Por José Romero
Araújo Cardoso – UERN-Mossoró-RN e Benedito
Vasconcelos Mendes - UERN -Mossoró-RN
Mães aflitas,
viúvas das secas e dos descasos, choram pelo destino que o sistema relegou aos
seus filhos, aos quais tudo é negado, desde um prato de comida decente à
educação de qualidade que possa garantir-lhes um futuro melhor, com esperanças
e felicidades, não esquecendo ainda que saúde também é algo negado de forma injuriosa e
infame. A injustiça tornou-se palavra de ordem no imaginário dos poderosos.
Historicamente, a pobreza vem sendo tratada como caso de polícia, pois exemplo
disso temos na forma desumana como os aparelhos repressivos do Estado trataram
Canudos, como verdadeiro caso de segurança nacional, simplesmente por que a
sociedade alternativa fundada no sertão baiano conseguiu superar os limites
extremos da exploração desmedida capitaneada pelo draconiano latifúndio que impera
desde a formação sócio-econômica brasileira.
A
intensificação do drama da fome foi profetizada e alertada pelo cientista Josué
Apolônio de Castro (Recife – 05/09/1908 – Paris–24/09/1973) quando de sua
magnífica campanha em prol da erradicação do maior drama da humanidade, mas
desde então nada foi feito, pelo contrário, pois o problema ainda está sendo
encarado como um tema proibido, o qual escancara a mesquinhez contida na
manutenção e na reprodução das estruturas de poder que privilegiam poucos e
humilham a grande maioria excluída do complexo processo que caracteriza os dias
atuais.
A ousadia e a
independência de Josué de Castro, quando denunciou a fome como flagelo
fabricado pelos homens, foram responsáveis por momentos ímpares na história da
humanidade, mas que, infelizmente, responsabilizaram-se também pelos momentos
de angústia que o levaram à morte prematura em seu exílio na França, imposto pela
intransigência dos militares que derrubaram o governo constitucional de João
Goulart, histórico herdeiro político de Vargas.
Refletir sobre
as bases do pensamento do importante teórico nacional, reconhecendo a
importância da atualidade de suas pregações e defesas, é condição sine qua
non para que busquemos lutar pela superação dos aviltantes contrates que
separam incluídos e excluídos, contribuindo dessa forma para a consolidação de um mundo melhor, com justiça
social e harmonia para o gênero humano. Insistindo em não curar as feridas
abertas com o drama da fome, os poderosos do planeta alimentam insatisfações
cujas conseqüências poderão se revelar imprevisíveis, pois a partir do momento que o grito dos excluídos tornar-se
mais intenso e estridente talvez a composição contida na superestrutura não surta
tanto efeito a fim de abafar as reclamações que se avolumam de forma
impressionante devido a ausência de amor que vem sendo observada na conjuntura em que impera a ganância e a falta de
compromissos com a sofrida realidade humana daqueles que estão à espera de
olhares mais humanos e compenetrados com suas situações desesperadoras.
A publicação
pelo alto comando militar do Ato Institucional número 1, em abril de 1964,
trouxe em sua lista os nomes cassados de vários políticos e personalidades
ligados ao governo deposto de João Goulart, encontrando-se entre esses o do
médico, geógrafo e sociólogo brasileiro, cidadão do mundo, Josué Apolônio de
Castro, autor de grandes clássicos como Geografia da Fome (1946) e Geopolítica
da Fome (1951), considerados importantes contribuições para as causas humanas,
publicados pós-segunda guerra mundial.
Josué de
Castro escolheu a França para o exílio, voltando a ministrar aulas em grandes
instituições de ensino superior, como a Sorbonne e Vincennes. Instalado na
capital francesa, intensificou a luta humanista que marcou toda a vida do
grande cientista nacional.
