Por Sálvio
Siqueira
Na época do
cangaço, cangaceiros e volantes eram inimigos naturais, ou seja, um era
perseguido e o outro perseguidor.
Interessante era que nas duas ‘frentes’ estavam pessoas da mesma família. Havia, na vastidão do Pajeú das Flores, uma família composta por vários irmãos, destes, um passa para o lado cangaceiro e seus irmãos se engajam na volante.
Nos combates
que ocorriam entre eles, entre uma e outra pausa, se falavam aos gritos
perguntando e respondendo sobre outros familiares que ficaram em suas casas. Ao
despedir-se, sempre se ouvia de cima de um morro, um serrote ou uma colina um
longo e triste aboio como adeus. Por motivos vários, cangaceiros passaram a
servirem as Forças Públicas assim como soldados passaram a fazerem parte dos
bandos de bandoleiros.
Soldados se
destacavam em seu trabalho de caçar e combater cangaceiros. A promoção
recebida, naquela época, era de acordo pela quantidade e destaque do
cangaceiro. Exemplo maior se ver no decorrer do cangaço lampiônico quando um
simples contratado pernambucano, José Osório de Farias, mais conhecido por Zé
Rufino, galga os degraus das promoções até chegar ao coronelato pelas cabeças
dos cangaceiros que cortou.
Além de serem
incentivados com as promoções, alguns soldados ou comandantes de volantes,
querendo chamar a atenção da população para si, empregam desordens, maus-tratos
e outras mais, não sabemos quais nem quantas, perversidades nos simples
caboclos que moravam em singelas taperas, ou casas de taipas, pelo sertão
afora. Descendo o cacete no lombo dos coitados, ainda esbravejavam desaforos
para o chefe cangaceiro destacado no momento, achando que aquele seria o mais
rápido meio de chegar aos ouvidos dele. Assim, cidadãos que nada tinham de
acoitadores, e os que realmente tinham, tanto fazia, sofreram bastante nas mãos
deles. Chegamos a ver e ouvir remanescentes daquela época citarem que queriam,
mil vezes, estarem às voltas com Lampião e seu bando, do que estarem nas mãos
de determinado comandante de volante.
As perseguições e as ameaças soltadas aos quatro ventos chegavam, logicamente, ao ‘endereçado’. Devido a isso, além da natural inimizade entre eles, começava a surgir uma rixa muito grande entre ambos.
Manoel Batista de Morais - o chefe cangaceiro Antônio Silvino - baleado e preso
Na primeira
metade do ano de 1910, Antônio Silvino perambulava com sua horda nas imediações
da cidade de Patos, PB, quando, através de um comerciante recebe a notícia de
que o Alferes Maurício se encontrava por perto. Esse Alferes, tido como uma
pessoa violenta, em suas várias incursões em Povoados, Vilas e pequenas cidades
a caça de cangaceiros, ao descer o cacete nas pessoas, culpadas ou não, tanto
fazia para ele, bradava que sua meta seria acabar com o bando do Filho da
Fazenda Colônia, e em contra partida, retalharia sua pele a golpes de peixeira.
Acreditamos que intimamente nascera um ódio particular, aí perdera a razão da
sua missão, não só sobre a pessoa de Manoel Batista, mas, e principalmente,
sobre a fama do chefe cangaceiro. Talvez achasse que matando o bandoleiro a
fama recairia sobre si. A inveja não deixa de ser uma terrível doença, não é mesmo?
O escritor
Sérgio Dantas assim descreve o Alferes Maurício: “Arbitrário e violento, o
Alferes alimentava insaciável volúpia em torturar agricultores, à menor
suspeita que fossem coiteiros do “Capitão”. Seu chicote, invariavelmente,
permanecia à mostra. Possuía indizível prazer de exibir ao povo um poderoso
aparato bélico. Apresentava com orgulho a granada de uso privativo das Forças
Armadas. O Alferes, de fato, encarnava o que a Polícia da época poderia ter de
pior.” (DANTAS, 2012).
Silvino sabia
que essa maneira do Alferes agir, poderia sim colocar sua vida em risco. Ele
estava abrindo uma brecha no local mais frágil de sua defesa, que era a rede de
informantes e fornecedores. Debaixo do cacete ou na ponta do punhal, o cara
abriria a boca rapinho. Então, além das ameaças que já o deixaram maluco da
vida, essa seria mais uma razão para que o chefe cangaceiro partisse para o
contra ataque e fosse à busca da tropa comandada por ele, para acabar com o
perigo e o inimigo falastrão.
Seguindo com
seu novo intento, acabar com o Alferes Maurício, o “Rifle de Ouro” começa a
planejar como faria. Entra mês e sai mês e nada de poder colocar seu plano em
ação. O bando e a volante sempre estavam por trilhas diferentes. Vai que, ainda
no primeiro meado de 1910, na Vila paraibana de Soledade, um cidadão por nome
de Raulino revela a Silvino que o Alferes estava próximo.
