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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

JOSUÉ DE CASTRO E AS FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO CURAR – Parte 2

Por José Romero Araújo Cardoso – UERN-Mossoró-RN e Benedito Vasconcelos Mendes - UERN -Mossoró-RN

Mães aflitas, viúvas das secas e dos descasos, choram pelo destino que o sistema relegou aos seus filhos, aos quais tudo é negado, desde um prato de comida decente à educação de qualidade que possa garantir-lhes um futuro melhor, com esperanças e felicidades, não esquecendo ainda que saúde também é algo negado de forma injuriosa e infame. A injustiça tornou-se palavra de ordem no imaginário dos poderosos. Historicamente, a pobreza vem sendo tratada como caso de polícia, pois exemplo disso temos na forma desumana como os aparelhos repressivos do Estado trataram Canudos, como verdadeiro caso de segurança nacional, simplesmente por que a sociedade alternativa fundada no sertão baiano conseguiu superar os limites extremos da exploração desmedida capitaneada pelo draconiano latifúndio que impera desde a formação sócio-econômica brasileira.

A intensificação do drama da fome foi profetizada e alertada pelo cientista Josué Apolônio de Castro (Recife – 05/09/1908 – Paris–24/09/1973) quando de sua magnífica campanha em prol da erradicação do maior drama da humanidade, mas desde então nada foi feito, pelo contrário, pois o problema ainda está sendo encarado como um tema proibido, o qual escancara a mesquinhez contida na manutenção e na reprodução das estruturas de poder que privilegiam poucos e humilham a grande maioria excluída do complexo processo que caracteriza os dias atuais.

A ousadia e a independência de Josué de Castro, quando denunciou a fome como flagelo fabricado pelos homens, foram responsáveis por momentos ímpares na história da humanidade, mas que, infelizmente, responsabilizaram-se também pelos momentos de angústia que o levaram à morte prematura em seu exílio na França, imposto pela intransigência dos militares que derrubaram o governo constitucional de João Goulart, histórico herdeiro político de Vargas.

Refletir sobre as bases do pensamento do importante teórico nacional, reconhecendo a importância da atualidade de suas pregações e defesas, é condição sine qua non para que busquemos lutar pela superação dos aviltantes contrates que separam incluídos e excluídos, contribuindo dessa forma para a consolidação de um mundo melhor, com justiça social e harmonia para o gênero humano. Insistindo em não curar as feridas abertas com o drama da fome, os poderosos do planeta alimentam insatisfações cujas conseqüências poderão se revelar imprevisíveis, pois a partir do momento que o grito dos excluídos tornar-se mais intenso e estridente talvez a composição contida na superestrutura não surta tanto efeito a fim de abafar as reclamações que se avolumam de forma impressionante devido a ausência de amor que vem sendo observada na conjuntura em que impera a ganância e a falta de compromissos com a sofrida realidade humana daqueles que estão à espera de olhares mais humanos e compenetrados com suas situações desesperadoras.

A publicação pelo alto comando militar do Ato Institucional número 1, em abril de 1964, trouxe em sua lista os nomes cassados de vários políticos e personalidades ligados ao governo deposto de João Goulart, encontrando-se entre esses o do médico, geógrafo e sociólogo brasileiro, cidadão do mundo, Josué Apolônio de Castro, autor de grandes clássicos como Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951), considerados importantes contribuições para as causas humanas, publicados pós-segunda guerra mundial.

Josué de Castro escolheu a França para o exílio, voltando a ministrar aulas em grandes instituições de ensino superior, como a Sorbonne e Vincennes. Instalado na capital francesa, intensificou a luta humanista que marcou toda a vida do grande cientista nacional.

No Brasil, a ditadura militar considerou Josué de Castro persona non grata, recolhendo seus livros das bibliotecas e das universidades nacionais. Quem fosse pego lendo Geografia da Fome, ou outro clássico escrito pelo homem que lutou contra a desnutrição e em prol da paz, estava passível de ser enquadrado na lei de segurança nacional, pois sua produção tornou-se tema proibido.

