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segunda-feira, 2 de junho de 2014

CONSIDERAÇÕES INTERESSANTES DE UM EX-RASTEJADOR CONTRATADO PELA POLÍCIA BAIANA, SOBRE LAMPIÃO NA BAHIA


“DIÁRIO DA TARDE” (JORNAL SERGIPANO) – 07/10/1933
VIRGULINO FERREIRA E A BAHIA

Como tivéssemos sabido de que nesta capital se achava um cidadão que tinha sido rastejador, como contratado pela polícia baiana, do bando do execrado facínora Virgulino Ferreira, procuramos ouvi-lo, pois, ao que achávamos ninguém melhor do que ele falaria sobre o que tem sido o rosário enorme de crimes perpetrados pelo bandoleiro maldito.

Encontramo-lo a tomar um café, no “Ponto Central”. Um amigo nos proporcionara a aproximação.

Depois de conhecida a nossa qualidade, o aludido cidadão prontificou-se a nos ministrar as informações desejadas.

Depois de nos dar o seu nome, que ocultamos por interesse público, entrou a narrar o que tem passado e o que tem visto nos lugares onde tem estado.

- A sua vida de rastejador provém de uma predisposição natural, ou deriva de motivos pessoais? – perguntamos.

- Não. Eu era proprietário em Patamuté. Há cerca de três anos, aceitara o cargo de fiscal da construção da estrada de rodagem de Juazeiro a N. Sra. da Glória. Tendo necessidade de ir comprar uns animais na fazenda Roçado, termo de Riachão da Várzea, um dia, às 7 horas da manhã, sem que ninguém esperasse, chega o bandido, acompanhado de seis companheiros. Depois de matar um rapazinho da fazenda e de furar a punhal oito muares que se achavam amarrados à porta da casa, Lampião batera em retirada.

Em caminho, um seu companheiro chamado Zé Baiano, que me conhece, lhe disse qual o cargo que estava ocupando, em vista do que ele me mandou uma carta, que apresentei ao então capitão Euripedes Esteves Lima, naquela data chefe de polícia de minha terra, na qual dizia que a estrada eu não acabaria; mas, se acabasse, na minha propriedade eu não moraria.

Tomei as minhas precauções, vendendo a propriedade e me dedicando, por enquanto, à estrada.

Pouco tempo depois eu recebera aviso que corresse porque a fera vinha à minha procura. Resolvi, então, a me resguardar sem baixeza, para que ofereci os meus serviços à polícia, serviços que foram aceitos para entrar em combate cerca de 18 dias depois, do qual escapei milagrosamente, vendo mortos, dos lados, 4 companheiros, que, como eu, obedeciam ao comando do hoje tenente-coronel Liberato.

-Quer dizer que o primeiro encontro traduziu o tamanho dos lençóis em que ia se meter, não? Pilheriamos.

Foi. Mas sob as ordens daquele coronel o ânimo não nos falta. Eu era apenas contratado, mas, como os outros, tinha que enfrentar os maiores perigos, pois que o comandante era o primeiro a dar o exemplo.

- Há muitas colunas disseminadas pelo Estado?

- Muitas. Eu porém só posso contar de três.

- O que há de verdade sobre a notícia da prisão, em Jeremoabo, de quatro comandantes de colunas? Foi certo isso?

- Certíssimo.

- Conhece-os? O que julga tivesse os levado a trair?

- Conheço todos. São eles sargentos João Teixeira da Silva, Jaco de Santa Brígida, Vicente Marques e Tiburtino Salinas – todos da polícia baiana. Penso que o motivo da traição foi dinheiro.

- Mas como, se eles são pagos!

- Deveriam ser e são pagos. Mas o dinheiro atrasa até três meses e quando chega o de um mês é nada comparado com o que se deve no barracão.

- E há barracão?

- Há. Esse barracão, que explora barbaramente os soldados, cobrando preços incríveis pelas mercadorias, tem sido, mesmo assim, a salvação dos soldados. Imaginem que situação. Devendo-se quantia equivalente ao gasto de três, é claro que o pagamento de um mês fique lá mesmo no barracão.

