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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

NÃO EXISTE HISTÓRIA SE NÃO HÁ TRADUTORES.

Por Antonio Corrêa Sobrinho

AMIGOS,

Não existe história se não há tradutores.

Infindáveis foram os fatos e acontecimentos que simplesmente se perderam no tempo, de forma definitiva e absoluta.

Quantas e quantas pessoas viveram de forma extraordinária, quer pelas trilhas do bem, quer pelas do mal, mas os seus singulares e especiais momentos, atos, gestos e atitudes passaram despercebidos, perderam-se para sempre, deixaram de fazer parte integrante da história.

No banditismo nordestino dos idos passados, por exemplo, temos o nosso Virgulino Lampião, que não se lhe faltou biógrafos, ao contrário do bandoleiro do Sul, Cipriano Moreira, vulgo “LÉ”, que, segundo a matéria que trago abaixo, do jornal o Globo, de 03.12.1931, viveu na mesma época de Lampião e, como este, praticou fortes e significantes coisas, muitas delas causadoras de sérios prejuízos à coletividade, no entanto, salvo melhor informação, pelo menos por aqui, no Nordeste, nada sabemos a respeito deste que o jornal chama de “Lampião do Sul”, além destas breves e superficiais linhas do diário carioca.


TAMBÉM O SUL TEM O SEU “LAMPIÃO”
“CORDAS NÃO ME AMARRAM, NEM NADA ME AMARRA...!”

A história sinistra de “Lé”, que a polícia do Paraná acaba de prender – Um pedaço de tragédia na vida desse terrível bandoleiro.

CURITIBA, 30 de novembro (Especial para o GLOBO) – A polícia paranaense acaba de lavrar um tento prendendo um dos maiores facínoras dos nossos sertões. É ele Cipriano Moreira, mais conhecido pela alcunha de “Lé”.

A prisão e a vida desse terrível bandoleiro dão elementos de sobra para a confecção de um livro de alta emoção, não pelos seus aspectos literários, no caso coisa secundária, mas pelos atos de verdadeira selvageria praticados por esse facínora, cuja vida constitui um rosário infindável de crimes contra a moral e a propriedade, e também contra a vida de indefesas criaturas que o destino colocou à sua frente.

Não pretendemos aqui anotar todos os crimes praticados por Lé nos sertões do sul do país, quase todos produtos de tocaias sinistras armadas à beira dos caminhos desertos, nas estradas sem fim que se estendem pelo nosso interior. Vamos, apenas, focalizar aspectos e fatos dessa existência de aventureiro terrível que mata tão somente pelo prazer de ver a sua vítima tombar para sempre.

Os sertões do nosso país, onde, como lei monstruosa, impera a Winchester dizimadora, tem vivido até esta data no mais completo e absoluto abandono. As polícias estaduais, impotentes para impedir tantas monstruosidades, pois que luta com o desconhecimento das regiões e a falta lamentável de locomoção, nada tem conseguido contra a ação desses facínoras, pois que eles, além do mais conhecem, palmo a palmo, a região sertaneja, e também os segredos das caminhadas pelas estradas e picadas onde muito raramente, o homem civilizado penetra.

Indivíduos afeitos a todos os rigores de uma vida de aventuras sinistras, esses bandoleiros sabem aproveitar todas essas circunstâncias para aumentar, com o tombamento de vidas e assalto aos caminhantes descuidados, a bagagem dos seus crimes e covardias.

Livres assim da perseguição das autoridades, o bandoleiro ainda mais se anima e passa a aumentar a sua zona de ação, surgindo nas povoações, sempre temido por todos, mas negaceando à aproximação das forças policiais com a incursão novamente em regiões desconhecidas das escoltas que o perseguem. E dias depois, lá surge outra vez, numa cidadela mais distante a figura sinistra e temida do facínora, trazendo à cinta o facão e a pistola, seus companheiros de todas as horas e momentos.

QUEM É O “LAMPIÃO DO SUL”

Os bandoleiros são, não resta a menor dúvida, um produto da nossa lamentável organização política. Não fosse tão precária a justiça brasileira, que, no interior do país, é a primeira a reconhecer privilégios e castas, abandonando os pequeninos que a ela recorrem, e, por certo, o número dos “lampiões” não seria de molde a constituir o espantalho que hoje representa.

E, como o Norte, o Sul contava, também, até há bem poucos dias, o seu “Lampião” terrível.

