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sexta-feira, 10 de novembro de 2017

NO REINO DO CURRAL

*Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

O Reino do Curral entremeia as primeiras penetrações pelo Rio São Francisco e o denominado Brasil do Couro, ou ainda a civilização do couro, como bem caracterizado por Capistrano de Abreu. Nas palavras do historiador, o couro sertanejo estava presente desde as portas aos alforjes, desde as bainhas às bruacas e os surrões. Além, logicamente, nos chapéus, gibões, perneiras e toda a indumentária vaqueira. Mas um couro que primeiro saiu dos currais ao longo do Velho Chico.
Sem os primeiros currais do Velho Chico não havia que se falar em reses, em carne de gado, em couro. Somente através dos cercados de beira de rio é que os criatórios e os rebanhos foram se expandido para outras distâncias. Com efeito, o período de fixação curraleira se dá entre os usos do rio como caminho e estrada, penetrando sertões adentro, até o advento do couro como produto imprescindível aos usos, costumes e comércio nordestino.
O Rio São Francisco, desde sua descoberta oficial em 1501 (por André Gonçalves e Américo Vespúcio), passou a se constituir no principal elo entre a região litorânea com os inóspitos e até então hostis sertões. A bem dizer, a terra nativa existente passou a ser descoberta, penetrada e povoada, a partir das beiradas do Velho Chico. As embarcações surgidas de muito além, trazendo nos seus apertados desde gente a bicho de cria, foram aportando nas ribeiras e daí permitindo as primeiras fixações colonizadoras.
O Reino do Curral nasceu assim. Seu surgimento se deu quando aqueles primeiros desbravadores aportaram às margens são-franciscanas e foram logo construindo pequenos cercados, os tão conhecidos currais, para que seu animais não debandassem e não se perdessem pelas vastidões daqueles desconhecidos sertões. Logo após uma faixa arenosa ou de vegetação rasteira a mata nativa encobria tudo, tornando perigoso demais que os pequenos rebanhos se arremetessem entre as serras e as selvas catingueiras.
Em Sergipe, três beiradas curraleiras são citadas como as mais importantes. Sobressaem-se o Curral dos Buracos, surgido através de Tomás de Bermudes, lá pelos meados dos anos mil e oitocentos, originando a Fazenda Buraco e posteriormente Porto da Folha, o Curral das Pedras, de propriedade de Tomé da Rocha Malheiros, nas ribeiras de onde hoje está localizada a cidade de Gararu, e, por fim, o Curralinho, nas barrancas do atual município de Poço Redondo, às margens do São Francisco.


Por ser a principal via de penetração para o inóspito interior nordestino, bem como por que pelo seu leito os viajantes levavam todos os pertences e crias, o São Francisco acabou se transformando na principal estrada sertões adentro. Estrada de água volumosa, grande, aonde grandes e médias embarcações conduziam as vidas que logo povoariam suas margens e os interiores mais distantes e desconhecidos. Mas não sem antes formarem pequenos, médios ou grandes currais.
Como as terras interiores ainda eram desconhecidas aos viajantes, e perigoso demais seria adentrar com suas famílias, pertences e animais de cria, então aqueles desbravadores, ao aportar, logo procuravam erguer tendas e barracos, bem como construir cercados para que seus animais não debandassem e se perdessem caatinga adentro. Tal preocupação com a proteção dos rebanhos era tamanha que currais eram levantados até na pedra, como de fato ocorreu no Curral das Pedras.
Bem antes disso, às margens do Velho Chico e por todo o interior sertanejo, tribos indígenas já tinham na terra sua fixação. Contudo, sem a criação de gado, não há que se falar em currais construídos pelos nativos. Somente com a chegada dos desbravadores é que os cercados passaram a fazer parte da paisagem ribeirinha. Em Sergipe, os mais importantes foram os três currais acima citados, mas já pelos idos de 1700 o militar e historiador Pedro Taques de Almeida informava em carta ser aquele o rio dos currais. E o motivo era o grande número deles ao longo de todo o rio. Também Capistrano de Abreu, ao cuidar do período colonial por ele denominado de a civilização do couro, confirma a importância dos currais como nascedouro da futura pecuária nordestina.  
Para o escritor e jesuíta Antonil, somente nas margens baianas havia cerca de setecentos currais. O grande número deve-se, contudo, a Casa da Torre (sede dos domínios da família Dias d’Ávila, embrião de uma espécie de morgado feudal surgido no século XVI e que durou cerca de 250 anos, expandindo suas terras por quase toda a região nordestina) que impulsionou a penetração interiorana através do rio e a criação de gado às suas margens, depois se expandindo para outras regiões nordestinas. Era interesse dos sócios da Casa da Torre também povoar as sesmarias, fazendo surgir inúmeras fazendas de gado.
Contudo, a formação dos principais currais sergipanos se deu principalmente como consequência da fuga do homem do litoral ao sertão, através do rio. Ou pela falta de terras para os rebanhos nas áreas tomadas pelo plantio da cana ou pelas revoltas coloniais que tangeram o homem para a segurança dos sertões, fugindo do litoral conflituoso. De qualquer modo, com ele, o boi, a vaca, o bezerro. E depois o curral, o couro, a pecuária sertaneja.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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