E porque não reclamam?

- Porque não se pode. Primeiro é necessário, para se chegar à capital, uma viagem horrível; segundo, porque superior nenhum levaria em conta nossa queixa; terceiro porque não se pode deixar o destacamento sem permissão e esta nunca obtemos. Tem soldados que desertaram perdendo meses de soldo .

Há dias conversamos com um sertanejo de sua terra e ele nos disse que a polícia comete, por vezes, mais depredações que o próprio bando sinistro. É verdade?

- É, em certos casos e conforme o comandante. O tenente Dourado, por exemplo (que nunca quis perseguir o bandido, pois que os rastejadores o levavam até poucos metros de distância do bando, e ele nunca o enfrentou) este era um perigo.

Fez tanto que foi tirado dessas comissões. E há outros que não mandam mas assistem indiferentes os soldados fazerem. Ora, isso desgosta as populações, que não têm interesse em se expor ao perigo de delatar.

- E a chefia de polícia da Bahia não sabe disso?

- Manda a justiça que suponha que não. Entretanto, nunca mando inspecionar.

- Quais os lugares mais visados por Virgulino?

- Na zona do norte – Uauá, Monte Santo, Cumbe, Curaçá, Santo Antonio da Glória.

- Esses lugares têm bons destacamentos?

Uns. Outros não. Mesmo bem guarnecidos, cedem às vezes covardemente. Em Patamuté mesmo, seis capangas, sem estar presente Lampião, fizeram correr 16 soldados bem municiados.

- Quais são, a seu ver, os bandidos mais temíveis depois de Lampião?

- Zé Baiano, Labareda e Cirilo. Para ajuizar do que lhe falei por último, basta lhe citar o seguinte. Ele é sobrinho de Antonio de Engrácia. Antonio de Engrácia, num combate travado em Feira do Pau, derrubou, com uma punhalada, um contratado sergipano, parente de um senhor chamado José Ribeiro que tem um engenho.

- Jacoca.

- Isso mesmo. Mas é que o rapaz, recebendo a punhalada, resistiu em cair, razão porque recebeu uma segunda, que o prostrou, mas lhe facilitou também dar uma na garganta do seu agressor Antonio de Engrácia, que foi conduzido dali perdendo muito sangue, pelos companheiros. Pois bem. No meio da viagem, como fosse enfadonha a condução de um doente, o Cirilo acabou de matar o tio à faca. Seus ossos estão enterrados em Jeremoabo, segundo afirma o “Esperança”.

- Quais as zonas escolhidas por Lampião para uma temporada maior?

- De Jeremoabo a Várzea da Ema, Uauá, etc.

- Ele tem passado muito tempo fora do seu Estado?

- Não. Lampião mora na Bahia. Quando ele procura outro Estado é em rápido passeio, à procura de dinheiro ou de munição. Passa uns dias e volta.

- E porque o senhor deixou a função de rastejador?

- Porque, devido à minha facilidade de levar, pelo rasto a força a dar combate com os bandidos, estes não me toleram. Não será difícil, pois, que eles, já possuindo delatores entre os soldados, consigam destes a minha morte. O traidor não mede a traição. Já começaram traindo, como aqueles comandantes presos, fornecendo munição; daí para entregar qualquer um aos bandidos é um nada. E eu, o que temo, é ser traído.

Estava se prolongando nossa entrevista e resolvemos terminá-la. Levantando da cadeira, agradecemos as informações prestadas.

Com os cumprimentos, terminou o informante com estas palavras: Do que lhe disse posso corroborar com documentos.

Fotos extraídas do blog Cariri Cangaço e outros: cangaceiros Lampião, Cirilo de Engrácia (morto), Zé Baiano e Labareda, e coronel Liberato (com Aderbal Nogueira, ao fundo, pesquisador do Cangaço).

Fonte: Facebook
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Postado por Adryanna Karlla Paiva Pereira Freitas

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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