O chefe
cangaceiro aguarda alguém aparecer na estrada e, quando aparece, manda um
recado de que na manhã seguinte entraria na Vila de Batalhão para fazer uma ‘coleta’.
Que todos estivessem preparados com sua grana que iria buscar.
Pois bem, como
imaginara Antônio Silvino, aquele recado foi mesmo que um rastilho aceso numa
dinamite, a população entrou em polvorosa. Estando próximo ao povoado,
logicamente o alferes é informado por alguém e o recado tem seu destino certo.
Foi mesmo que balançar um pano vermelho na frente de um novilho bravo. Silvino
atrasa sua caminhada propositadamente, entra na mata e fica a esperar. A noite
cai e no acampamento cangaceiro não se acende fogo. Raspam algumas rapaduras,
cortam alguns queijos de coalho, misturam com a farinha de milho comem bebem
água e se aquietam por perto.
O Alferes
manda preparar um jantar farto. Comem com sofreguidão, talvez saboreando a
vitória no dia seguinte. A informação que tinha era de que o bando de Silvino
era composto de seis ou sete cangaceiros. Logo cedo, manda que a tropa se
apronte e sigam rumo a Vila para esperarem os bandoleiros.
Antônio
Silvino e sua caterva há muito estavam de pé. Seguem rumo a Vila de Batalhão
com cuidado, ouvidos atentos a qualquer som fora do normal. A tropa, a pouca
distância da Vila param para tomarem as últimas providências de como fariam o
cerco aos bandoleiros... E começam a prepararem o desjejum as margens da Lagoa
de Pedras.
O chefe cangaceiro acertou em cheio. Escuta vozes logo adiante. Percebendo de quem se tratava, ordena que seus homens façam um cerco e fiquem quietos. Só era para abrirem fogo depois de ele dar um primeiro tiro.
Parecia que o
chefe cangaceiro não via nenhuma outra pessoa no acampamento. Depois de
identificar o Alferes, não o perde mais de vista. Todo movimento é
meticulosamente observado. Estando de lá para cá, talvez a ansiedade estivesse
consumindo sua calma, o comandante de repente agacha-se como que fosse examinar
o solo, nesse instante cai por terra morto.
Antônio
Silvino, como que saboreando o momento, coloca o inimigo na mira de seu rifle e
o segue para onde ia. Para lá, depois para cá, e sua imagem aparecendo na
sombra do ponto de tiro de exímio atirador. Vendo o alvo abaixar-se, aperta o
galho com firmeza, respiração travada, acertando a cabeça do Alferes. Após esse
disparo, o restante da horda tacam seus dedos nos gatilhos e a espoleta corta
rapidamente. Além do comandante, vários militares tombam sem vida, não sabiam
nem de onde partiu o tiro que ceifou sua vida. O restante do contingente
militar, que não estava ferido, abriram ‘passagem’ na marra e caíram fora, em
busca de salvarem suas vidas.
O cangaceiro
“Cobra Verde”, Odilon Sebastião, em entrevista ao jornalista Dorgival Terceiro
Neto, relatou o seguinte quanto ao ataque: “Os macacos se assanharam e aí
fechou o tempo! Foi fogo grande! Perto do meio dia serenou um pouco! Os macacos
pensavam que a gente tinha saído. Então, um macaco pretão subiu em um pereiro
para nos avistar. O capitão disse para nós: deixa menino, que eu vou botar
aquele porco abaixo!
Meteu-lhe bala e o bicho caiu como um cevado! Quando fomos vê-lo, de tarde, ainda foi sangrado!” (DANTAS, 2012).
Ao fugirem, na
tentava de salvarem-se, um dos soldados é atingido, cai e fica sem poder
prosseguir. Examinando o terreno por onde a tropa, ou o que restou dela, um dos
cangaceiros o encontra, no mesmo instante, sem hesitar um momento , o mata a
punhaladas.
Antônio
Silvino, já a bastante tempo no serviço da espingarda, demora-se por um longo
período do dia para tomar chegada de vez no campo do inimigo. Vai à beira da
Lagoa onde estava estendido o corpo do Alferes e o examinando, certifica-se de
que estava morto.
Há tanto tempo
vendo gente morrer, matando gente e sendo acompanhado pela morte, o “Rifle de
Ouro” sofre de uma crise de fúria. Arrancando seu longo punhal da bainha,
desfere inúmeras punhaladas no corpo do militar. “Arranca os botões dourados da
túnica e as divisas de ombro”. Ainda dominado pela ira, afasta-se um pouco,
pega uma grande pedra e, arremessando-a, amassa a cabeça do Alferes, fazendo
misturarem-se massa cefálica com sangue. Acompanhando os movimentos do chefe os
cangaceiros desembainham seus punhais e sangram todos os corpos dos militares
mortos... nos sertões paraibanos da Vila de Batalhão.
Foto
"Antônio Silvino - O Cangaceiro, O Homem, O Mito" - DANTAS, Sérgio
Augusto de Souza. 2ª Edição. Cajazeira, PB. 2012
Tok de
História
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