Escancarar as estruturas de dominação forjadas pelo homem contra o próprio homem foi considerado o grande pecado de Josué de Castro, pois sua ousadia ao denunciar as injustiças sociais garantiu-lhe a ira de inimigos poderosos, pessoas beneficiadas pelo modelo que ainda tem sua vigência nos dias atuais, principalmente quando, com a urbanização anômala e acelerada, recrudesceu o problema da fome e da miséria.

Constatar que Josué de Castro e sua vasta produção ainda são desconhecidos soa como algo misterioso e inadmissível em pleno século XXI, tendo em vista a importância e a atualidade do pensamento deste teórico nacional para a compreensão e elucidação dos graves transtornos sociais que se agigantam cotidianamente, pois a confirmação de profecias feitas há mais de quarenta anos é reconhecida no presente.

Por essa razão, justifica-se a busca para alcançar objetivos definidos em projeto de extensão apresentado ao Departamento de Geografia do Campus Central da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, denominado Discutindo a importância e a atualidade o pensamento de Josué de Castro em Escolas Públicas Municipais e Estaduais de Mossoró/RN.

Intuindo assinalar a participação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte nas comemorações do centenário de nascimento de Josué de Castro, ocorrido no ano de 2008, buscamos assistir a um público-alvo bastante parecido no que tange às origens do injustiçado cientista brasileiro.

Quando da aplicação desse projeto de extensão, observamos imediata identificação dos alunos com a vida, com as idéias e com a permanência de suas defesas. Nascido em zona miserável da capital pernambucana, no dia cinco de setembro de 1908, Josué de Castro nunca esqueceu suas origens, pois mesmo quando desempenhava a mais alta e importante função, quando de suas gestões no Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, criada sob os auspícios do seu particular amigo Lord J. Boyd Orr, sempre voltava aos mangues recifenses para ouvir seus personagens de infância, os catadores de caranguejos, saber como vivam, o que pensavam e o que sofriam devido à intensidade das mazelas sociais que nos dias de hoje são mais intensas e profusamente presentes em nossa sociedade.

Josué de Castro teve a iniciativa de pintar o quadro social com cores berrantes, não poupando o dramático e tétrico problema da fome em sua real dimensão, tendo alertado as autoridades mundiais para o colapso geral caso não abrissem mãos das vantagens impressionantes desfrutadas por uma pequeníssima minoria privilegiada e agraciada com todos os benefícios da exclusão da grande maioria, pois afirmou que um terço da população mundial não dormia temendo os outros dois terços que passavam fome.

A defesa intransigente da paz se constituiu em um dos pilares das propostas de solução para o problema da fome no planeta. Josué de Castro defendeu com entusiasmo que a segurança social, compreendida pelo investimento em saúde, educação, cultura, nutrição etc., é muito e infinitamente mais importante que a segurança nacional baseada em armas, não se justificando o destino astronômico de recursos para a modernização do setor armamentista, o qual tem uma única finalidade, quer seja, fomentar a morte e a destruição.

Com certeza, encontra-se uma importante explicação para o ódio devotado pela ditadura militar contra Josué de Castro nesta máxima em prol da vida, da harmonia e da solidariedade entre os povos.

A indicação de Josué de Castro duas vezes para o Nobel da Paz encontra-se na intransigência com que defendeu a idéia de que a felicidade humana, traduzida na segurança social, é mais importante do que a ênfase aos disparos de canhões e metralhadoras que levam a desgraça aos quatro cantos do planeta.

Levar o exemplo de Josué de Castro para estudantes do ensino fundamental de escolas públicas municipais e estaduais, seja de Mossoró ou de qualquer outro município potiguar ou brasileiro, constitui-se, indubitavelmente, em importante fundamento que alicerça a formação de novas consciências, tendo em vista que ao superar a pobreza crônica, apostando na educação e na cultura, fez de Josué de Castro modelo a ser seguido a fim de buscar novos horizontes em uma sociedade estruturada de forma rígida e inflexível no que diz respeito à manutenção dos privilégios que a cada dia que passa se tornam mais intensos e desrespeitosos para os que sofrem com as condições sociais aviltantes impostas pelos homens contra os próprios homens.

