Por Diogo Guedes
Clássico sobre
o cangaço, livro de Frederico Pernambucano de Mello completa 30 anos.
O volume
'Guerreiros dos Sol' vai ser tema de homenagem e debate na Academia
Pernambucana de Letras em novembro.
Lampião e
Maria Bonita na ribeira do Capiá, em Alagoas, no ano de 1936
Benjamin
Abrahão.
Que Lampião
foi derrotado e morto pelas forças policiais em julho de 1938 não há dúvidas. A
sua derrota, no entanto, não foi completa, como afirma o historiador Frederico
Pernambucano de Mello: se perdeu militarmente, o Rei do Cangaço foi vitorioso
esteticamente. Ainda hoje o seu chapéu e seu uniforme cheio de ouro e detalhes
bordados talvez seja o principal símbolo do Nordeste brasileiro; e, não por
acaso, seja em uma visão romantizada ou através do repúdio, ele continua sendo
alvo de fascínio.
Apontado por
nomes como Gilberto Freyre, Ariano Suassuna e Evaldo Cabral de Mello como um
dos livros fundamentais para se entender a existência do cangaço, o volume Guerreiros
do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste Pernambucano (Girafa) já pode
ser considerado um clássico dentre os estudos históricos sobre a região e o
fenômeno dos bandos violentos. Em sua 5ª edição revista e ampliada, a obra
completa 30 anos de criação neste ano – para celebrar a data, a Academia
Pernambucana de Letras organiza, no dia 9 de novembro, uma homenagem ao livro,
com uma palestra da escritora Anna Maria César.
“Quando o
livro foi feito, em 1985, o cangaço era usado muitas vezes como pretexto pelo
marxismo para falar que havia ali uma luta de classe contra o poder dos
coronéis. A universidade era tomada por essa interpretação. Como dizia Gilberto
Freyre, o problema era o ‘suficientismo’ dos marxistas – e que existe em
qualquer ‘ismo’ – que permitia que a doutrina atropelasse os fatos. Para mim,
se a doutrina atropela o fato, é melhor ficar com o fato”, comenta Frederico.
A percepção
veio de um encontro com o cangaceiro Medalha que, quando Frederico ainda era um
estudante, revelou que cangaceiros quase nunca eram perseguidos por coronéis –
seus adversários eram a polícia. “Lampião mesmo se considerava um coronel sem
terras. O poder dele não era o poder da terra, era o das armas”, conta o autor.
Uma das grandes contribuições do volume foi justamente a de mostrar, com
inúmeros exemplos, que os cangaceiros eram parceiros dos coronéis.
Além disso,
Frederico aponta na obra que também é preciso ver o cangaço como parte da
resistência de um interior dominado pelo arcaísmo e pelos poderes não oficiais,
como os coronéis, ante a pretensão de domínio e ordem dos governos litorâneos.
“Na obra, eu começo apresentando o palco, o Sertão, depois falo dos
protagonistas, os vários guerreiros, e finalmente chego no ator principal, os
cangaceiros”, explica o autor. A obra ainda demonstra que os cangaceiros
gostavam de falar que entraram no banditismo para vingar questões de honra, mas
muitos deles, como Lampião, nunca se dedicaram a praticar a desforra –
tratava-se de um pretexto, um “escudo ético”, na expressão de Frederico.
Guerreiros do
Sol, claro, também se dedica ao Rei do Cangaço, símbolo máximo do banditismo no
interior do Nordeste. “Lampião era um imenso marqueteiro de si mesmo”, define o
pesquisador. “Ele era um homem de negócios muito inteligente, muito sagaz. As
noções de negócios ele pegou com Delmiro Gouveia, terminando por criar o que
chamo de ‘Cangaço S/A’: ele chegava a franquear as ações dele em vários bandos,
ainda que mantivesse um grupo de confiança e valentia ao redor de si.”
Não por acaso,
a morte de Lampião e a derrocada do cangaço merecem atenção especial na obra –
e ainda hoje são temas que interessam a Frederico. “Há ocasos que são
esplendorosos”, afirma. A criação das roupas belas e detalhadas para o bando –
o próprio Rei do Cangaço costumava costurar seus trajes e pode ser considerado
uma espécie de estilista do fenômeno – já inspirou o autor a escrever Estrelas
de Couro: a Estética do Cangaço.
O material de
colecionador que possui, inclusive, já o inspirou a tentar criar um Museu do
Cangaço em Pernambuco – algumas negociações já foram feitas, mas Frederico
ainda procura parceiros. Além disso, ele prepara atualmente duas obras. A
primeira, Guerra em Guararapes e Outros Estudos, reúne um longo estudo sobre o
conflito pernambucano, com especial atenção a aspectos da história militar,
previsto para 2016. A segunda é sobre o cangaço, focado especialmente no
episódio da morte da Lampião. Em pesquisas recentes, já descobriu novos fatos:
um documento que mostra que Lampião pretendia ir para Minas Gerais a convite da
família Maciel, para participar do conflito contra os Borges; e uma análise –
feita por ninguém menos que o historiador e especialista em táticas militares
Peter Burke – sobre como o território da Grota do Angico foi prejudicial para o
combate que o vitimou.
PALAVRAS-CHAVE
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2015/10/20/classico-sobre-o-cangaco-livro-de-frederico-pernambucano-de-mello-completa-30-anos-204318.php
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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