No Brasil, a
ditadura militar considerou Josué de Castro persona non grata, recolhendo
seus livros das bibliotecas e das universidades nacionais. Quem fosse pego lendo
Geografia da Fome, ou outro clássico escrito pelo homem que lutou contra a
desnutrição e em prol da paz, estava passível de ser enquadrado na lei de
segurança nacional, pois sua produção tornou-se tema proibido.
Escancarar as
estruturas de dominação forjadas pelo homem contra o próprio homem foi
considerado o grande pecado de Josué de Castro, pois sua ousadia ao denunciar
as injustiças sociais garantiu-lhe a ira de inimigos poderosos, pessoas
beneficiadas pelo modelo que ainda tem sua vigência nos dias atuais,
principalmente quando, com a urbanização anômala e acelerada, recrudesceu o
problema da fome e da miséria.
Constatar que
Josué de Castro e sua vasta produção ainda são desconhecidos soa como algo
misterioso e inadmissível em pleno século XXI, tendo em vista a importância e a
atualidade do pensamento deste teórico nacional para a compreensão e elucidação
dos graves transtornos sociais que se agigantam cotidianamente, pois a
confirmação de profecias feitas há mais de quarenta anos é reconhecida no presente.
Por essa
razão, justifica-se a busca para alcançar objetivos definidos em projeto de
extensão apresentado ao Departamento de Geografia do Campus Central da
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, denominado Discutindo a importância e a atualidade o
pensamento de Josué de Castro em Escolas Públicas Municipais e Estaduais de
Mossoró/RN.
Intuindo
assinalar a participação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte nas
comemorações do centenário de nascimento de Josué de Castro, ocorrido no ano de
2008, buscamos assistir a um público-alvo bastante parecido no que tange às
origens do injustiçado cientista brasileiro.
Quando da
aplicação desse projeto de extensão, observamos imediata identificação dos alunos
com a vida, com as idéias e com a permanência de suas defesas. Nascido em zona
miserável da capital pernambucana, no dia cinco de setembro de 1908, Josué de
Castro nunca esqueceu suas origens, pois mesmo quando desempenhava a mais alta
e importante função, quando de suas gestões no Fundo das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação, criada sob os auspícios do seu particular amigo Lord
J. Boyd Orr, sempre voltava aos mangues recifenses para ouvir seus personagens
de infância, os catadores de caranguejos, saber como vivam, o que pensavam e o
que sofriam devido à intensidade das mazelas sociais que nos dias de hoje são
mais intensas e profusamente presentes em nossa sociedade.
Josué de
Castro teve a iniciativa de pintar o quadro social com cores berrantes, não
poupando o dramático e tétrico problema da fome em sua real dimensão, tendo
alertado as autoridades mundiais para o colapso geral caso não abrissem mãos
das vantagens impressionantes desfrutadas por uma pequeníssima minoria
privilegiada e agraciada com todos os benefícios da exclusão da grande maioria,
pois afirmou que um terço da população mundial não dormia temendo os outros
dois terços que passavam fome.
A defesa
intransigente da paz se constituiu em um dos pilares das propostas de solução para
o problema da fome no planeta. Josué de Castro defendeu com entusiasmo que a
segurança social, compreendida pelo investimento em saúde, educação, cultura,
nutrição etc., é muito e infinitamente mais importante que a segurança nacional
baseada em armas, não se justificando o destino astronômico de recursos para a
modernização do setor armamentista, o qual tem uma única finalidade, quer seja,
fomentar a morte e a destruição.
Com certeza,
encontra-se uma importante explicação para o ódio devotado pela ditadura
militar contra Josué de Castro nesta máxima em prol da vida, da harmonia e da
solidariedade entre os povos.
A indicação de
Josué de Castro duas vezes para o Nobel da Paz encontra-se na intransigência
com que defendeu a idéia de que a felicidade humana, traduzida na segurança
social, é mais importante do que a ênfase aos disparos de canhões e
metralhadoras que levam a desgraça aos quatro cantos do planeta.
