pesa, e muito, mas naqueles tempos bicudos ser ladrão e saqueador dava lucro, apesar das forças volantes das polícias estaduais, atiçadas pelos coronéis. Não tanto quanto hoje, com o narcotráfico, mas sempre alimentava e vestia. 

O cangaceiro surgia em geral por força de conflitos de família, de posse de terras e reses, de agressões da polícia, casos de amor desfeito, ofensas públicas. Desfeiteado, injustiçado até o fundo da alma, partia para uma vingança longa e generalizada. Foi o que se deu com Virgulino. Perdera o pai José Ferreira da Silva, assassinado pelo alferes José Lucena, comandante de volante, por instigação de um vizinho incômodo, José Saturnino, a quem Virgulino, vaqueiro da família, acusara de furtar bodes. 

Antes ou depois do pai, que jamais quis empunhar amas e revidar, a mãe Maria Lopes de Oliveira morreu de susto, durante um resguardo, ou quando mudavam de sitio na tentativa de evitar o pior. Por volta dos 20 anos, Virgulino meteu-se com os irmãos Antônio, Livíno e Ezequiel (os quatro irmãos restantes eram mulheres) no bando do cangaceiro Sinhô Pereira, que não demorou a liderar. De modo que não fundou o cangaço: apenas lhe deu galas e dele se fez rei. Seu antecessor mais famoso foi Jesuíno Alves Caiado, o Jesuíno Brilhante, primeiro da estirpe, temido na década de 1870. 

Livíno morreu em 1925, em refrega com a polícia; Antônio, quando o fuzil caiu e disparou, num acampamento; Ezequiel, o Ponto Fino, em combate, 1931. Tudo na vida de Lampião e sua gente parecia fadado a tragédia. Assim teriam decidido os deuses imortais, ou as mouras.

http://www.vidaslusofonas.pt/lampiao.htm 
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