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segunda-feira, 5 de março de 2018

A AFILHADA DE SANTO ANTÔNIO.

Por Renato Borges de Sousa


Há muitos e muitos anos, no pequeno reino de onde vieram meus antepassados, havia um homem que possuía muitos filhos e maior prazer que concebê-los era o de conseguir padrinhos para os mesmos.

Pense, leitor, em um homem para gostar de fazer menino? E o danado não parou nem aos setenta anos, pois teve ainda uma “rapinha de tacho”, ou seja, uma última filha. Tal acontecimento fez com que tal homem ficasse noites e noites sem dormir, uma vez que todos no vilarejo eram padrinhos dos seus filhos. Ali, não havia mais compadres disponíveis.

Foi aí que ele prometeu que quando a menina nascesse ele sairia mundo afora e o primeiro forasteiro que encontrasse pelas estradas seria o padrinho da sua caçula. E assim, logo após a primeira curva saindo da cidade, se depara com um frei que, embora assustado com o inesperado convite, topa ser padrinho da pobre criança. Daquela vez, teria o tal seria compadre de Santo Antônio.

Nesse mesmo dia, batizaram a menina e o pai desejando homenagear o compadre coloca na filha o nome de Antônia. Ao se despedir, Santo Antônio faz um pedido ao pai: que ele eduque a criança da melhor maneira possível, pois quando ela tiver treze anos ele virá buscá-la.

No dia em que Antônia completou os treze anos, uma vez que a tarde já se esvaia, o pai pensando que o padrinho havia esquecido da promessa, saiu com a filha no rumo da cidade na tentativa de empregá-la. Mas no caminho, encontram com o Santo Antônio, que disse:

--- Levarei tua filha para ser feliz no palácio do rei. --- Confie em mim... só peço a vossa pessoa que de hoje em diante ela, em vez de Antônia, seja chamada de Antônio e que, em vez de vestidos, passe a usar roupas de homem, pois com tanta formosura, ela correrá perigo em meio a tantos nobres.

Assim, dirigiram-se padrinho e afilhada ao palácio. Antes de entrarem, Santo Antônio orienta a afilhada:

--- Se estiveres em alguma aflição, com muita fé pronuncie: “valei-me, meu padrinho”, que eu virei em teu socorro.

Entregue ao rei, Antônia foi servir de ajudante da soberana. E não demorou para que a rainha se apaixonasse pelo novo serviçal, uma vez que ela julgava que Antônia era um rapaz. Todavia, vendo que não era correspondida, passou a infiel esposa a envolver o novo súdito com intrigas, como da vez em que fofocou ao rei que Antônio havia dito que era capaz de colher, em uma só noite, todos os grãos de trigo dos campos do reino.

Curioso, o rei indaga Antônio sobre a suposta alegação, respondendo o pobre empregado que jamais dissera aquilo, mas que tentaria tal missão, pois não desejava deixar o rei desapontado. Então, foi ele aos campos rogando:

--- Valei-me, meu padrinho!

Nesse mesmo instante, Santo Antônio surgiu tranquilizando a afilhada:

--- Vá dormir embaixo daquela árvore... --- Pela manhã, tudo estará colhido e ensacado.

Se o rei ficou imensamente feliz, a rainha mais ainda apaixonada pelo ajudante, jurando a si mesma que se não fosse correspondida, faria de tudo para que o rapaz fosse mandado embora do palácio. Sob a nova tentativa da rainha, Antônia só pode dizer:

--- Majestade, eu não posso amá-la sem ser desleal ao meu rei.

Furiosa, a rainha vai ao esposo:

--- Eu joguei ao mar meu anel de diamantes, porque Antônio jurou que era capaz de resgatá-lo.

Requisitada à presença do rei, Antônia responde que aquilo jamais pronunciou, mas como não desejava deixar o rei desapontado, tentaria recuperar o citado anel. Indo a um lugar isolado, implora a pobre moça pela ajuda do padrinho, pronunciando a frase que aprendeu na estrada.

Nesse momento, mais uma vez surge o bondoso santo, pedindo que a afilhada fosse pescar, pois na barriga do primeiro peixe fisgado estaria o tal anel da rainha. Dentro em pouco, diante do trono do rei, ninguém conseguiria definir quem brilhava mais, se o anel que Antônia mostrava na palma da mão ou os olhos maravilhados do monarca.

Alimentada pelo ódio que vinha de cada recusa de serviçal, pela terceira vez, a rainha destila seu veneno:

--- Amor, Antônio afirmou que era capaz de resgatar nossa filha que está em poder dos cruéis mouros.

Chamada, novamente afirma Antônia que nunca dissera aquilo, mas que poderia tentar trazer de volta a princesa. E assim, partiu nessa aventura. Ao longo da estrada, pronunciando pela terceira vez: “Rogai-me, meu padrinho”, recebe preciosa ajuda:

--- Podes seguir, afilhada, até o final dessa estrada, onde encontrarás o castelo que mantém a princesa prisioneira. --- Não te preocupes, os guardas estarão em sono profundo e poderás trazer tranquilamente a filha do nosso rei.

Antes de ir embora, Santo Antônio entrega a afilhada uma vareta, pedindo que com esse objeto ela batesse três vezes na princesa: uma primeira vez, quando estivessem saindo da prisão; outra no caminho de volta e uma última quando estivessem na calçada do palácio.

Sabendo que a filha era surda e muda, aproveitando-se que o marido estava muito feliz em reencontrar a princesa, grita a rainha:

--- Amor, o Antônio jurou que conseguiria fazer nossa filha falar.

Sem perda de tempo, ali mesmo, sentencia o rei que se Antônio conseguisse tal façanha, receberia como prêmio a mão da princesa. Assim, mais uma vez, Antônia pede ajuda ao padrinho, que pede que ela, na frente do rei, pergunte a princesa sobre as três vezes que bateu nela com a vareta.

E tudo esclarece a princesa:

--- Bateste em mim na saída da prisão, porque minha mãe tentou te levar três vezes para a cama; --- Na estrada, porque Santo Antônio é teu padrinho... --- E aqui na calçada, porque não es rapaz; es moça!

Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o rei se decepcionou com a infidelidade da rainha, estava encantado com todas as maravilhas que Antônia vinha fazendo. Não perdendo tempo, baniu a rainha maldosa, casando-se com Antônia que, após aquele dia, assumiu seu nome original, além de só usar belos vestidos, seguindo por muitos anos protegida pelo famoso padrinho, Santo Antônio.

Essa é uma antiga narrativa portuguesa, ainda escrita em Português arcaico, mas que tentei lapidá-la, sugerindo uma roupagem mais mossoroense.



Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzagueano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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