Seguidores

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Como Explicar o Primeiro Cariri Cangaço?

Por:Guerhansberger Tayllor
Wescley Rodrigues e Guerhansberger Tayllor no Cariri Cangaço Parahyba 2014

Quando escrevemos algo, nossa escrita é calcada de subjetividade e influências, demandas do nosso meio social, e hoje não poderia ser diferente. No momento em que enfrento algumas dificuldades íntimas, a família Cariri Cangaço brotou na minha vida como uma planta que estava sendo regada no meu quintal dos sonhos. Então, como explicar o primeiro fruto (sonho) dessa colheita dos dias 22, 23 e 24 de agosto quando ocorreu o II Parahyba Cangaço? Essa é a pergunta que tentarei responder, embora reconheça que nenhum texto abarque todas as emoções que vivi nesses três dias (até porque o passado está morto e não volta nunca mais em sua totalidade), em especial o dia 24 de agosto, dia em que o evento foi sediado na minha querida cidade de Lastro-PB.

Para explicar a colheita tenho que perpassar primeiramente pelo processo de cultivo que teve início no ano de 2011, quando ainda era aluno do 3° ano do Ensino Médio na Escola Nestorina Abrantes (Lastro-PB), na ocasião tive a felicidade de ler o livro: Sangue, Terra e Pó[1], de autoria de José de Abrantes Gadelha. O autor narra a saga do seu avô, o Cel. (coronel) Manoel Gonçalves de Abrantes, de forma romanceada. Esse personagem sempre foi alvo de muitas representações por parte dos habitantes da minha cidade natal, Lastro-PB.
 
Luiz Gustavo, Raimundo Neto e Guerhansberger Tayllor

Na infância, lembro-me que quando meus pais saíam de casa para trabalhar, eu corria para a casa de minha avó paterna (Luiza) e ela carinhosamente como sempre estendia a rede no alpendre da casa convidando-me para dormir. No vai e vem da rede, ouvia estórias dos feitos do Cel. Manuel Gonçalves de Abrantes e de sua fazenda Concórdia, lugar onde nasceu e exerceu o mandonismo local durante a política coronelística (1920-1930). Estórias de cangaceiros, de inúmeros “cabras” e “jagunços” que guardavam a casa do coronel, inclusive um desses “cabras” era meu bisavô paterno, Raimundo Augusto (Ruado Velho), in memorian, que pouco contou sobre suas vivências com o coronel. Segundo minha avó: “muitas coisas ele viu e fez e nunca nos contou”. Até hoje tenho o Fascínio pelo Vivido[2], fascínio esse que me fez querer pesquisar sobre esse tema.
           
Quando li o Sangue, Terra e Pó, todas aquelas conversas tidas com minha avó Luiza retornavam como no exercício de rememoração feito por um jovem que estava prestes a fazer a difícil escolha de qual curso prestaria para o vestibular. Não pensei duas vezes e fiz minha inscrição para o curso de História, no qual consegui ser aprovado e nos primeiros períodos comecei a pesquisar sobre alguns eventos da história da minha cidade. No início do ano de 2013 conheci o professor Francisco Pereira Lima (hoje um dos meus melhores coiteiros) e seu maravilhoso sebo contendo livros de vários temas históricos do Nordeste, principalmente o Cangaço. Esse momento foi muito importante para mim, pois comecei a ter contato e indicações de leituras para iniciar os estudos nessa temática.

 Guerhansberger Tayllor e a sua primeira Conferência no Cariri Cangaço, Lastro 2014
Guerhansberger; sua mãe dona Gerlania Abrantes Sarmento e a avó, dona Luíza

Desde 2012 já conhecia o blog do Cariri Cangaço e sempre tive bel-prazer de participar dos eventos sediados pela família Cariri. Em 2013, ocorreu nas cidades de Sousa e Nazarezinho o I Parahyba Cangaço, na ocasião conhecia apenas o mestre Wescley Rodrigues e o Professor Pereira, mas duas pessoas estavam ali no evento, guardadas como flores despercebidas nos meus olhos. Que ingenuidade! Regadores de sonhos como Iris Mendes e César Nóbrega jamais poderiam ter o brilho humano ofuscado pelos meus olhos. Mas hoje sei o porquê. Ainda não era a hora certa de colher esses dois grandes amigos. Obrigado Iris e César, vocês chegaram no momento em que eu mais precisava! O Lastro só sediou o evento porque vocês pararam para ouvir minhas argumentações e acreditaram no meu potencial. Não preciso destacar o resultado dessa união, o evento fala por si só!