Em primeiro de abril de 1964, o pernambucano e cidadão do mundo Josué Apolônio de Castro se encontrava ocupando o posto de embaixador do Brasil junto aos organismos da ONU, em Genebra, Suíça. Na década de 50 havia ocupado a presidência da FAO, marcando época em razão da forma intransigente como defendeu o acesso pleno da população do globo às conquistas da era moderna, incluindo, primordialmente, o direito de toda a população do planeta desfrutar de nutrição digna, bem como a implementação de uma existência humana sob a égide da paz.

Com o advento do regime militar, triunfando idéias reacionárias e conservadoras, as quais se contrapunham às propostas inovadoras do governo Jango, Josué de Castro pediu demissão do alto cargo que ocupava a serviço do governo democrático brasileiro.

Esse brasileiro que lutou incessantemente em prol da paz e pela erradicação da fome no planeta encabeçava lista de banidos, divulgada pelo Ato Institucional Nº 1, cuja publicação foi efetivada onze dias após o golpe de 1964. Os militares escolheram a dedo importantes personalidades dos cenários político-sociais e intelecto-culturais brasileiros, consideradas esquerdistas, cujas idéias eram contrárias à bandeira erguida sobre o lema Deus, Pátria e Família, tornando-os renegados. Os objetivos, claros e óbvios, eram destilar ódio e garantir a manutenção do status quo que estava sendo ameaçado pelas idéias populistas do herdeiro político de Vargas, deposto pela força das baionetas, bem como das de suas bases de sustentação, as quais abrigavam também os temidos comunistas.

Josué de Castro escolheu Paris, capital da França, para fixar-se com a família durante o exílio, o qual pensava ser breve, em sua lúdica imaginação. Lecionou em instituições de ensinos superiores francesas e se aproximou mais ainda de importantes personalidades mundiais, frisando que o mesmo era uma dessas. Nas décadas de 50 e 60 do século passado, três figuras eram indispensáveis quando das reuniões da Organização das Nações Unidas, cujos temas se referissem ao gênero humano: Lord Boyd Orr, o idealizador da FAO, Bertrand Russel e Josué de Castro. Esse grande brasileiro não esqueceu de dar continuidade às suas batalhas em prol da melhoria da qualidade de vida de significativa parcela da humanidade, a qual ainda sofre de forma inclemente com os efeitos da fome epidêmica. Concentrou sua preocupação e propostas, primordialmente, na busca de solução para os dramas que afligem excluídos do Terceiro Mundo.

Pacifista por convicção, Josué de Castro acreditava que revertendo o montante volumoso de capitais destinado ao armamentismo, aplicando-o na produção visando atender necessidades básicas dos seres humanos do planeta, seriam atingidos níveis satisfatórios de desenvolvimento humano em todo o mundo.

Condenou com veemência a dinâmica da indústria bélica, alimentada pelo ódio e pela busca da hegemonia, do poder estratégico em diversas escalas. Os militares, cujo pensamento era contrário às idéias e às lutas encabeçadas por Josué de Castro, sabiam da importância desse cientista e ativo militante político, principalmente no que diz respeito à necessidade

As instituições de ensinos superiores foram proibidas de comentar, explanar divulgar ou até mesmo fazer breves referências sobre o homem que revolucionou a Ciência, devido inovação metodológica que permitiu mapear os grandes problemas sociais enfrentados pelo país e pelo mundo. Livros de sua autoria foram banidos das universidades brasileiras e bibliotecas, sendo declarados malditos. Sua principal obra, intitulada Geografia da Fome, de 1946, é um marco no que diz respeito à elucidação dos contrastes da realidade brasileira. Cinco anos depois, quando do lançamento de Geopolítica da Fome, Josué de Castro dinamizou o mais importante estudo realizado no planeta sobre o grande flagelo que maltrata parcela significativa da humanidade.