Cipriano Moreira (é este o seu nome) fez-se bandoleiro e chefe tenebroso de um grupo de salteadores por uma circunstância toda especial. Não fora um enfeitiçado, mas um tarado, nascido para a aventura e para o crime.

O início da sua vida de criminoso data de há muitos anos e a sua primeira façanha foi praticada numa corrida de cavalos, no lugar denominado Butiazinho, em Santa Catarina. Cipriano, a uma discussão futilíssima, com dois indivíduos, não teve dúvidas em prostrá-los a tiros de garrucha.

E sem demonstrar muita preocupação pelo crime que tão covardemente praticara, Cipriano montou depois, com toda a calma, o seu fogoso corcel e rumou para a mata, onde se internou.

Durante a sua fuga, o facínora teve a necessidade de distanciar os seus perseguidores a tiros de pistola, mas o fez, segundo relatam, com calma e precisão dignas de registro. O homem não temia e tinha alma de sanguinário.

Todas as diligências foram feitas no sentido de arrebatá-lo ao crime, mas o bandoleiro conhecia perfeitamente os sertões e apagava, com uma habilidade espantosa, todas as pistas que a sua passagem pudesse deixar pelos caminhos percorridos.

E Lé, alcunha que lhe haviam dado no lugarejo onde vivera, passou a constituir um sério perigo para as populações do interior, chefe que agora era de um terrível grupo de salteadores e assassinos. E por onde passava, Lé ia deixando a dor e o luto e espalhando horror entre os indefesos habitantes das regiões.

A FAMA DE BANDOLEIRO

Os crimes, à proporção que iam sendo conhecidos, tornavam ainda maior a fama de Lé. Esta correu logo de Palmas a Barracão. E, por isso mesmo, disse, a esse propósito, em jornal curitibano.

Se cometia um assalto nos caminhos de Covó, deixando por terra um ou dois lavradores, após saqueá-los pouco depois surgia repentinamente nas proximidades de Separação, invadindo uma fazenda ou armando tocaias aos viajantes imprudentes.

O terror que Lé começou a inspirar aos habitantes da enorme zona sertaneja que vai das fraldas da serra da Mantiqueira às divisas de Barracão, na Argentina, foi terrível.

Não havia tropeiro ou dono de fazendas de gado ou de ervais que não temesse ao se pronunciar o nome do terrível saqueador.

Dirigindo bandoleiros capazes de tudo, a ação de Lé ocasionava diligências ativas da nossa polícia, com o auxílio de particulares.

O bandoleiro, porém, zombava de todos e de tudo, infestando larga faixa do sertão do Paraná e Santa Catarina, com destemor digno de melhores intenções.

AO ENCALÇO DO BANDIDO

Essa série interminável de crimes chamou desde logo a atenção do tenente da Força Militar do Estado, Sr. João Pinheiro, que se prontificou a prender o famoso criminoso, já então conhecido em todo o interior do Paraná e Santa Catarina como o “Lampião do Sul”.

Esse oficial que já efetuara a sensacional prisão de dois sentenciados foragidos, na zona de Rebouças, resolveu colocar-se à frente de uma valorosa escolta e penetrar no sertão, ao encalço do facínora.

E o bandoleiro, à proporção que a escolta avançava, internava-se mais para o sul, aparecendo em todas as localidades, deixando dessa sua passagem os traços mais horríveis. Assim foi de Palmas a Covó, Mangueirinha, Faxinal de São Bento, Barra Bonita, Costa do Rio Cupim, Bom Retiro, Pato Branco, Sant’Ana, Forquilha, Córrego Bonito, Lajeado, Sena de Sant’Ana, Campo Eré, Conceição, Iracotinga, Campo das Flores, Capinzal, Separação e Barracão, na fronteira com a Argentina.

UMA PERSEGUIÇÃO TENAZ

Nas localidades onde chegava o tenente Pinheiro ia conhecendo as novas façanhas de “Lampião do Sul”, o que mais ainda o animava na perseguição ao bando desse facínora.

Toda a sorte de contratempos sofreu o intrépido oficial na sua campanha. É que os bandidos iam, na sua passagem, cortando os postes e fios do Telégrafo, com o que atrasavam a marcha da escolta que os perseguia, evitando ainda que esta se comunicasse com as autoridades policiais dos lugarejos para onde se encaminhavam.