Levar o
exemplo de Josué de Castro para estudantes do ensino fundamental de escolas
públicas municipais e estaduais, seja de Mossoró ou de qualquer outro município
potiguar ou brasileiro, constitui-se, indubitavelmente, em importante
fundamento que alicerça a formação de novas consciências, tendo em vista que ao
superar a pobreza crônica, apostando na educação e na cultura, fez de Josué de
Castro modelo a ser seguido a fim de buscar novos horizontes em uma sociedade
estruturada de forma rígida e inflexível no que diz respeito à manutenção dos
privilégios que a cada dia que passa se tornam mais intensos e desrespeitosos
para os que sofrem com as condições sociais aviltantes impostas pelos homens
contra os próprios homens.
Em primeiro de
abril de 1964, o pernambucano e cidadão do mundo Josué Apolônio de Castro se
encontrava ocupando o posto de embaixador do Brasil junto aos organismos da
ONU, em Genebra, Suíça. Na década de 50 havia ocupado a presidência da FAO,
marcando época em razão da forma intransigente como defendeu o acesso pleno da
população do globo às conquistas da era moderna, incluindo, primordialmente, o
direito de toda a população do planeta desfrutar de nutrição digna, bem como a
implementação de uma existência humana sob a égide da paz.
Com o advento
do regime militar, triunfando idéias reacionárias e conservadoras, as quais se
contrapunham às propostas inovadoras do governo Jango, Josué de Castro pediu
demissão do alto cargo que ocupava a serviço do governo democrático brasileiro.
Esse
brasileiro que lutou incessantemente em prol da paz e pela erradicação da fome
no planeta encabeçava lista de banidos, divulgada pelo Ato Institucional Nº 1,
cuja publicação foi efetivada onze dias após o golpe de 1964. Os militares
escolheram a dedo importantes personalidades dos cenários político-sociais e
intelecto-culturais brasileiros, consideradas esquerdistas, cujas idéias eram
contrárias à bandeira erguida sobre o lema Deus, Pátria e Família, tornando-os
renegados. Os objetivos, claros e óbvios, eram destilar ódio e garantir a
manutenção do status quo que estava sendo ameaçado pelas idéias
populistas do herdeiro político de Vargas, deposto pela força das baionetas,
bem como das de suas bases de sustentação, as quais abrigavam também os temidos
comunistas.
Josué de
Castro escolheu Paris, capital da França, para fixar-se com a família durante o
exílio, o qual pensava ser breve, em sua lúdica imaginação. Lecionou em
instituições de ensinos superiores francesas e se aproximou mais ainda de
importantes personalidades mundiais, frisando que o mesmo era uma dessas. Nas
décadas de 50 e 60 do século passado, três figuras eram indispensáveis quando
das reuniões da Organização das Nações Unidas, cujos temas se referissem ao
gênero humano: Lord Boyd Orr, o idealizador da FAO, Bertrand Russel e Josué de
Castro. Esse grande brasileiro não esqueceu de dar continuidade às suas
batalhas em prol da melhoria da qualidade de vida de significativa parcela da
humanidade, a qual ainda sofre de forma inclemente com os efeitos da fome
epidêmica. Concentrou sua preocupação e propostas, primordialmente, na busca de
solução para os dramas que afligem excluídos do Terceiro Mundo.
Pacifista por
convicção, Josué de Castro acreditava que revertendo o montante volumoso de
capitais destinado ao armamentismo, aplicando-o na produção visando atender
necessidades básicas dos seres humanos do planeta, seriam atingidos níveis
satisfatórios de desenvolvimento humano em todo o mundo.