A pregação pacifista de Josué de Castro, bem como sua desmistificação ao ufanismo que caracterizou acentuadamente as décadas de cinqüenta e sessenta, provando cientificamente os males e as agruras da fome, até então ocultos, o transformou em persona non grata ao regime militar brasileiro, então representante e gestor dos interesses da elite hegemônica e do capital transnacional.

Em Paris, Josué de Castro tentou, sem nenhum sucesso, fazer com que a embaixada brasileira enfatizasse os trâmites legais a fim de que este renomado cientista pudesse regressar ao solo brasileiro. Todos os seus pedidos foram insistentemente negados.

A Ditadura Militar, cujos dirigentes viam o armamentismo como condição imprescindível de existência, enxergava em Josué Apolônio de Castro uma ameaça potencial à efetivação de seus interesses, de servir à burguesia em suas pretensões de maximização de lucros.

Lutar em favor dos deserdados do sistema representaria contestação inadmissível ao poder das baionetas. Torturas e inúmeras arbitrariedades, assessoradas pelo Ato Institucional Nº 5, eram fatos corriqueiros na conjuntura nefasta dominada pelo terror imposto pelos militares.

Uma semana antes do dia 24 de setembro de 1973, quando faleceu o mais influente e importante cientista e militante político brasileiro do século XX, morto de infarto e, mais ainda, provocado pela saudade do Brasil, detentor do título de cidadão do mundo, indicado duas vezes para concorrer ao prêmio Nobel da Paz, entre outros, como o Prêmio da Academia de Ciências dos EUA, reiterou, sem sucesso, solicitação à embaixada brasileira de visto em passaporte.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

CARDOSO, José Romero Araújo; MENDES, Benedito Vasconcelos. “Discutindo a Importância da Atualidade do Pensamento de Josué de Castro em Escolas das Redes Estadual e Municipal de Ensino do Município de Mossoró - Estado do Rio Grande do Norte”.Mossoró/RN, PROEX/UERN, 2008 (Projeto de Extensão)
CASTRO, Anna Maria de (org.). Fome:um tema proibido - últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
CASTRO, Josué Apolônio de. Geografia da Fome – O dilema brasileiro – Pão ou Aço. 10 ed. Revista. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984
_____. Geopolítica da Fome – Ensaio sobre os problemas de alimentação e de população no mundo. 4 ed. Revista e aumentada. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957, vol. 1 e 2
____. O livro negro da fome. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957.
_____. Ensaios de Geografia Humana. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957
_____. Ensaios de Biologia Social. São Paulo: Editora Brasiliense, 1957
_____. Homens e Caranguejos. Porto: Editora. Brasília, 1967
MENEZES, Francisco R. de Sá. Josué de Castro: Por um mundo sem fome. São Paulo: Mercado Cultural, 2004. 120p. il. (Projeto Memória, 8)
CASTRO, Josué de. Disponível em .< http://www.josuedecastro.org.br/jc/jc.html.> . Acesso em 22 de janeiro de 2013
"Geografia da Fome", de Josué de Castro, faz 60 anos. Disponível em <http://www.fomezero.gov.br/noticias/geografia-da-fome-de-josue-de-castro-faz-quarenta-anos.> Acesso em 22 de janeiro de 2013
TENDLER, Sílvio. Josué de Castro - Cidadão do Mundo.[Vídeo–documentário]. Rio de Janeiro: Bárbaras Produções, 1996

JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO

Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Contato: romero.cardoso@gmail.com.

BENEDITO VASCONCELOS MENDES

Graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (1969), Mestrado em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1975) e Doutorado em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo (1980). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), ex-chefe geral da EMBRAPA MEIO NORTE, em Teresina-PI, ex-presidente da Fundação de Pesquisa Guimarães Duque e atual Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte. Publicou vários livros sobre o desenvolvimento regional, entre eles: Alternativas tecnológicas para a agropecuária do Semi-Árido (Ed. Nobel, São Paulo), Plantas e animais para o Nordeste (Ed. Globo, Rio de Janeiro) e Biodiversidade e desenvolvimento sustentável do Semiárido (editado pela SEMACE, Fortaleza-CE).

CONTINUA...

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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