UM AUXILIAR VALENTE E ABNEGADO

O tenente João Pinheiro, o bravo comandante da escolta, era acompanhado por um amigo, Marcínio da Cruz Maia, valente e abnegado auxiliar da expedição. Seus serviços à escolta foram os mais assinalados e, por vezes, sua vida correu os mais sérios riscos.

A PRISÃO DO CRIMINOSO

O bravo oficial da Força Pública do Paraná ainda contou com o apoio decisivo de todas as autoridades policiais paranaense e catarinenses, o que, de certo modo, facilitou a sua missão.

E certo dia, tendo o bando de “Lampião do Sul” avançado cinco léguas, já se encontrando próximo à fronteira argentina, a escolta, que já fizera, em maus e arriscados caminhos, um percurso de quatorze léguas, expediu, logo que chegou a Campo do Erê, um telegrama às autoridades brasileiras de Barracão, avisando-as da aproximação do bando e dando sinais do bandoleiro chefe.

De posse de tão preciosos informes do tenente Pinheiro, os destacamentos catarinenses e paranaenses efetuaram, então, a prisão do facínora, só não alcançando o seu grupo porque este conseguiu ingressar em território argentino.

NA DOCE PAZ DOS SERTÕES

A prisão de “Lampião do Sul”, logo espalhada por todos os recantos do interior do Paraná e Santa Catarina, fez renascer logo a calma em todo o sertão, que voltou a gozar da sua doce paz. E as famílias sertanejas, que em grande número se haviam refugiado no mato, receosas dos bandidos, voltaram aos seus lares, sendo que algumas mesmo encaminhadas pelo próprio tenente João Pinheiro, que os foi buscar nos seus refúgios.

LAMPIÃO DO SUL E AS SUAS ORAÇÕES

A escolta do tenente Pinheiro, que percorreu nessa diligência de quinze dias, cerca de 15 léguas, passou logo após à prisão do bandido, uma revista nos seus bolsos, onde foram encontradas as seguintes orações:

“Oração de Santa Catarina. – Santa Catarina digna esposa do meu Senhor Jesus Cristo. Vós fostes aquela senhora que entrando na cidade achastes mil homens, todos bravos como leões, abrandastes os corações com a palavra da razão, assim rogo que abrandeis os corações de meus inimigos, que tenham olhos e não me enxerguem, tenham bocas e não me falem, tenham pernas e me não alcances, tenham braços e não me atem; fiquem imóveis como as pedras em seus lugares. Ouvi minha rogativa Virgem Mártir, para que eu alcance tudo quanto vos rogo, Santa Catarina rogais por nós. Amém. – Fim. ”

“Oração contra quem nos quer mal. – Meu amado São Manoel, que no mundo também sofrestes, que as serras subias, os mares atravessavas, as tempestades abrandavas, no raio que caía inundava a direção, para não causar prejuízo nem morte. Assim, meu amado São Manoel, faz com que estas dores passem, que meus sofrimentos abrandem e que em breve me ache com a vossa graça e misericórdia. Amém. – (a) Cipriano Moreira de Andrade.”

“CORDAS NÃO ME AMARRAM”

Preso, o facínora foi entregue, cuidadosamente amarrado, ao tenente João Pinheiro. Em Bom Retiro, porém, um fato interessante foi observado pelo oficial – ao verificar a segurança das amarras, o tenente Pinheiro notou que o bandido conseguira cortar as cordas, não explicando, no entanto, como o fizera.

O oficial interrogou-o demoradamente e, por fim, só obtive como resposta as seguintes palavras de Lé:

- Cordas não me amarram, nem nada me amarra. Eu se não fujo é porque não quero, porque estou sendo bem tratado.

Nada mais o bandido quis dizer. A escolta, por sua vez, prosseguiu viagem e já hoje o terrível “Lampião do Sul”, entregue às autoridades da União da Vitória, constitui apenas um terrível fantasma a bailar na imaginação, cansada pelas vigílias, das pobres populações dos nossos sertões...

Imagem: da esquerda para a direita: o facínora fotografado ao lado do seu perseguidor; este, à frente de sua escolta, logo após chegar a Palmas, de regresso de Barracão, onde recebeu o criminoso, que está, de capote, ao lado do oficial, e, por último, “Lampião do Sul” posando para a objetiva do representante do GLOBO.

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