Condenou com
veemência a dinâmica da indústria bélica, alimentada pelo ódio e pela busca da
hegemonia, do poder estratégico em diversas escalas. Os militares, cujo pensamento
era contrário às idéias e às lutas encabeçadas por Josué de Castro, sabiam da
importância desse cientista e ativo militante político, principalmente no que
diz respeito à necessidade
As
instituições de ensinos superiores foram proibidas de comentar, explanar
divulgar ou até mesmo fazer breves referências sobre o homem que revolucionou a
Ciência, devido inovação metodológica que permitiu mapear os grandes problemas
sociais enfrentados pelo país e pelo mundo. Livros de sua autoria foram banidos
das universidades brasileiras e bibliotecas, sendo declarados malditos. Sua
principal obra, intitulada Geografia da Fome, de 1946, é um marco no que diz
respeito à elucidação dos contrastes da realidade brasileira. Cinco anos
depois, quando do lançamento de Geopolítica da Fome, Josué de Castro dinamizou
o mais importante estudo realizado no planeta sobre o grande flagelo que
maltrata parcela significativa da humanidade.
A pregação pacifista de Josué de Castro, bem como sua desmistificação ao
ufanismo que caracterizou acentuadamente as décadas de cinqüenta e sessenta,
provando cientificamente os males e as agruras da fome, até então ocultos, o
transformou em persona non grata ao regime militar brasileiro, então
representante e gestor dos interesses da elite hegemônica e do capital
transnacional.
Em Paris, Josué de Castro tentou, sem nenhum sucesso, fazer com que a embaixada
brasileira enfatizasse os trâmites legais a fim de que este renomado cientista
pudesse regressar ao solo brasileiro. Todos os seus pedidos foram insistentemente
negados.
A Ditadura
Militar, cujos dirigentes viam o armamentismo como condição imprescindível de
existência, enxergava em Josué Apolônio de Castro uma ameaça potencial à
efetivação de seus interesses, de servir à burguesia em suas pretensões de
maximização de lucros.
Lutar em favor dos deserdados do sistema representaria contestação inadmissível ao poder das baionetas. Torturas e inúmeras arbitrariedades, assessoradas pelo Ato Institucional Nº 5, eram fatos corriqueiros na conjuntura nefasta dominada pelo terror imposto pelos militares.
Uma semana antes do dia 24 de setembro de 1973, quando faleceu o mais influente e importante cientista e militante político brasileiro do século XX, morto de infarto e, mais ainda, provocado pela saudade do Brasil, detentor do título de cidadão do mundo, indicado duas vezes para concorrer ao prêmio Nobel da Paz, entre outros, como o Prêmio da Academia de Ciências dos EUA, reiterou, sem sucesso, solicitação à embaixada brasileira de visto em passaporte.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
CARDOSO, José
Romero Araújo; MENDES, Benedito Vasconcelos. “Discutindo a Importância da
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ed. Revista. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984
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Acesso em 22 de janeiro de 2013
TENDLER, Sílvio. Josué
de Castro - Cidadão do Mundo.[Vídeo–documentário]. Rio de Janeiro:
Bárbaras Produções, 1996
JOSÉ ROMERO ARAÚJO
CARDOSO
Especialista
em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos
(UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento
de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de
Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos
seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema
presente em pesquisas. Contato: romero.cardoso@gmail.com.
BENEDITO
VASCONCELOS MENDES
Graduação em
Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (1969), Mestrado em
Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1975) e Doutorado
em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo (1980). Atualmente
é professor adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte
(EMPARN), ex-chefe geral da EMBRAPA MEIO NORTE, em Teresina-PI, ex-presidente
da Fundação de Pesquisa Guimarães Duque e atual Superintendente Federal de
Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte. Publicou vários livros sobre o
desenvolvimento regional, entre eles: Alternativas tecnológicas para a
agropecuária do Semi-Árido (Ed. Nobel, São Paulo), Plantas e animais para o
Nordeste (Ed. Globo, Rio de Janeiro) e Biodiversidade e desenvolvimento
sustentável do Semiárido (editado pela SEMACE, Fortaleza-CE).
CONTINUA...
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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