Receber Manoel Severo e a confraria do Cariri Cangaço em minha cidade (até então apagada para o mundo) foi simplesmente um sonho realizado. Foi um dos dias mais especiais da minha vida, pois ali estavam grandes amigos e familiares, em especial meus pais: Raimundo Augusto Neto, Gerlania Abrantes Sarmento, minha avó Luiza (que carinhosamente chamo de “Pris”), meu querido irmão Luiz Gustavo e minha namorada Aretuska Abrantes. Tudo que faço é por vocês. Inclusive, aproveito esse mecanismo para pedir-lhes desculpas pelas ausências nesses últimos meses.  

Também agradeço à minha prima Ana Maria e a minha amiga e eterna professora Joelma Celestino de Paula, que com o apoio da Prefeitura Municipal do Lastro proporcionaram um evento humilde, dentro das nossas limitações, mas grandioso no campo dos nossos interesses em soerguer a história e a cultura da nossa amada cidade.

Visita do Cariri Cangaço na fazenda Custódia em Lastro: Cariri Cangaço Parahyba 2014

Todas essas pessoas foram de suma importância para a realização desse meu sonho, proferir uma palestra no Cariri Cangaço ao lado de estudiosos como Ângelo Osmiro, José de Abrantes Gadelha, Narciso Dias e Otávio Maia. Agradeço a Manoel Severo e aos vaqueiros da história que conseguem extrair sonhos em histórias que tantos sonhos foram perdidos como no mundo do Cangaço. Que o diga os sonhos da família Pereira de Nazarezinho-PB, entre outras. 
Uma das maiores ambiguidades dos estudos do Cangaço hoje pode residir no campo dos sonhos. Mesmo sabendo que os cangaceiros foram bandidos (mas não apenas), muitas das suas façanhas no sertão à dentro na última metade do século XIX e com mais intensidade na primeira do XX, aparecem na identidade dos vários nordestes e na realização de sonhos de curiosos, amantes, escritores e estudantes. Como justificar isso? Para responder, relembro uma conversa da infância, mergulhado no mundo das estórias da minha avó: “quem foi Chico Pereira, vó?”; “– foi um cangaceiro meu filho!”.

Talvez ela nem saiba, mas essa resposta foi a primeira semente do sonho que colhi nesse ano de 2014 no II Parahyba Cangaço com a minha explanação sobre Manoel Gonçalves e Chico Pereira. É inimaginável pensar que hoje sonhos são realizados (como o meu) no berço das tristezas vividas pelas famílias nordestinas no tempo do Cangaço. Para quem acha que estudar o Cangaço é endeusar bandido, aqui pode estar uma resposta contrária. Estudamos o Cangaço para compreender esse momento da História do Brasil, que está ainda tão arraigado na memória e na cultura do povo nordestino, e quando estudamos algo, estamos ganhando conhecimento, e se temos conhecimento, temos o poder para realizar nossos sonhos. Como já apontava Francis Bacon que “o próprio saber é poder”.

Guerhansberger Tayllor
Pesquisador - Cariri Cangaço
Lastro, Paraíba.
[1]  Ver: GADELHA, José de Abrantes. Sangue, Terra e Pó.  Sousa: A União, 1980.
[2]  Sobre o Fascínio do Vivido Ver: ALBERTI, Verena. O fascínio do vivido, ou o que atrai na história oral. Rio de Janeiro: CPDOC, 2003.

http://cariricangaco.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário